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Eles confundem Fabio Porchat com Augusto Pinochet
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Qual o problema de homenagear o Pinochet? "O cara é muito engraçado. Nunca viu Porta dos Fundos?". Confundiu Augusto Pinochet com Fabio Porchat. Parece absurdo, mas o debate é real e aconteceu no Twitter. O rapaz defendia a intenção de homenagear o ditador chileno achando que a homenagem era para o humorista.

Confundir Porchat com Pinochet não é apenas um evento anedótico, é um sinal da Era da Superficialidade, que vivemos sem nos dar conta.

A própria ideia da homenagem é típica dos eventos gestados na retórica do embate superficial. De um lado, defende-se que Pinochet foi um estadista porque combateu o comunismo. De outro, fala-se nos milhares de opositores torturados e mortos. Mas Pinochet é bem mais do que isso.

O primeiro atentado terrorista em Washington não foi obra dos muçulmanos radicais, foi de Augusto Pinochet, em 1976. Também realizou atos terroristas em Buenos Aires. Ele permitiu a implementação de uma colônia pedófila nazista em seu país, a cargo de Paul Schaefer. E, sim, era corrupto. Foi condenado pela justiça chilena pelo desvio de US$ 17 milhões dos cofres públicos.

Há uma história pitoresca que resume o caráter de Augusto Pinochet. Ele foi detido pela Interpol em Londres para responder por crimes contra a humanidade em 1998. Dia-a-dia parecia desfalecer e foi colocado numa cadeira de rodas. Balbuciava coisas sem sentido. Concluíram que ele tinha Alzheimer e o devolveram ao Chile. Ao chegar no aeroporto de Santiago, levantou-se da cadeira de rodas e foi andando, com vigor, para abraçar os amigos.

Como um terrorista corrupto e desonesto, condescendente com pedofilia, pode ter virado um símbolo a ser homenageado por pessoas que se dizem conservadoras? Bem vindos à Era da Superficialidade, em que os fatos históricos recentes parecem se perder na enxurrada de informações que recebemos.

Não é apenas na política, trata-se do esquecimento completo de fatos que formam nossa cultura e nossa sociedade, cuja memória é essencial para a nossa evolução.

Vou contar um caso que vivi e você, muito provavelmente, já vivenciou situações parecidas. Numa redação em que trabalhei, estávamos falando sobre artistas e mencionei o acidente que fez Roberto Carlos perder a perna. Havia entre 8 e 10 jornalistas na sala: todos riram de mim e duvidaram do acidente. Acharam que eu estava contando uma piada. Por coincidência, justamente enquanto escrevia esse artigo, várias pessoas contaram no Twitter experiências semelhantes.

Nunca se produziu tanta informação quanto hoje. Um exemplo: os minutos diários de vídeo que são colocados em um ano na internet superam os minutos produzidos pelo cinema durante o século XX. Num ambiente de excesso de informação, quem decide o que é importante, o que é determinante para a formação do caráter das pessoas e da sociedade?

Antes que alguém se antecipe e diga que é um fenômeno brasileiro ou passe imediatamente a falar mal do nosso país e da nossa gente, adianto que a reação também é típica da Era da Superficialidade. Opinar sobre fatos que desconhece se tornou uma prática comum diante da necessidade de emitir opinião sobre todas as coisas.

A Secretária Nacional de Educação dos Estados Unidos, Betsy DeVos, disse recentemente em uma premiação estar preocupada porque os alunos do país não são capazes de identificar o muro de Berlim, não sabem essa história. Contou algo ainda mais grave: os novos agentes do FBI não sabem o que aconteceu no 11 de setembro.

"Eu recentemente tive uma conversa reveladora com o diretor Wray, do FBI. Ele me contou que muitos dos novos agentes são tão jovens que não sabem exatamente o que ocorreu em 11 de setembro de 2001. Eles dizem 'algumas pessoas fizeram algo' ou que 'ouviram falar' do assunto." - disse Betsy DeVos.

O problema não é apenas educação ou falta de informação. Na Era da Superficialidade, a diferença entre o que é verdade ou mentira acaba ficando borrada na cabeça das pessoas. Sem conhecer os principais fatos e acontecimentos que moldam o nosso mundo, a pessoa opina o dia inteiro com base em quê? Que opiniões são levadas a sério numa realidade de gente que desconhece os fatos que formam seu mundo?

"Quem não conhece a própria história está fadado a repeti-la". A frase do conservador Edmund Burke é uma leitura tão apurada da realidade que já foi repetida em público até por quem é a antítese de suas ideias, Che Guevara. Temos a obrigação de fazer com que as futuras gerações conheçam a nossa história.

Hoje morreu o rabino Henry Sobel, grande líder espiritual e homem capaz de, na hora decisiva, colocar a fé e os princípios acima das pressões e ameaças. Quando Vladimir Herzog morreu, mesmo diante da versão oficial de suicídio, recusou-se a enterrá-lo na área dos suicidas do cemitério israelita e fez como manda a fé judaica.

Junto com dois outros religiosos, ele foi autor da obra mais importante sobre a aplicação prática dos princípios judaico-cristãos na vida cotidiana: Brasil Nunca Mais.

Junto com o cardeal católico Dom Paulo Evaristo Arns e o pastor presbiteriano James Wright, o rabino Henry Sobel contou a história de almas que sofrem. Seguindo os princípios judaico-cristãos no cotidiano, mesmo nos momentos de caos político os três religiosos choram com os que choram e colocam em primeiro lugar a vida.

Muitos dos que hoje debatem nas redes sociais sobre a Ditadura Militar desconhecem fatos. Têm a mesma profundidade e capacidade de opinar da menina que não conhecia os Beatles, do pessoal que não conhecia a Hebe, do homem que considera o peixe elétrico uma farsa ou dos agentes do FBI que desconhecem o 11 de setembro.

Temos a obrigação de garantir que as próximas gerações conheçam os fatos sobre os passos que demos até aqui. O livro Brasil Nunca Mais está NESTE LINK, disponibilizado de forma gratuita. Vamos incentivar principalmente os jovens a conhecer os relatos dos religiosos para que formem sua opinião. Esse processo tem se resumido a mimetizar opiniões de pessoas que são como os jovens querem ser. A gente sabe como isso termina: aceitando Pinochet na ilusão de que ele seja do Porta dos Fundos.

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