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“Análise de conjuntura eclesial” foi discutida pelos bispos em uma das primeiras sessões da Assembleia Geral da CNBB.
“Análise de conjuntura eclesial” foi discutida pelos bispos em uma das primeiras sessões da Assembleia Geral da CNBB.| Foto: CNBB/Flickr

Os bispos brasileiros estão reunidos em Aparecida para a 60.ª Assembleia Geral da CNBB. O encontro começou no dia 19 e termina nesta sexta-feira, dia 28, e nele os bispos vão eleger a nova liderança da conferência episcopal, além de discutir uma série de temas. Nas mãos dos bispos, por exemplo, estão dois documentos que eu pretendo comentar hoje. Somam quase 90 páginas; então, a não ser que você tenha deixado para ler esta coluna numa sexta-feira, caso em que pode usar a leitura dos documentos como penitência em substituição à abstinência de carne, deixe que eu faço um resumo.

A análise de conjuntura sobre “os grandes desafios da sociedade brasileira” é um documento puramente político que parece saído de um centro acadêmico. “O Brasil voltou”; Bolsonaro é mau, Lula é bom; os Estados Unidos são “moralistas”, mas a Rússia é... sei lá o que a Rússia é, porque não recebeu nenhum adjetivo; a Nicarágua até foi classificada como “ditadura”, mas deve ter sido algum lapso do redator ou do revisor; a política econômica é rentista, austeridade fiscal é ruim, bom mesmo é gastar o que temos e o que não temos (nem o acabou-se-o-fiscal do Haddad escapa das críticas); fora todo o papo do “racismo estrutural”, desarmamento amplo, geral e irrestrito etc. etc. A religião só é mencionada em três páginas perto da metade do documento, sempre pelos ângulos de sua “instrumentalização” pela “extrema-direita” (a direita sempre é “extrema”, já a esquerda, mesmo adorando ditadores genocidas, nunca recebe esse qualificativo) e da crítica ao “fundamentalismo” (na linha “criticou a CNBB, é fundamentalista”).

Mas calma, que ainda tem mais. Além da primeira análise de conjuntura, um outro documento me interessa especialmente, pois diz respeito mais diretamente à Igreja. É uma “análise de conjuntura eclesial” chamada “As ameaças à comunhão eclesial no contexto de polarização sociopolítica, cultural e religiosa” e redigida por Boris Nef (PUC-SP), Marcelo Batalioto (Dehoniana Taubaté), Geraldo De Mori (Faje) e Danilo Pinto dos Santos (CNBB).

Basicamente, o que temos é: a repetição do Bolsonaro-mau-Lula-bom, só que sem mencionar tanto os nomes quanto o primeiro documento; quando a dire... extrema-direita fala em religião, é instrumentalização da fé, mas quando a esquerda fala em religião, é aplicação do que Pio XI fala sobre a política ser a “forma mais perfeita da caridade”; o grande problema da Igreja Católica hoje são os influencers movidos pelo “discurso neotradicionalista que recupera e manipula as expressões do fiel comum presentes nas múltiplas formas de experiências de movimentos de caráter devocionista e espiritualista” (o Centro Dom Bosco é mencionado nominalmente); defender enfaticamente a vida e a família é fazer uma “leitura fundamentalista” da Bíblia.

Quanto ao que é preciso ser feito, a ênfase é toda no blablablá da sinodalidade; a “religiosidade popular” precisa ser “mais bem acompanhada e, se necessário, corrigida” para não ser presa de “manipulação política” (que, lembremos, só a dir... extrema-direita faz, deuzolivre achar que a esquerda seria capaz disso); a CNBB devia ter uma agência de checagem do que é noticiado nas emissoras católicas (não falaram com essas palavras, mas a ideia é essa); a “atração exercida por perfis, discursos e estética neotradicionalistas sobre os que se preparam para serem padres” é “assustadora” e deve ser contida.

No fim das contas, acho que o trecho mais verdadeiro do documento está na página 22, quando diz que “o diagnóstico acima apresentado é parcial” (grifo meu). Sim, eu sei que os autores quiseram usar “parcial” como “incompleto”, mas não duvido que o Espírito Santo tenha inspirado a escolha dessa palavra que tem um outro sentido, muito mais condizente com tudo isso que está nessas 40 páginas: os autores têm um lado claramente definido, demonizam totalmente o outro e não fazem a menor questão de esconder isso.

Quem escreveu essa análise de conjuntura eclesial acha que está refletindo a visão de “Igreja em saída” do papa Francisco, mas no máximo vê a Igreja como uma grande ONG, bem daquele jeitinho que o mesmo papa Francisco já condenou

Engraçado, porque eu podia sinceramente jurar que os grandes desafios da Igreja no Brasil eram outros, num país em que apenas 8% dos católicos vão à missa semanalmente, em que a frequência aos outros sacramentos também é fraquíssima, onde as vocações sacerdotais não deslancham... quem escreveu essa análise de conjuntura eclesial acha que está refletindo a visão de “Igreja em saída” do papa Francisco, mas no máximo vê a Igreja como uma grande ONG, bem daquele jeitinho que o mesmo papa Francisco já condenou, ou pior ainda, como mais um partido político entre tantos outros. Falam muito em diálogo, mas julgam não ter absolutamente nada a aprender com os “fundamentalistas” (lembram da homilia de Joseph Ratzinger na missa Pro eligendo pontifice de 2005?) cujos seminários, paróquias e igrejas estão cheios. Zero de visão sobrenatural, zero de compreensão sobre a verdadeira missão da Igreja no mundo – dica: não é ser apenas um locus onde as disputas da sociedade são repetidas, apenas com uma roupagem ligeiramente diferente.

E vários bispos tiveram a mesma impressão. Um deles, que não vamos identificar aqui, afirmou à coluna que, ainda que as análises de conjuntura venham causando mal-estar já há muitos anos, esta última recebeu muita rejeição até mesmo dos mais “progressistas”, e chamou especial atenção o que esse bispo chamou de “injustiça em relação às novas realidades eclesiais”. De qualquer maneira, ele acrescenta, as atenções já haviam se voltado à eleição para os cargos de comando na conferência – o arcebispo de Porto Alegre, dom Jaime Spengler, foi eleito presidente na segunda-feira; hoje foram escolhidos os vice-presidentes (dom João Justino, de Goiânia-GO, e dom Paulo Nóbrega, de Garanhuns-PE) e o secretário-geral (que muitos consideram o cargo realmente responsável por puxar as cordinhas dentro da conferência), dom Ricardo Hoepers, de Rio Grande (RS), escolha que me agradou bastante.

De fato, nenhum dos dois textos tem caráter normativo, é algo feito por um grupo para que os bispos analisem. Mas jabuti não sobe em árvore, certo? Os redatores dessas análises mal-feitas não surgem do nada, recebem esse encargo de alguém. Se os novos líderes da CNBB agirem para termos gente mais sensata escrevendo essas análises, quem sabe os bispos (e os fiéis) as levarão mais a sério, não é?

O suicídio moral da Pontifícia Academia para a Vida

O presidente da Pontifícia Academia para a Vida, arcebispo Vincenzo Paglia (sim, aquele), segue dando sua contribuição para acabar de vez com uma instituição tão essencial nos dias que correm, e tão querida por seu criador, São João Paulo II. Falando em um festival de jornalismo na cidade italiana de Perugia, na última quarta-feira, ele defendeu a possibilidade de uma lei que permita o suicídio assistido. Depois de dizer que a Igreja não é uma “distribuidora de pílulas de verdade”, que o ensinamento moral da Igreja pode “evoluir”, e que é preciso encontrar soluções para os dilemas morais dentro de uma “sociedade democrática e pluralista”, ele tratou das questões legais envolvendo a eutanásia e o suicídio assistido. Disse que a autonomia individual não é absoluta, e que os países que legalizaram a eutanásia entraram numa espiral em que cada vez mais grupos de pessoas são admitidas ao suicídio assistido (o caso canadense, narrado pelo Flávio Gordon, é especialmente grotesco), incluindo até mesmo quem já não pode dar (ou ainda não pode dar, como no caso das crianças) seu consentimento pleno e consciente.

Bom, essas últimas observações fariam pensar “bom, ele vai defender a proibição do suicídio assistido, certo?” Então, não. Paglia termina renegando o que acabara de dizer para afirmar que “não se excluir que em nossa sociedade [a Itália] seja factível uma mediação jurídica que consinta com o suicídio assistido nas condições estabelecidas pela Sentença 242/2019 da Corte Constitucional”: a pessoa deve estar sendo mantida viva graças a sistemas de suporte vital, sofrer de uma doença incurável, “fonte de sofrimento físico ou psicológico que ela considera intolerável”, ser “plenamente capaz de tomar decisões livres e conscientes”. E Paglia ainda encerra dizendo que uma legislação nessa linha “pode constituir o maior bem comum concretamente possível nas condições em que nos encontramos”.

Engraçado, porque sempre achei que “o maior bem comum” seria a defesa da vida de forma integral, da concepção à morte natural, sem concessões. No caso do fim da vida, isso se reflete na ortotanásia, em que se reconhece as limitações do corpo e a morte ocorre naturalmente, sem provocá-la ou apressá-la nem por ação, nem por omissão. É o contrário da eutanásia (uma ação que provoca a morte) e da distanásia ou “obstinação terapêutica” (em que se mantém vivo o paciente a qualquer custo, inclusive aumentando ou prorrogando seu sofrimento). Mas Paglia, ao admitir que a legislação permita o suicídio assistido, faz uma concessão inaceitável ao Zeitgeist, uma rendição às “condições em que nos encontramos”.

Na segunda-feira, a PAV soltou um comunicado de esclarecimento, já que as palavras de Paglia causaram revolta justa entre católicos em todo o mundo. O texto diz que Paglia, em comunhão com o Magistério da Igreja, “reafirma seu ‘não’ à eutanásia e ao suicídio assistido”; que ele falou dentro do contexto específico italiano, em que existem uma decisão judicial e um projeto de lei no Parlamento; e que é preciso seguir considerando o suicídio assistido como crime na lei, mesmo admitindo-se a ausência de punição se estiverem presentes as condições definidas pela Corte Constitucional.

Vincenzo Paglia, ao admitir que a legislação italiana permita o suicídio assistido, faz uma concessão inaceitável ao Zeitgeist, uma rendição às “condições em que nos encontramos”

Bem, não adianta muito. Paglia podia ter aproveitado a oportunidade para fazer a defesa da ortotanásia como a única solução aceitável para os dilemas éticos e legais envolvendo o fim da vida, mas preferiu falar em “mediação jurídica que consinta com o suicídio assistido”. E assim, de discurso em discurso, de tuíte em tuíte, quem comete suicídio moral é a própria Academia.

Representantes de escolas católicas se reúnem em Curitiba

A partir de amanhã, professores e gestores de escolas católicas parceiras do Sistema Positivo de Ensino participam do XI Encontro de Escolas Católicas, em Curitiba. O tema deste ano é a presença feminina na educação, inspirada na figura de Nossa Senhora. “Historicamente, estamos à frente da missão de humanizar as relações entre as pessoas e os conteúdos, facilitando o processo de aprendizagem e aproximando os estudantes e suas famílias da equipe escolar”, diz a coordenadora pedagógica para escolas confessionais conveniadas ao Sistema Positivo de Ensino, Lúzia Martins. “A exemplo de Nossa Senhora, podemos aprender a exercitar diversas habilidades fundamentais para o educador, como a paciência, a dedicação, o amor e a delicadeza”, acrescenta.

Passei boa parte da minha vida escolar (todo o ensino fundamental e o último ano do ensino médio) em escola confessional católica mantida por freiras, então fui testemunha em primeira mão dessa presença feminina no ensino. Algo pelo qual serei sempre grato a elas durante o tempo que passei lá foi o fato de elas jamais terem “escondido” ou diluído a identidade católica da escola; não deixaram que ela fosse confessional apenas no nome, mas não na prática (como está hoje eu não sei dizer). Cultivar as “habilidades essenciais para o educador” é imprescindível, e elas serão ainda mais importantes se forem usadas para conduzir os estudantes na direção do bem, da beleza e da verdade.

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