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Songbun: o sistema de pontos da Coreia do Norte para controlar e vigiar
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Muitos países democráticos começam agora a fazer análises mais profundas sobre o avanço da tecnologia e da ciência de dados, extrapolando a lógica da inovação pela inovação. A questão que tem sido colocada pelos democratas é: que tipo de mundo queremos criar. Óbvio que as ditaduras como a China e Coreia do Norte não fizeram nem vão fazer esse questionamento, já estão vigiando as pessoas.

O Brasil ganhou recentemente um decreto aumentando o tipo de dados que serão coletados de todos os cidadãos, sem necessidade de autorização ou aviso prévio, pelo Governo Federal. Hoje, já somos obrigados a compartilhar muita coisa, como números de documentos, dados eleitorais e dados financeiros. Agora, serão acrescentadas coisas como reconhecimento facial, leitura da íris, leitura das mãos (além das digitais) e até o reconhecimento da forma como a gente anda.

Em um ambiente democrático, essas informações podem ter diversas utilidades, inclusive na área de segurança e saúde. Num regime autoritário, como a ditadura comunista chinesa, serve para controlar os cidadãos e evitar que eles critiquem o governo. Dias atrás, fiz um artigo mostrando como a China já conseguiu estabelecer um esquema de controle que é igual ao de um episódio de Black Mirror.

Embora tenha menos tecnologia, a Coreia do Norte talvez seja o país que mais efetivamente consegue vigiar e controlar seus cidadãos. O nível de autoritarismo compensa a falta de equipamentos e infraestrutura. O Songbun determina o nível de "dedicação" ao país, régua que define toda a vida de cada pessoa.

Muito pouca gente tem acesso ao que se passa na Coreia do Norte, o regime que talvez tenha a maior efetividade do mundo em criar um universo paralelo para os seus cidadãos, reféns de uma ditadura comunista sangrenta e que não tem pudores de viver no luxo enquanto milhões morrem de fome. Recentemente, algumas pessoas conseguiram vistos de turistas e fizeram passeios guiados por gente fiel ao regime. Um deles é o empresário brasileiro Leonardo Lopes, que contou sua experiência para nós numa entrevista em abril deste ano.

Ele teve acesso ao sistema de controle da população chamado Songbun. Ele é menos dependente de alta tecnologia, até porque não existe isso na Coreia do Norte, mas estabelece os mesmos princípios que agora os chineses utilizam para controlar a vida de cidadãos hostis ao regime. Embora os instrumentos de vigilância da conduta sejam diferentes, o resultado é igual.

"O Songbun avalia o nível de dedicação das pessoas para com os grandes líderes, o partido e o regime como um todo", explica o empresário Leonardo Lopes. Em um longo artigo sobre a igualdade na sociedade norte-coreana, ele revela um detalhe fundamental do processo de controle: ele não é individual, envolve toda a família. A pontuação nunca sobe, é só descontada. E isso ocorre se qualquer membro da sua família fizer algo que o governo considera errado.

A sociedade é dividida em 3 segmentos: Amigáveis, Neutros e Forças Inimigas. Cada família é classificada dependendo de como se relaciona e quanto de apoio dá ao regime e ao governo. A Coreia do Norte não divulga nem a existência disso e a única medição do tamanho de cada uma dessas porções é feita pela CIA.

Amigáveis - 30% da população - Participaram em guerras, na fundação do partido ou deram apoio. A eles são reservados os cargos em altos escalões, o direito de morar na capital, melhores casas, possibilidade de ter bens como carro e celular. Trabalhar em empresas chinesas e conseguir bons resultados tem sido, ultimamente, algo com um valor social semelhante ao de desenvolver relacionamentos bons com membros do partido do governo.

Neutros - 40% da população - Não tiveram nenhuma relevância histórica, mas também não representam perigo ao governo. Trata-se de famílias que não se "arriscaram" pelo regime nem se esforçaram no apoio ao partido, mas já foram completamente controladas, são submissas e não representam ameaça. Obviamente não têm acesso a bens nem conforto - não há direito de propriedade no país, tudo é fornecido pelo governo - mas também não são incomodadas pelo regime.

Forças Inimigas - 30% da população - São, basicamente, as famílias que eram donas de terras, negócios ou bens. Tudo isso foi confiscado pelo governo quando se implementou o socialismo, o que tornou essas famílias opositoras e ameaça constante ao regime. São vigiados, controlados de perto, não recebem nenhum tipo de privilégio e podem sofrer qualquer tipo de represália.

Controlar o povo é o sonho de qualquer político totalitário com delírios de grandeza. O instrumento muda de acordo com as características do país. Na pequena Coreia do Norte, é possível fazer isso pelo isolamento do mundo exterior e pela força. Já na imensa China, manter o rebanho de cabeça baixa é uma tarefa mais árdua que está sendo muito facilitada por meio da tecnologia.

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