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O Bebê Antirracista: livro educativo prega que racismo só se combate com racismo
| Foto: divulgação

Você já deve ter ouvido falar em educação antirracista, é um tema que está muito na moda nos Estados Unidos e começa a chegar com força por aqui. Conviver com a diversidade é um talento profissional e interpessoal importante para as futuras gerações, mas seus princípios têm sido completamente distorcidos pelo identitarismo (ou movimento woke). Chegamos à distopia em que se prega ativamente ser racista como forma de antirracismo. Martin Luther King está dando um duplo twist carpado no túmulo nessa altura do campeonato.

Confesso que não tinha prestado atenção ao extremismo desse tipo de iniciativa até ver uma série que começou a ser feita há alguns dias pelo professor e filósofo Peter Boghossian. Os vídeos estão como não listados, mas compartilho um deles aqui com você.

Antes de tudo, é preciso separar a questão do aprendizado sobre diversidade desse sarapatel de coruja inventado pela lacração. Vivemos num mundo em que a hipercomunicação e a tecnologia efetivamente derrubaram fronteiras, gostemos ou não. É a nossa realidade e o mundo das futuras gerações, que requer talentos diferentes.

A minha geração cresceu ouvindo falar de conceitos já ultrapassados, como globalização e cidadão do mundo. À medida em que chegamos numa comunicação global, a realidade se impôs. O ser humano precisa de raízes, de uma identidade própria que é formada por sua identidade social. Conviver com a diversidade não é sinônimo de se amalgamar a diferentes culturas, muito pelo contrário, é saber quem somos e quem é o outro, respeitar que somos diferentes.

O contexto profissional vai exigir esse talento porque mesmo as empresas muito pequenas hoje podem vender para o mundo todo. Uma equipe diversa terá olhos para enxergar mais dores e necessidades a atender com muito mais eficiência e rapidez, algo fundamental num mundo que evolui tão rápido. Os relacionamentos interpessoais cada vez mais vão exigir autoconhecimento e conhecimento das relações humanas.

Como conviver em diversidade respeitando características individuais e dos diversos grupos sociais e culturais é algo complicadíssimo. Há tentativas muito interessantes no mundo todo. O identitarismo propõe algo diferente, uma receita de bolo fundada na reparação dos atos de gente que já morreu e na vingança eterna. E desde o berço.

Há um truque muito engenhoso para conseguir enfiar goela abaixo da sociedade posturas divisivas e injustas como se fossem a maior bondade da história: o uso e discurso moralista e o excesso de adjetivação. Isso vale tanto para o bem quanto para o mal.

O identitarismo sempre vai ser implacável na avaliação moralista de quem vê como inimigo, aquele que não se agacha ou questiona as lideranças do grupo. Essas pessoas serão ridicularizadas, xingadas, isoladas. Dentro do grupo, qualquer bobagem será reconhecida com elogios hiperbólicos de caráter moral, ainda que não tenha nenhum efeito prático. Isso acaba moldando o comportamento das pessoas com relação ao grupo.

É evidente que todos queremos ser aceitos mas não é apenas o nosso cálculo social que se manipula. A maioria das pessoas não quer ferir as outras, quer fazer coisas boas, positivas, contribuir para a sociedade. Você pode não se arrepender de algo que fez ou disse e, ainda assim, ficar triste porque alguém realmente se magoou com aquilo. A manipulação da culpa é um instrumento poderosíssimo do identitarismo. Pela culpa se legitima racismo em nome do antirracismo.

Um dos principais nomes acadêmicos do antirracismo mundial é Ibram X. Kendi. Esteve já cinco vezes na lista dos Best Sellers do New York Times, duas vezes com livros para adultos e três com livros para crianças. Está lançando agora mais um infantil sobre educação antirracista. Peter Boghossian resolveu ler página a página do aclamadíssimo Antirracist Baby, de 2020. É vendido também na tradução brasileira.

A descrição do livro é a seguinte (eu grifei os adjetivos moralistas):

"Do autor vencedor do National Book Award por "Carimbado desde o início" e "Como ser um antirracista", Stamped from the Beginning e How to Be an Antiracist, vem um novo livro educativo que capacita pais e filhos a erradicar o racismo em nossa sociedade e em nós mesmos.
Dê seus primeiros passos com o Bebê Antirracista! Ou melhor, siga os nove passos fáceis do Antiracist Baby para construir um mundo mais justo.
Com arte ousada e texto pensativo e divertido, Antiracist Baby apresenta aos leitores mais jovens e adultos em suas vidas o conceito e o poder do antirracismo.
Fornecendo a linguagem necessária para iniciar conversas críticas desde a mais tenra idade, Antiracist Baby é o presente perfeito para leitores de todas as idades dedicados a formar uma sociedade justa".

Ou seja, se você quer um mundo mais justo e quer eliminar os preconceitos que todo mundo inevitavelmente carrega, precisa comprar o livro e fazer os tais dos nove passos. Talvez a pessimista aqui seja eu, mas não acredito nessa coisa de "racista em desconstrução". É muito reconfortante acreditar que é possível eliminar os nossos preconceitos, mas não sei se realmente nos livramos deles.

Não há almas puras, como quer o identitarismo. A busca purista pelo ser humano ideal está na base de todo movimento extremista. Saber que todos nós temos falhas e pulsões do mal dentro de nós é fundamental para manter o tecido social e a civilização. É a consciência dos nossos erros e vícios que traz a disciplina para tomar decisões mais justas, rever erros e reparar danos. Se um ser humano passa a se imaginar perfeito, o potencial para tirano está criado.

E daí eu volto à descrição do livro. É um libelo moral basicamente, afirma estar numa luta do bem contra o mal. Valeria tudo? Aparentemente sim. Nada indica que o método antirracista efetivamente tenha sido testado em algum lugar. A base é o que seria "justo" ou "certo". E isso vem de um dos intelectuais mais celebrados e premiados dos Estados Unidos.

Ibram X. Kendy nasceu Ibram Henry Rogers. É um preconceito meu ter os dois pés atrás com todo mundo que não é artista e usa nome artístico. Que me perdoem todos os fãs de Ayn Rand, mas o negócio de sair mudando o nome de todo mundo ao redor é Osho demais para a minha cabeça em todos os casos. Nem assim eu havia desconfiado do livro.

Fui ver as ideias que são defendidas pelo professor com mais cuidado. Uma delas é a de eliminar testes padronizados para admissão em faculdades. Eu sou da época de movimento social raiz. Dizia-se que nenhum teste poderia ter foto nem o nome para que o encarregado da correção não se influenciasse por machismo ou racismo. Já fizeram isso, depois fizeram as cotas. Agora o professor é contra cotas e a favor de não ter mais os exames padronizados. Faz como? Sorteio da Xuxa?

Os exemplos citados para melhorar a inclusão abolindo os testes eram políticas emergenciais feitas durante a pandemia, completamente extraordinárias que sequer foram avaliadas.

E daí eu fiquei pensando qual é a base do livro de educação antirracista que vai virar desenho infantil na Netflix. Ibram X. Kendi não engana ninguém, diz abertamente que é a experiência dele como pai. Ele tem 40 anos, é pai de uma única criança pequena. Como eu vou saber se isso dá certo? Não vai. O livro é assim: ou você partilha de todas as visões dele ou é racista.

Aliás, as visões sobre a ligação de amor dos pais com os filhos parecem ser um pouco controvertidas. A ministra da Suprema Corte dos EUA Amy Coney Barret tem 7 filhos, 2 deles adotados em um orfanato no Haiti. Mas ela foi indicada por Trump. Como faremos para criticar e xingar de racista diante da adoção de órfãos haitianos? Ibram X. Kendi consegue e pode ensinar esse talento ao seu filho:

"Alguns colonizadores brancos 'adotaram' crianças negras. Eles 'civilizaram' essas crianças 'selvagens' da maneira 'superior' das pessoas brancas, enquanto usavam como adereços em suas imagens de negação ao longo da vida, enquanto cortavam os pais das crianças fora da imagem da humanidade. E se este é Barrett ou não, não é o ponto. É uma crença que muitos brancos têm: se eles têm ou adotam uma criança negra, então eles não podem ser racistas", disparou Ibram X. Kendi.

E como é que ele fez quando a turma toda da lacração de Hollywood vestiu a carapuça? Porque tem tour de artista pela África para adotar crianças negras e sair em foto. (O que, cá entre nós, é uma das melhores modas que Hollywood já lançou e uma das únicas que melhoram a vida de alguém.) Bom, ele disse que tiraram a fala dele de contexto e não estava dizendo que brancos que adotam negros são racistas.

Mas, na prática, o que seria a tal da educação antirracista para bebês fundamentada em como o ilustre professor criou seu próprio filho na bolha da elite progressista? Basicamente retribuição. "O racismo presente é o remédio para o racismo do passado e o racismo futuro é o remédio para o racismo do presente", explicou Ibram X. Kendi numa entrevista. Gente, mas o novo antirracismo é o racismo em si? Sim, só que do bem.

Martin Luther King era contra a segregação racial. É evidente que os grupos sociais deixados em segundo plano por séculos não estarão em condições de igualdade porque isso está numa lei, no papel. Mudanças culturais demoram. O movimento pelos direitos civis entendia que segregar perpetua as diferenças e o ressentimento, não ajuda a fechar o abismo social.

Não podemos negar que, apesar de todos os problemas sociais que ainda temos, nunca houve uma época em que desfrutamos de tanta liberdade e noção de igualdade quanto a presente. Agora surge o conceito de equidade, que é uma palavra bonita. Mas ela não fala em tratar as pessoas de forma justa, prega vingança e punitivismo retributivo. Você é punido pelo que o grupo dos seus antepassados fez ao grupo dos antepassados de outra pessoa. Esta é a fórmula do bebê antirracista.

Ibram X. Kendi prega que, para ser antirracista, você tem de ensinar desde pequeno a ter preconceito contra brancos. Assim, você equilibra a desvantagem dos negros. Se fôssemos equações em vez de pessoas, não duvido que daria certo. Ele tem todo o direito de fazer esse raciocínio e essa proposta, o assustador é tanta gente levar a sério e querer enfiar goela abaixo do sistema educacional um punhado de ideologia e moralismo.

Explorar a culpa é a chave para abrir a guarda das elites urbanas. Um discurso feito por pessoas privilegiadas que culpam outros privilegiados sistematicamente pelos privilégios. Parece loucura, mas a olimpíada da virtude vira um artigo de luxo. Aqueles que propõem soluções simples para problemas complexos conseguem acumular poder. É o caso.

Antirracismo virou uma marca. Pessoas que nasceram com privilégio demais e capacidade de menos para lidar com a culpa burguesa precisam consumir o produto. Por isso topam essas propostas estapafúrdias de educação declaradamente sem nenhuma base teórica e empírica. Além de explicitamente racista, a proposta declara ser uma aventura pessoal apenas, o autor nem ilude ninguém. Não precisa. Os identitaristas já se iludem por esporte, crêem ser intrinsecamente bons.

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