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Esse chato desse motoboy Matheus
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As redes sociais foram varridas nos últimos dias por um vídeo com que muita gente se identificou: o motoboy Matheus, que entregava comida num condomínio em Valinhos, interior de São Paulo, confronta com altivez, dignidade e educação os mais baixos insultos do morador, que também se chamava Matheus. Em um minuto, ficam ali expostas as vísceras da sociedade brasileira.

As consequências da postagem do vídeo, feita pela mãe do motoboy, mostram que a reprovação social do racismo, da arrogância e do prazer com a humilhação tem consequência mais rápida e mais efetiva que as recomendações dos adeptos do Estado-babá: nunca reagir e deixar tudo nas mãos da Justiça.

Em poucos dias, Matheus, o motoboy, virou um influencer digital com mais de milhão de seguidores. Uma vaquinha online acumula doações de mais de R$ 100 mil para ele. O caminho dele, que já adotou a alcunha "motoboy humilhado", ainda terá muitas outras coisas boas por vir. O que me incomoda particularmente é: como ninguém havia visto tantas qualidades nesse rapaz antes?

As reações sobre o vídeo se dividem basicamente em dois olhares. O mais forte é a repulsa pelo dono da casa ou a necessidade em publicamente se mostrar diferente dele. A outra é a identificação com a coragem e a altivez de Matheus, que não se deixa humilhar nem intimidar e defende a própria dignidade sem ofender o agressor. A falta de manifestações sobre o terceiro personagem da cena é eloquente. Qual seria o desfecho do caso sem a filmagem?

Ninguém aprende a se defender como Matheus se defendeu da noite para o dia nem no susto. Zelar pela própria dignidade é uma construção diária, ensinada na família e na comunidade da qual fazemos parte. Mas a prática não pega nada bem aqui no Brasil. Testemunha de Jeová, frequentador assíduo da igreja e participante da comunidade, Matheus aprendeu a não se acovardar diante de perseguição e não abrir mão da honra. Se, cada vez em que teve de se defender, ele ganhasse o valor da vaquinha, seguramente seria um dos grandes milionário brasileiros.

Pense nas vezes em que você resolveu levantar a voz para defender a própria dignidade mas não tinha ninguém filmando para colocar na internet. Quantas foram as pessoas que apoiaram sua atitude e quantas foram as que pintaram a cena como se você quisesse arrumar encrenca?

As atenções de muitos ficaram voltadas para o outro Mateus, o de azul, o morador do condomínio que mede o valor das pessoas pela cor da pele e o dinheiro que ganham dos pais. Ele também não aprendeu do dia para a noite a se comportar como se fosse mais digno que as outras pessoas. A defesa da família já alegou insanidade e causou o tradicional bate-boca sobre o tema nas redes sociais. Os aplicativos de entrega de comida não entregam mais para ele.

Não há transtorno mental que torne alguém racista. Há transtornos que podem fazer a pessoa acreditar ser mais do que realmente é e, daí, imaginar que todos a invejam. Mas ninguém chega a uma performance daquelas em público sem muita prática. Tratar os demais como menos dignos, tentar humilhar, desrespeitar e dar escândalo em público só se torna uma prática se não tiver consequências. Se este ato é repugnante quando estamos de longe e vemos pelas redes sociais, não pareceu tão repugnante assim para quem estava na cena e não fez nada.

A terceira figura na cena, que não tenta interromper o ataque e ainda tenta impedir que o motoboy Matheus defenda a própria honra, é fundamental para a existência dos Mateus xingadores. Embora tenha agido como quem segura uma pessoa para o outro bater, o personagem passou despercebido porque isso é comum e aceitável.

Se, quando algo é filmado e as pessoas reagem pelas redes sociais, o errado é o que agride e xinga, na vida real é diferente. Uma cena como aquela só é possível porque não enxergamos o que lava as mãos como aliado do agressor. E ele é. As pessoas não são o que pregam, são o que toleram.

O pastor Martin Luther King tem uma frase que muita gente repete e pouco se vê em prática no Brasil: "O que me preocupa não é nem o grito dos corruptos, dos violentos, dos desonestos, dos sem caráter, dos sem ética... O que me preocupa é o silêncio dos bons". Não nos preocupamos com os que silenciam diante de injustiças que poderiam impedir ou mitigar. Todo adulto já passou pela experiência de não se omitir diante de algo injusto e levar a pior. A sociedade brasileira subestima a perversidade e as consequências da omissão.

Para que o mal triunfe, basta que os bons nada façam. Pela reação nas redes sociais, vimos que a maioria das pessoas condena quem tenta humilhar os outros e louva os que levantam a voz em defesa da própria dignidade. O problema é que, enquanto houver os que se calam, os agressores entendem que essas pessoas estão do lado deles, mesmo que não seja verdade. Ao não se colocar frontalmente contra uma injustiça ou minimizar a injustiça para evitar que pessoas defendam a própria honra, os omissos são o que perpetua essa dinâmica.

A julgar pela experiência, nada acontecerá ao morador do condomínio. Matheus será um hit durante algum tempo e pode ser muito beneficiado por isso se gerenciar a fama instantânea, já que ela se origina pela sua postura altiva, dignidade e inteligência emocional. Ou melhor, pelo fato de que finalmente filmaram um episódio desses. Se dependesse do moço que se omite diante da cena, como essa história seria contada? Quais seriam os desdobramentos?

Todos nós sabemos pela experiência. O "chato" da história seria o motoboy Matheus, que não soube levar na esportiva, fez tempestade em copo d'água ou não soube ser civilizado o suficiente para conviver sem conflitos com alguém que tenta violar sua dignidade. Muitos desses que republicaram o vídeo com comentários fortes fazem isso no dia-a-dia. Ainda bem que não conseguiram intimidar Matheus, precisamos de mais jovens assim no mundo.

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