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Alexandre de Moraes
Polícia Federal espera esclarecer a agressão a Alexandre de Moraes a partir das imagens do aeroporto de Roma.| Foto: Carlos Moura/STF

Barraco de aeroporto. Quem viaja muito sabe como é. Aliás, até quem viaja pouco tem grande chance de ter presenciado alguma constrangedora cena de briga fortuita entre estranhos, estressados, carregados de malas… a probabilidade aumenta se houver o envolvimento de crianças a tiracolo e atrasos de voos em cascata. No mês de julho, então? É regra! Férias da gurizada na escola, recesso em muitas repartições públicas, também na iniciativa privada muitas atividades dão uma pausa. Mais gente nos aeroportos, mais confusão.

No mundo todo, normal. No entanto, independentemente de quem tinha razão no episódio barraqueiro ainda não esclarecido (a regra diz que o mais provável é que ninguém tivesse, mas a prudência me faz aguardar as imagens das câmeras de segurança revelarem a verdade), para um ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) a situação não foi nada “normal”, ainda que indesejável e desconfortável. No Brasil, uma das autoridades máximas do nosso Poder Judiciário acaba de elevar barraco de aeroporto a tentativa de golpe; a crime contra o "Estado Democrático de Direito"; a evento passível de mandado de busca e apreensão na casa do perigoso “suspeito”, com direito à violação de sua intimidade com a apreensão de seu celular e ao cometimento de um abuso de autoridade de fazer admirar pela desfaçatez qualquer ditador mais cauteloso. Isso, sim, é um ataque à democracia, à Constituição, às liberdades e garantias individuais, e ao Estado de Direito!

A ação do ministro Alexandre de Moraes e a ação e omissão de seus colegas no Supremo ultrapassaram, há muito tempo, as raias do absurdo.

Também neste caso está havendo um claro desrespeito ao devido processo e às regras de competência estabelecidas no código de processo penal, em que se prevê que crimes praticados fora do território nacional terão como competente o juízo da capital do estado onde por último tenha residido o acusado. Caso nunca tenha residido no Brasil, será competente o juízo da capital da República.

Portanto, não resta dúvida: o foro competente para apurar eventuais crimes neste caso é a justiça comum, nunca o STF. Porém, como a eventual vítima se trata do todo-poderoso ministro Alexandre de Moraes, mais uma vez as regras do procedimento penal brasileiro são ignoradas. Em mais um abuso de autoridade, o ministro tira proveito indevido de sua posição de poder para inverter a lógica dos direitos e garantias constitucionais, vasculhando a vida privada e a intimidade de um cidadão comum para além dos limites legais.

Em mais um abuso de autoridade, o ministro tira proveito indevido de sua posição de poder para inverter a lógica dos direitos e garantias constitucionais.

Repito: independentemente de quem tinha razão, se é que em tal quiprocó alguém tinha, é inadmissível em uma democracia constitucional que um representante do Estado avance sobre o cidadão como Alexandre de Moraes tem feito, neste e em já incontáveis outros casos. O lamentável episódio no aeroporto de Fiumicino, Roma, envolvendo a família de Moraes e a família de um cidadão brasileiro é, sem dúvida, digno de repúdio, pois barracos em aeroporto são, via de regra, dignos de repúdio. Elevar tal situação a episódio de comoção nacional e, pior, tratá-lo como o que, juridicamente, não é e jamais será, é de uma atrocidade mil vezes mais repudiável, pois agride a Constituição, agride nossa lei e agride qualquer tipo de bom senso.

A ação do ministro Alexandre de Moraes e a ação e omissão de seus colegas no Supremo ultrapassaram, há muito tempo, as raias do absurdo. Até quando a maior parte da mídia vai continuar passando o pano para esse tipo de situação? Até quando a OAB vai se manter calada diante dos abusos contra advogados que ela deveria representar? Até quando a Câmara dos Deputados demorará para instalar uma CPI para investigar os abusos de autoridade cometidos pelos ministros do STF e do TSE? Até quando o Senado se omitirá no seu dever Constitucional de processar ministros do Supremo e entregar à sociedade o impeachment dos membros que têm cometido crimes de responsabilidade diuturnamente?

A sociedade brasileira assiste atônita à escalada autoritária enquanto os ditadores brasileiros de plantão, em todos os Poderes, já não têm mais o menor pudor em avançar sobre nossos direitos constitucionais diante da inércia institucional que reina. E reina com majestades por todo lado, coroadas ficticiamente como um Luís XIV, cujo mantra na França pré-revolucionária era “l’Etát c'est moi” (o Estado sou eu). A nobreza francesa, porém, não muito tempo depois surpreendeu-se da pior forma possível com a realidade: não, o Estado não era ela e, por isso mesmo, precisava ser limitado para não ser por ela abusado.

Nosso futuro não precisa nem deve ser tão conflitivo quanto foi a história francesa do final do século XVIII. Esta fase histórica, aliás, já deveria estar superada há muito tempo no Brasil e em todo o mundo. Basta que as instituições voltem a funcionar como deveriam, sem recurso à Lei de Talião pelos poderosos, e a democracia constitucional se restabelecerá. Falta, porém, que se respondam às perguntas acima: até quando quem mais pode fazer alguma coisa se dará conta de que já foi longe demais?

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