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Marcio Antonio Campos

Marcio Antonio Campos

Vaticano, CNBB e Igreja Católica em geral. Coluna atualizada às terças-feiras

Spray de pimenta

Missa é lugar de criança, sim

crianças na igreja
Olhar torto para criança que chora, faz manha ou brinca na igreja é o fim da picada. (Foto: Imagem criada utilizando Whisk/Gazeta do Povo)

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A essa altura, o leitor já deve saber do absurdo ocorrido em Jundiaí (SP) no último dia 22, quando uma médica atacou com spray de pimenta uma criança de 2 anos e seus pais durante uma missa porque se irritou com a menina, que estava brincando no corredor da igreja. Mas não é esse episódio específico que eu quero comentar: quanto a isso, que a Justiça faça o seu trabalho. A Diocese de Jundiaí se manifestou, primeiro com uma nota de repúdio, e depois por meio de um encontro do bispo com os pais da menina. Muito bom, mas eu senti falta de uma mensagem importante, e que talvez fosse o que mais valesse a pena ressaltar depois de uma barbaridade como a que aconteceu: a de que as crianças são e sempre serão bem-vindas na igreja.

Sendo pai de três crianças, eu naturalmente me solidarizo com outros pais que às vezes precisam lidar com algum choro, manha ou bagunça dos seus filhos – não só na igreja, mas em outros espaços onde esses pais naturalmente se afligem com a possibilidade de a criança estar incomodando os demais, como aviões. Tendo a chance, eu faço aquela cara de “não se preocupe, está tudo bem”; se estiver mais próximo e a situação permitir, faço algum breve comentário simpático, como aconteceu no voo que me trouxe de volta de Roma, em que uma criança demorou um bocado para se acalmar. Já li muitas dessas histórias de pais que preparam pequenos mimos para entregar a quem estiver por perto em determinadas situações como um “pedido de desculpas antecipado”. Nada contra os pais, mas sim contra uma sociedade que os faz se sentirem na obrigação de fazer isso, porque já não se tolera que as crianças sejam... crianças.

Quanto menores são as crianças, menos se pode esperar delas que fiquem absolutamente quietas por muito tempo, seja um voo, seja a duração inteira de uma missa

Crianças, especialmente as pequenas, choram de dor (se a pressão no ouvido muda subitamente, então...) ou por manha, estão aprendendo a controlar suas emoções, querem brincar, explorar, enfim, quanto menores elas são, menos se pode esperar delas que fiquem absolutamente quietas por muito tempo, seja um voo, seja a duração inteira de uma missa. Que isso seja visto com reprovação dentro de uma igreja católica é algo que me deixa horrorizado. Quem também tem ou já teve filhos pequenos desenvolveu empatia (assim espero) devido à experiência pessoal, mas mesmo quem nunca teve filhos precisa entender que missa é, sim, lugar de criança. Deveríamos todos dar graças a Deus e aos pais, que não deixarão a Igreja perecer por falta de renovação.

Algumas dicas práticas, de um pai para outros pais; e um pedido a todos os demais

Segundo a mãe da menina atacada em Jundiaí, a médica teria dito que a igreja não era “parque de diversões”. É a única coisa verdadeira que deve ter saído da boca dela. De fato, a igreja não é um lugar qualquer, e os pais devem mostrar isso aos filhos assim que eles tiverem a capacidade de compreender isso. Não se vai à igreja para brincar, mas para se encontrar com Deus. Infelizmente, junto com o fenômeno da sociedade intolerante a criança, surgiu também o fenômeno dos pais sem noção que deixam seus alecrins dourados tocarem o terror onde quer que estejam e não veem problema algum nisso. Mas suponho que os meus leitores com filhos não sejam desse tipo. De qualquer forma, para aliviar a angústia dos pais de crianças pequenas que temem ser vistos como estorvo, ofereço um pouco da minha experiência, sem a pretensão de ser exemplo de nada.

Eu sei que algumas paróquias costumam ter um lugar para pais deixarem as crianças, onde elas ficam com algum catequista, ouvindo historinhas religiosas ou coisa do tipo, enquanto os pais estão na missa. Por mais bem-intencionada que seja a ideia, prefiro que as crianças permaneçam com os pais, vejam e ouçam a missa, presenciem os pais rezando, percebam que aquele é um momento especial – até mesmo pelo modo como nos vestimos para ir à missa. É assim que elas vão aprender a reconhecer a importância daquela horinha e a se comportar na igreja, pelo exemplo. “Ah, mas aí eu não consigo participar direito da missa”, você vai dizer. Mas pense que Deus, durante esses anos, irá lhe pedir um tipo diferente de participação; não aquela compenetrada o tempo todo, mas aquela que consiste em dar atenção ao seu filho e, à medida que ele for crescendo, ir ensinando a ele as verdades da fé. Você esqueceu de fazer o sinal da cruz porque estava ajudando o filho a fazer? Está tudo bem!

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O tipo e a infraestrutura da igreja ajudam também. Já frequentamos paróquia que tinha fraldário (agora não precisamos mais) e um jardinzinho onde as crianças podiam extravasar um pouco quando estavam agitadas demais (agora elas ficam no banco a missa inteira). E sempre preferimos igrejas com imagens, vitrais, tudo que possa chamar a atenção dos filhos visualmente e nos dê oportunidade de ir explicando tudo o que for possível. Houve uma época em que, depois da missa, precisávamos percorrer todas as estações da Via-Sacra porque as crianças queriam ver os quadrinhos. Aqui os párocos têm sua dose de responsabilidade, rejeitando o minimalismo estético que vemos em algumas igrejas e abraçando o rico patrimônio visual da Igreja.

De resto, a todos os outros, do bispo aos fiéis, cabe a tarefa de deixar claro que as famílias com crianças pequenas são tão bem-vindas ao ambiente da igreja como qualquer outra pessoa. Eventuais situações extremas sempre poderão ser resolvidas na conversa – com os pais, claro, que são os responsáveis por ensinar aos filhos o comportamento adequado durante a missa. Os pais de crianças pequenas não querem tapete vermelho na entrada, banco preferencial, salva de palmas na hora dos avisos, privilégio nenhum. Na maioria das vezes, quando a criança começa a chorar ou fazer manha, os pais são os primeiros a se sentirem mal por estarem criando uma distração para os outros fiéis. Só esperamos mesmo compreensão e paciência.

Criança religiosa é criança feliz

E tudo isso que estamos conversando sobre crianças na igreja tem impacto potencial sobre o próprio bem-estar delas. Em meados de maio, o International Journal of Latin American Religions publicou dois artigos da psicóloga Vívian Hagen Antônio Oliveira, em conjunto com outros pesquisadores, inclusive de universidades estrangeiras, sobre uma correlação entre religiosidade e sensação de felicidade entre pré-adolescentes de 10 e 11 anos. Vívian é pesquisadora do Núcleo de Pesquisa em Espiritualidade e Saúde (Nupes) da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), que o leitor da minha outra coluna aqui na Gazeta, o Tubo de Ensaio, já conhece bem.

Na maioria das vezes, quando a criança começa a chorar ou fazer manha, os pais são os primeiros a se sentirem mal por estarem criando uma distração para os outros fiéis

Resumindo muito resumidamente, 277 estudantes receberam questionários sobre práticas religiosas, a importância da espiritualidade para eles, afirmações de cunho religioso, etc. Depois, a pesquisa pediu que cada entrevistado se colocasse dentro de uma escala que mede o grau de felicidade. Os pais dos pré-adolescentes também participaram da pesquisa descrevendo a vivência religiosa dos filhos e como eles percebem o nível de felicidade deles. Cruzando os dados, a equipe de pesquisadores encontrou uma correlação: entrevistados com maiores níveis de práticas religiosas (como a frequência a cerimônias) e percepções positivas sobre espiritualidade (como uma visão positiva de Deus ou a sensação de que Deus cuida deles) tendiam a afirmar graus mais altos de felicidade e reportar efeitos positivos em outras áreas do seu desenvolvimento.

Obviamente, como qualquer um familiarizado com esse tipo de pesquisa sabe, correlação não é sinônimo de causalidade: que crianças mais religiosas digam ser mais felizes não significa necessariamente que elas sejam felizes por causa da religiosidade; pode haver outros fatores em jogo. Tampouco isso significa que crianças e adolescentes sem vivência espiritual sejam infelizes. Mesmo assim, as descobertas de Vívian e seus colegas são bastante interessantes – e vão na mesma linha de outras pesquisas anteriores, com os públicos mais diversos possíveis, que associam maiores níveis de religiosidade e bem-estar – e são mais um argumento para que sejamos sempre bem receptivos à presença de crianças na igreja, caso Marcos 10,14 e Lucas 18,16 não sejam suficientes...

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