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Os cardeais brasileiros já estão na Casa Santa Marta, onde ficarão hospedados até o fim do conclave que se inicia nesta quarta-feira. Até então, eles haviam se hospedado no Colégio Pio Brasileiro e contado com a ajuda do monsenhor André Sampaio, da Arquidiocese do Rio de Janeiro, que veio da Cidade Maravilhosa para a Cidade Eterna com dom Orani Tempesta. Na manhã de terça-feira, enquanto transcorria a última das congregações gerais antes do conclave, monsenhor André conversou com a reportagem da Gazeta do Povo, compartilhou um pouco das percepções dos eleitores brasileiros e falou também das próprias expectativas em relação ao próximo pontificado.
Como foi o cotidiano dos cardeais no Colégio Pio Brasileiro, e como eles avaliaram as congregações gerais?
O espírito entre os cardeais foi de fraternidade, tranquilidade e muita oração, que é exatamente o que o conclave pede aos cardeais. Durante as congregações gerais, eles trouxeram à tona discussões e preocupações: questões políticas, sociais, doutrinais, todas as preocupações que afligem o coração de cada um dos cardeais.
Entre os brasileiros, três – dom Jaime Spengler, dom Leonardo Steiner e dom Paulo Cezar Costa – foram nomeados cardeais mais recentemente. Como eles lidaram com a questão do desconhecimento? Eles pegam informações com os brasileiros que são cardeais há mais tempo?
O grupo de eleitores tem 133 cardeais, muitos feitos recentemente. Eles não tiveram oportunidades anteriores para se encontrar, a não ser em alguma congregação ou reunião dicasterial. Então, esses dias foram momentos de conhecimento. Mas acredito que a delineação dos candidatos se dará realmente dentro do conclave.
“Precisamos de um papa santo e um papa que saiba realmente escutar.”
Monsenhor André Sampaio
Quais são as perspectivas sobre a duração do conclave?
Eles esperam que a votação seja rápida, até porque todos os cardeais que governam uma diocese têm a preocupação de voltar logo para lá, porque a vida diocesana continua e os afazeres ficaram acumulados. Falando mais concretamente, acredito que o conclave não dure muito tempo, no máximo dois ou três dias.
E quanto às expectativas sobre as chances de um dos cardeais brasileiros ser eleito?
Acho que cada região do Brasil apoia o seu próprio cardeal: os cariocas prefeririam dom Orani, os paulistanos torcem por dom Odilo Scherer, os brasilienses por dom Paulo Cézar, e assim por diante. Mas, entre os cardeais brasileiros, aqueles que, na minha opinião, teriam maior chance seriam dom Sérgio da Rocha, que participava do C9, aquela comissão de cardeais criada pelo papa Francisco para tratar das questões da igreja; e, depois, dom Orani, porque é uma pessoa de moderação.
Moderação é importante?
Os cardeais – não só os do Brasil, mas todos eles – esperam eleger alguém que traga unidade, no contexto eclesial e também no contexto mundial. Alguém que seja realmente um “pontífice”, que crie pontes e laços de paz, de concórdia, de respeito. Mas precisamos entender o que isso realmente significa: ser pontífice, ser um papa moderador não significa alguém amorfo, que queira agradar a todo mundo para não ter oposição. Não significa que ele não dará continuidade àquilo que Francisco teve, nem que ele vá romper com a direção do papado anterior, mas que ele dará suas próprias características a esse pontificado.
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A julgar por tudo o que falam sobre os desafios da Igreja, o próximo papa terá de ser um pastor piedoso, sólido na doutrina, um diplomata, um administrador, um levantador de recursos... não é coisa demais?
Falou-se muito nas congregações gerais sobre as qualidades do novo papa. E, quando eu ouvia, brincava dizendo que essa lista de requisitos é caso mais para as causas dos santos que para o conclave. Certamente o próximo papa terá de congregar um grupo que o ajude a governar bem. É fundamental ter bons assessores. Se o papa tem bons assessores, é um homem de oração, é um homem que se preocupa com a dimensão do pobre, do excluído, do marginalizado, mas também se preocupa com todos os aspectos da Igreja, com todo o povo de Deus, será um grande pontífice. Eu diria, acima de tudo, que precisamos de um papa santo e um papa que saiba realmente escutar. Assim damos continuidade à aquilo que o papa Francisco pretendia com a sinodalidade, ou seja, uma Igreja que escute a todos, que ouça a todos, que dê oportunidade para que todos possam se expressar.
Um Francisco II?
Não acho que o eleito adotaria esse nome. Mesmo que seja um dos cardeais criados por Francisco, não o vejo repetindo o nome. Coitado; se o próximo papa assume essa postura, carregará sobre si um grande peso. Ele pode dar continuidade àquilo que Francisco iniciou, mas ao mesmo tempo dará um caráter seu, próprio do papa que está assumindo o pontificado. Eu acho mais provável um João Paulo, ou qualquer outro nome. Podia ser até Sebastião, puxando a sardinha para o patrono da cidade do Rio de Janeiro. O importante é lembrar que o próximo papa dará as suas características à Igreja.
Esse conclave é marcado por muita informação, todos sabem o que os cardeais já disseram ou fizeram sobre vários temas. O próximo papa, seja quem for, pode assumir já encontrando rejeição ou oposição. Como lidar com isso?
Jesus não agradou a todos, e obviamente não será um papa que conseguirá agradar a todos. Eu digo que eu já tenho pena do próximo pontífice, porque ele realmente terá um grande desafio à sua frente, e tudo que fizer será criticado. Qualquer movimento deve gerar contestação, por causa de algum posicionamento, por causa de ideologia, seja o que for; o próximo papa vai sofrer com críticas. Algumas até totalmente infundadas: se o papa vier com o sapato preto, um grupo vai reclamar; se vier com sapato vermelho, outro grupo vai falar mal, e assim por diante. Acabamos de ver isso nos funerais do papa Francisco, quando o cardeal Kevin Farrell, o camerlengo, usou um pluvial que tinha sido preparado para o papa Bento XVI, mas que ele acabou não utilizando, e só isso já gerou milhões de interpretações.
“Cada um cria um papa na sua cabeça, e quer que este papa seja adequado à sua expectativa. Não é assim: o papa vai ser adequado à realidade.”
Monsenhor André Sampaio
Eu diria que temos de deixar o papa governar com paz. Vamos dar o nosso crédito, a nossa confiança, a nossa oração, o nosso apoio ao novo papa. Quem será ele? Não sabemos, mas que seja realmente aquele papa para esta época, para esse momento. A igreja tem um movimento: João XXIII, depois Paulo VI, João Paulo I, João Paulo II, Bento XVI e Francisco. Existe um ir e vir dessa onda do mar, que não é o da Galileia, mas que leva a Igreja, que é a barca de Pedro, e que caracteriza a história da Igreja. Uma história de 266 homens que foram escolhidos para serem vigários de Cristo.
Será preciso desarmar muitas expectativas, então...
Cada um cria um papa na sua cabeça, e quer que este papa seja adequado à sua expectativa. Não é assim: o papa vai ser adequado à realidade, à realidade da sua humanidade. Terá virtudes e defeitos. Quanto a nós, precisamos aprender a conviver com a diversidade. Um exemplo: a Igreja Católica não se resume à igreja latina. Na sua universalidade, ela é composta por 24 igrejas, a latina e 23 igrejas orientais, que vêm da tradição alexandrina, armena, antioquena, bizantina e caldeia; nós tivemos um vislumbre disso no funeral do papa, com os patriarcas e arcebispos maiores prestando a sua homenagem com o uso da língua grega, porque é o idioma do maior grupo das igrejas orientais. Se a Igreja é rica na sua diversidade, por que essa tendência de querer um uníssono? A unidade se dá exatamente no respeito pelo pontífice, na nossa fidelidade a este que vai assumir o trono de Pedro.