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#FakeNewsMatam? Só as de conservadores: da patrulha identitária até fazem bem.
| Foto: Divulgação/Pixabay

Desembarco do meu retiro em um dia glorioso deste ano de 2022: o Twitter criou um botão especial para denunciar Fake News. Progressistas e inteligentinhos comemoram de forma efusiva. Realmente a galerinha do parque de areia antialérgica acha que o mundo ficará livre de Fake News da vacina porque o brasileiro agora pode avisar o Twitter. Ungida de um poder que é combo entre STF, parlamento, presidência da República e vice-Jesus, a rede social nos livrará de todos os males.

Todo castigo para otário é pouco. Jesus um dia vai tirar esse sentimento do meu coração, mas ainda não foi hoje. Quem já foi da turma do fundão entendeu direitinho como vai funcionar a denúncia de Fake News para o Twitter. Soube do cara que queria prender o William Bonner por recomendar vacinação em criança? Vai ser bem assim. O twitteiro fanático vai se juntar em bando para chamar de Fake News tudo aquilo vindo de quem ele tem raiva.

"Ah, mas Fake News sobre vacina matam", alegam muitos. Vamos botar a bola no chão. Gente que cria Fake News sobre vacina do calendário normal - nem estou falando de COVID - tem espaço até hoje para falar de saúde pública na grande imprensa paulistana. Só o pastor Silas Malafaia e os conservadores conseguem matar com Fake News sobre vacina, diz a lógica do Sleeping Giants e da imprensa progressista. O antivacina gratiluz da patrulha identitária não mata não. Vamos aos casos concretos.

Tenho familiaridade com a vida e obra do Pastor Silas Malafaia desde que ele tinha bigode e era radicalmente contrário à Teologia da Prosperidade que prega hoje. Se você tiver dúvidas sobre COVID ou a vacina, duvido que ele seja sua primeira escolha para resolver. Mas o inteligentinho acha que só ele pensa e que todo mundo é trouxa. O religioso fala pouco de Jesus mas muito de famosos, novelas, vacinas, políticos e o que mais aparecer nos Trending Topics.

O que mudou agora? O Sleeping Giants cismou que uma série de tweets do pastor, dois anos após o início da pandemia, é potencialmente letal por conter Fake News. A imprensa progressista concorda. Deve matar mais até do que o vírus. Então resolveram fazer uma grande "mobilização" para que o Twitter implementasse no Brasil uma ferramenta que ele já ia implementar. E ele implementou. Nossa, vou fazer uma mobilização para o sol nascer amanhã e vocês vão ver como funciona.

Experimenta colocar algo com direito autoral no Twitter. Se bobear, não consegue nem postar. Isso quer dizer que, se quisesse conter desinformação, teria tecnologia para isso e já teria resolvido. Ocorre que as Big Techs lucram muito mais com Fake News do que os produtores de conteúdo. Na era da COVID, o lucro cresceu ainda mais. Hora de fazer operações de preservação de imagem para poder lucrar mais um pouco.

A discussão central aqui é: Fake News sobre vacina matam ou não? Depende. Se for do Malafaia mata sim. Já se for de uma instituição feminista e progressista, não mata não e é capaz de ainda fazer bem. Não sou eu que digo isso, acabei expulsa de todos os coletivos feministas anos atrás por contrariar as antivacinas gratiluz. A imprensa mainstream não só passou pano para campanhas mentindo sobre a vacina do HPV como ainda ouve os autores. São apresentados como fontes seguras de saúde pública até hoje.

Você já deve ter ouvido falar em efeitos colaterais da vacina do HPV. Isso ocorre porque eles existem, está inclusive na bula. Tudo tem efeito colateral. A campanha de Fake News feita pelo progressismo natureba tratou de distorcer quais eram esses efeitos. Lá pelo ano de 2015, fotos de meninas na UTI passaram a ser disseminadas pela internet, colocando medo em muita gente. Foi um fenômeno mundial tratado com cautela. Houve revisão caso a caso em vários países e esclarecimento de cada um dos diagnósticos.

Essa era a época do boom da campanha pelo parto natural, parto em casa, banheira na sala, sem médico, médico é tudo monstro, aquela coisa toda. Confesso que quase embarquei mas meu instinto de sobrevivência acabou me salvando. Surgiram diversas organizações "feministas" que, na verdade, eram organizações contra a medicalização. Num determinado momento, isso incluiu a vacina do HIV. Veja um exemplo neste post aqui do Facebook:

A imprensa brasileira diz todos os dias que Fake News sobre vacinas matam. E isso pode ocorrer mesmo quando a origem é um televangelista polêmico sem nenhum credenciamento em saúde. Imagine que a própria imprensa passasse a ouvir como fonte de saúde pública quem criou Fake News sobre vacina. Será que não seria ainda mais perigoso? É o que a imprensa brasileira tem feito desde 2015, sem informar você. Antivacinas "do bem" não matam, viram fontes seguras.

Experimente dar um Google em ONG Artemis e você encontrará 7 anos de uma cobertura consistente da imprensa progressista. O tema de que as associadas falam é outro, mas também científico e médico, violência obstétrica. Seria a curadoria de informações tão científica quanto essa apresentada para inventar sintomas mortais para a vacina do HPV? Não sabemos, nunca a imprensa questionou. Atualmente a ONG fala na grande imprensa também sobre COVID.

A memória dos progressistas que pregam vacina obrigatória contra COVID pode ser curta, a minha não. Voltemos ao 2015 em que a galera gratiluz espalhava mentiras sobre vacina contra HPV como se não houvesse amanhã. Havia um movimento de classe média-alta metropolitana questionando que a escola pedisse carteirinha de vacinação das crianças. Era a primeira onda antivacina.

Não podemos confundir antivacina com reticência vacinal, são duas coisas diametralmente diferentes. Reticência é normal sobretudo em esquemas novos de vacinação. Questionamentos têm de ser respondidos. Quando são, a imensa maioria das pessoas passa a ter segurança para aderir à vacinação. Antivacina é uma espécie de seita, crença, religião. Não é reticência porque não conhece esta vacina específica e quer saber mais, é contrário a colocar qualquer vacina no corpo. Qual justificativa? Não faltam histórias catastróficas e teorias mirabolantes.

Para que fique bem clara a diferença entre o que é um antivacina e cidadãos normais com reticência vacinal, compartilho uma postagem do jornalista Sergio Spagnuolo. Ele coletou alguns prints das conversas do grupo de "Solteiros Antivacina". Não há questionamentos sobre realidade, efeitos colaterais, riscos e a ponderação de benefícios. A realidade não importa. Eles consideram-se um grupo de elite, puro por não ter vacina no sangue e abusam de bravatas:

A vacinação contra a COVID é uma exceção completa, estamos no meio de uma pandemia e as coisas tendem a ficar confusas e tumultuadas. A vacinação contra HPV não era no susto, foi desenvolvida no calendário normal. Casos de efeitos colaterais começaram a ser investigados um a um, como se faz com toda vacina ou remédio. Ocorre que a campanha gerou efeitos que diminuíram a cobertura vacinal e causaram pânico em quem precisava ser vacinado.

O caso específico do Acre é interessantíssimo porque foram atrás de todos os casos de efeitos colaterais. No primeiro ano da vacina do HPV, 2014, a cobertura ultrapassou os 92%. A meta do Ministério da Saúde era 80%. Após o espalhamento de mentiras sobre efeitos colaterais, a cobertura vacinal caiu para 6% em 2018. Durante todos esses anos, gente que disseminou essas Fake News foi ouvida como autoridade de saúde pela imprensa. Eram identitários, então pode.

O Ministério Público do Acre saiu atrás de todos os casos de efeitos colaterais graves da vacina. As meninas realmente tinham sintomas, não era enganação. Foram levantados 72 casos e todos levados para um pente fino na Faculdade de Medicina da USP. O relatório final ficou pronto só em dezembro de 2021. Nenhum caso foi decorrente das susbtâncias da vacina. Houve coincidências tristes de doenças congênitas e situações psiquiátricas que coincidiram cronologicamente com a vacinação ou foram agravadas pela tensão com as Fake News sobre a vacina.

Finalmente essas 72 famílias podem tratar a doença certa, trilhar um caminho mais seguro para a recuperação de suas filhas. Muitas delas estão fazendo publicações nas redes sociais contando a história. Obviamente as pessoas sentem-se enganadas e revoltadas. Poderiam ter evitado sofrimento desnecessário e conseguido um diagnóstico de forma muito mais simples sem a desconfiança sobre a vacina. De qualquer forma, foi feito o certo: investigar as suspeitas em profundidade.

O que não entendo é o duplo padrão da imprensa. Fala-se que #FakeNewsMatam, mirando no discurso de Silas Malafaia sobre a vacina. Ele precisa ser interditado, calado, derrubado. No entando, pessoas que fazem o mesmo discurso dele viram até autoridades em Saúde Pública para a imprensa. Basta serem progressistas ou identitárias que ganham o passe livre da luta por um bem maior. #FakeNewsMatam?

Eu não tenho dúvidas de que ficar espalhando desinformação sobre saúde no caos em que vivemos é algo que mata. Se não diminui o cuidado contra a doença, mata do coração, de desespero ou de loucura. Ninguém aguenta mais. O curioso é que a imprensa brasileira e as milícias virtuais têm rigorosamente a mesma definição para a expressão "Fake News": é tudo aquilo dito por quem eu não gosto.

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