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Médica conta o dia-a-dia do atendimento a pacientes de COVID-19 em São Paulo
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"Não, nenhuma faculdade, nenhum texto, nenhum juramento, nenhum conselho dos mais experientes te preparam pra uma pandemia. É um SUSTO. É um tapa na cara de cada um, que da noite pro dia , se torna um 'herói' da sociedade", descreve a médica Nathalia Guapyassu, que atende em hospital público em São Paulo. Talvez espere que, partilhando seu dia-a-dia pelas redes sociais convença as pessoas da gravidade da pandemia e do papel importantíssimo que cada um de nós e a nossa união podem ter no enfrentamento.

No último dia 7, ela relatou que o movimento cresceu tanto que faltou agulha e sonda enteral no plantão. Ou seja, os pacientes que já estavam entubados tiveram de ficar sem comer porque não havia forma de alimentá-los. Naquele mesmo dia ela precisou dar a notícia do falecimento do pai a uma filha, que também tem os sintomas da doença e, mesmo assim, insistiu em ir ao hospital sem máscara. Saiu de lá ainda sem acreditar na gravidade da doença.

Transcrevo o relato de Nathalia Guapyassu sobre o que fez no plantão da última quinta-feira aqui em São Paulo.

Intubando uma mãe cujo filho já faleceu por COVID 19 na UTI ao lado e a mãe ainda não sabe.

Passando boletim/visita médica por telefone (antes feita presencialmente) falando pra uma mãe que a função renal do seu filho de 36 anos, piorou e que o jovem saudável, precisará entrar em diálise.

Dando notícia de óbito pra uma filha que IMPLORA pra se despedir do seu pai que ainda não tem resultado covid positivo (assim como muitos), sem poder deixar uma filha ver seu pai mesmo sem saber se ele está de fato infectado.

Conversando sobre cuidados paliativos (conversa mais difícil que um médico pode ter com uma familia) por telefone e explicando que o caso já é muito grave.

Tudo por telefone, ouvindo familiares chorando e gritando pra outros parentes continuarem a ligação pois não estão aguentando as notícias. Sem ao menos poder segurar suas mãos ou abraçá-los pra confortá-los como antes fazíamos.

Escolhendo se aquele idoso acamado que não fala e começou a tossir no hospital ou a fazer febre, mesmo tendo procurado a unidade para fazer apenas um exame de urina, precisa ficar em isolamento se contaminando com infectados ou se mantenho esse idoso (que não consigo ao menos coletar perfeitamente a história devido o alzheimer) na emergência comum podendo infectar os outros que ali estão sem queixas respiratórias.

Assistindo colegas médicos (que trabalharam comigo há poucos dias) sendo levados a UTI em estado grave e a maior referência de neuroanatomia do Brasil, autor do livro que todos nos baseamos durante a faculdade morrer também sem velório em tempos de COVID.

Assistindo enfermeiras que tanto admiro apresentando síndrome do pânico e a mesma sensação de cada profissional de saúde se sentindo um otário por se expor e se isolar de suas famílias enquanto o brasileiro leva uma vida normal em plena pandemia.

Talvez um dia as pessoas percebam o fardo que estamos carregando e, sim, optando por carregar. Muitos de nós não precisaríamos estar ali, mas estamos tentando, não queremos desistir. O mínimo de respeito com um profissional de saúde que opta por se expor (ou precisa se expor) e trazer toda essa carga emocional e viral pra dentro de suas casas, seria escutar nosso pedido.

Inglaterra perdendo 828 pessoas em um único dia, e o brasileiro segue optando pela ignorância achando que aqui o jeitinho brasileiro nos salvará. Não, não será o jeitinho, será o profissional de saúde que está esgotado te pedindo, FICA EM CASA!

***

Este é o relato de Nathalia Guapyassu. Que saibamos ouvir, apoiar e respeitar os profissionais da saúde no Brasil. A médica também faz parte de um pool que está respondendo perguntas sobre coronavírus gratuitamente pelas redes sociais para quem está em dúvidas se deve ir a um hospital ou não.

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