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O Partido Comunista Chinês montou uma operação diplomática aberta nas redes sociais.
O Partido Comunista Chinês montou uma operação diplomática aberta nas redes sociais.| Foto: EFE / EPA / Alex Plavevski

Você já deve ter visto vez ou outra muita gente comentando as postagens do embaixador da China no Brasil, Yang Wanming. Ficou famoso surfando na distopia política brasileira, que agora inclui até Sergio Reis entrando com tudo no eleitorado de Sula Miranda, os caminhoneiros. Difícil um momento da briga do presidente com a vacina em que o embaixador ficasse de fora.

Já ouvi questionamentos sobre a liberdade de expressão do embaixador Chinês. Afinal, no país dele nem se permite a operação das plataformas. Nas que existem, integrantes do governo jamais falam assim livremente tudo o que pensam. Por que o representante do governo da China no Brasil exerce aqui aquilo que o país dele proíbe? Porque não é decisão dele, é trabalho. A diplomacia chinesa está nas redes.

Há muitos anos acompanho as agências de notícias oficiais chinesas, principalmente a Xin Hua News. Regimes autoritários são muito melhores em propaganda do que democracias, imaginava que China e Rússia muito rapidamente nos mostrariam formas criativas de manipular pelas redes. Não deu outra. Há uma política estratégica de "contar direito a história da China".

A Universidade de Oxford acompanhou as postagens dos diplomatas chineses em todo o mundo nas redes sociais mais utilizadas por políticos e jornalistas no ocidente. Foram analisadas todas as postagens entre junho do ano passado e fevereiro deste ano, o que rendeu o relatório "China’s Public Diplomacy Operations: Understanding Engagement and Inauthentic Amplification of PRC Diplomats on Facebook and Twitter".

A atuação das 189 contas de Twitter monitoradas mostra como funciona a manipulação, a conquista de novos públicos, o aproveitamento da polarização política e o uso de robôs. Você pode achar isso bem parecido com o que vemos no Brasil ou em outras democracias. Antes diziam que a China copiava as coisas e vejamos só como o mundo dá voltas.

Nós tendemos a focar no conteúdo de postagens para julgar uma pessoa ou situação porque a liberdade de expressão é um valor importante para democratas. O Partido Comunista Chinês sabe focar em contexto, na forma como informações são distribuídas pelas redes sociais. O estudo da Universidade de Oxford foi indicado pela diretora executiva do Centro de Estratégia, Inteligência e Relações Internacionais Daniela Alves.

Por que o embaixador da China faria uma postagem debochada, com clima de molecagem, comemorando a prisão de Roberto Jefferson? Tendemos a julgar o post da forma como nós pensamos, não como o Partido Comunista Chinês pensa. Há uma briga de João Doria e Jair Bolsonaro em torno da Coronavac. Assim, tudo de ruim que acontece ao presidente seria comemorado pelos chineses. Parece fazer sentido, mas é ingênuo.

A China tenta limpar sua imagem de autoritária e violadora sistemática de Direitos Humanos. É muito difícil fazer isso e, ao mesmo tempo, sustentar o massacre contra os uigures na província de Xinjiang. Imagine fazer isso enquanto se declara abertamente vontade de dialogar com os talibãs. Tem um jeito: tornar-se mais palatável para os democratas, usando disputas internas dos países.

A China declarou hoje que respeita a vontade e escolha do povo afegão, como se a tomada do poder por uma minoria radical e violentíssima fosse ato de vontade. Para quem está hipnotizado pela polarização política, o uso desse tipo de frase é estratégico. Apelar ao respeito ao povo do local em oposição ao imperialismo norte-americano é uma boa forma de ter essa fala contextualizada no embate político local e chegar a novos públicos com uma roupa diferente.

A nuvem de frases feita pela Universidade de Oxford mostra como as redes de impulsionamento dos diplomatas chineses no Twitter repetem frases sob medida para a cultura ocidental. "Uma comunidade com um futuro compartilhado para a humanidade", "ninguém está acima da lei", "ninguém está seguro até que todos estejam seguros", "ganhos pela competição e perdas pelo confronto".

As 189 contas oficiais da China no Twitter fizeram 201.382 postagens entre junho do ano passado e fevereiro deste ano. Receberam milhões de curtidas, compartilhamentos e repostagens. Apesar do sucesso, apenas uma de cada 8 ganha o selo de conta oficial do governo chinês. Ou seja, a maioria não sabe com que tipo de conteúdo está interagindo.

E aqui entra também o papel importante que os robôs exercem para colocar os diplomatas chineses em audiências que são atraídas por esses conteúdos sob medida. As pessoas interagem com um post porque gostam do conteúdo - ou porque odeiam - e decidem curtir, comentar, compartilhar. Ocorre que tanto elas quanto seus contatos receberão cada vez mais postagens daquele perfil.

Limites são quebrados aos poucos. Se pensarmos na forma como as pessoas falam com as outras e das outras na internet, estamos diante do absurdo. Ocorre que, pouco a pouco, esses limites são estendidos e comportamentos completamente absurdos passam a ser tidos como normais. Da mesma forma ocorre com o posicionamento público dos diplomatas chineses.

Engaja-se primeiro com um post que parece interessantíssimo e depois chegarão os outros, com conteúdo feito de forma estratégica para exercer soft power em uma sociedade e conquistar grupos. A estratégia está sendo executada para dar certo. Depende, no entanto, do quanto os alvos permanecerão inertes prestando atenção em conteúdo e encantados com embates artificiais nas redes.

Mais da metade de todos os retuítes de contas oficiais do governo da China vêm dos chamados "superespalhadores", o que nós chamamos de robôs. Correspondem a 1% dos seguidores das contas. Eles podem ser como robôs mesmo, perfis comandados por inteligência artificial para disparar e responder automaticamente. Alguns são capazes de fazer 1500 postagens por minuto. Outros são perfis controlados por seres humanos.

Você não vê todas as postagens de quem segue nem seus seguidores vêem todas as suas. A distribuição vai depender de como for a interação com as postagem, sobretudo nos primeiros momentos. Quanto mais comentários, repostagens, likes ou dislikes, mais gente verá, exponencialmente. Por isso os robôs são úteis, interagem loucamente com a postagem nos primeiros instantes e ela é espalhada para um número gigantesco de pessoas reais.

Parte dessas contas foram derrubadas pelo Twitter porque a plataforma não permite perfis automatizados. Outro dia até um robô de uma agência de checagem brasileira foi derrubado. Não se trata de ideologia nem de filtro de conteúdo, mas de controle. O algoritmo vai se aperfeiçoando com as interações e deve ser capaz de ler e prever o comportamento humano para entregar resultado e lucro. Perfis automatizados bagunçam esse processo.

A primeira leva de contas derrubadas fez com que os demais superespalhadores começassem a trabalhar mais e ter alcance maior. Então, a Universidade de Oxford fez uma lista deles e apresentou às plataformas. Foram derrubados também. Novos já devem ter surgido. A derrubada não era para resolver problemas, mas para medir o impacto desses robôs no alcance das postagens.

"Nossas descobertas são relevantes para a indústria, legisladores e
sociedade em geral de algumas maneiras. Primeiro, mostramos que muitas
contas inautênticas foram capazes de amplificar diplomatas da RPC centenas ou milhares de vezes em um período de vários meses antes de serem detectadas e suspensas. No entanto, certamente é importante notar que quando alertamos o Twitter sobre a atividade de contas suspeitas, a empresa agiu prontamente para suspendê-los. Segundo, quem quer que seja orquestrou esta campanha, o fez em violação das regras de manipulação de plataforma sobre comportamento não autêntico e coordenação. E terceiro, enquanto mostramos que a campanha de amplificação inautêntica foi responsável por altos níveis relativos de engajamento dos diplomatas, futuras pesquisas poderiam examinar até que ponto este conteúdo não autênticoé capaz de penetrar em audiências locais genuínas e se é capaz de moldar suas percepções e atitudes"
, conclui a pesquisa.

Caso as pessoas percebam esse movimento e parem de ser inocentes, analisando apenas conteúdos de postagens sem ver o contexto, pode fazer alguma diferença. A diplomacia chinesa conta com o poder do ódio de cada um. Quem odeia a China vai atacar o conteúdo e o amplifica para suas redes. Quem odeia adversários locais da China vai amplificar o conteúdo para suas redes com elogios. Resta saber o que estamos dispostos a sacrificar pelo prazer de viver em bate-boca.

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