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Foi só escrever na semana passada que, com a prisão de Bolsonaro, o golpe estava consumado, para que o Supremo Tribunal Federal (STF) avançasse no autoritarismo mais uma vez. Assistimos a mais uma canetada de um ministro do Supremo, Gilmar Mendes, dada monocraticamente para proteção de seus próprios membros. O ministro decidiu que apenas a Procuradoria-Geral da República (PGR) pode pedir o impeachment de ministros do STF, tirando o poder do povo de peticionar e o dos senadores de conduzir todo o processo. Cala-se, assim, de uma só vez o povo e os seus representantes no Senado. Cala-se a democracia.
Não há interpretação possível que sustente esse absurdo. A Constituição é cristalina e a Lei 1.079/1950 é explícita: qualquer cidadão pode protocolar pedido de impeachment de ministro da Suprema Corte, que será julgado no Senado. Foi assim no regime militar, foi assim na redemocratização, foi assim nos últimos 35 anos. E justamente agora, quando o clamor popular por responsabilização da Corte cresce, um único ministro resolve anular a própria Constituição por decreto pessoal. Para autoproteção.
O que se viu foi a consumação de uma blindagem descarada. Uma fortaleza construída para proteger a cúpula do Judiciário de qualquer mecanismo de responsabilização
O que Gilmar Mendes fez não foi interpretar. É usurpação. É golpe, e golpe atrás de golpe.
Gilmar Mendes decidiu que o Senado já não pode receber um pedido de impeachment sem a bênção prévia da PGR. Como se a Procuradoria, já há anos alinhada ao governo de plantão, fosse órgão superior ao Legislativo. Como se o Senado fosse um departamento subordinado do Ministério Público. E como se o povo, responsável em qualquer país democrático por propor impeachment de autoridades, já não existisse.
O que se viu foi a consumação de uma blindagem descarada. Uma fortaleza construída para proteger a cúpula do Judiciário de qualquer mecanismo de responsabilização. A prova disso está no detalhe mais escandaloso da decisão: a exigência de dois terços dos votos do Senado para abrir o processo após o pedido da PGR, em lugar da maioria simples já consagrada pela legislação. É o medo da próxima eleição, que indica uma nova configuração majoritariamente de direita no Senado da República a partir de 2027.
A esfarrapada justificativa de Mendes seria uma suposta “incompatibilidade” da lei com a Constituição de 1988. É a mesma lei que serviu para processar dois presidentes da República desde sua promulgação. Agora, porém, que a lei não convém para quem é alvo de dezenas de pedidos de impeachment por crimes de responsabilidade, cria-se novo entendimento. Que coincidência conveniente…
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Não se trata de decisão judicial mas de mais um golpe de Estado, praticado por quem adquiriu ilegalmente muito poder e não abre mais mão de exercê-lo até o limite. É a “ditadura da caneta”, exercida por ministros que não foram eleitos, não respondem a ninguém e passaram a se comportar como donos da República, solapando a democracia brasileira.
Gilmar Mendes, porém, ao agir sozinho, com uma decisão monocrática, acabou conseguindo algo raro: uniu o Senado contra si. Senadores de diferentes partidos reagiram publicamente à violência institucional que a decisão representa. A imprensa, parte dela cúmplice histórica desses abusos, pela primeira vez passou a admitir de forma uníssona: trata-se de um ataque direto à democracia representativa.
A bancada do partido NOVO protocolou uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que restabelece o óbvio: devolve ao Senado o poder de processar e julgar ministros do STF; reafirma o direito de qualquer cidadão apresentar pedidos de impeachment e impede que interpretações voluntaristas, ou vingativas, enterrem a fiscalização democrática. Em 48h chegamos a 98 assinaturas das 171 necessárias na Câmara.
O Congresso precisa reagir agora e deixar claro que não aceita tal afronta. Se não reagir, transfere voluntariamente seus poderes para um tribunal que já não esconde sua disposição de governar no lugar dos parlamentares. É urgente, portanto, que o presidente da Câmara, Hugo Motta, instale a Comissão Especial da PEC 8/2021, que extingue decisões monocráticas contra decisões tomadas pelo Congresso Nacional. Relatei o texto na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) há mais de um ano e já deveríamos ter votado o tema em plenário. Não é possível que 513 deputados e 81 senadores continuem sendo ignorados por despachos individuais de quem não recebeu um único voto.
Democracia verdadeira não existe sem representação popular e fiscalização do Legislativo efetiva sobre os outros poderes. O Congresso não pode tolerar uma corte que se blinda, se autoprotege e se coloca acima do povo e do Parlamento.




