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A votação propriamente dita só começa daqui a algumas horas, mas os ritos do conclave estão oficialmente abertos com a celebração da missa Pro eligendo pontifice, nesta manhã (horário de Roma), presidida pelo decano do Colégio Cardinalício, o cardeal (não eleitor) Giovanni Battista Re. “A eleição do novo papa não é uma simples sucessão de pessoas, mas é sempre o apóstolo Pedro que retorna”, afirmou na homilia o decano, pedindo orações para “que seja eleito o papa de que a Igreja e a humanidade precisam neste momento tão difícil e complexo da história”.
Como deve ser esse papa? Segundo Re, todo pontífice tem a missão de “fazer crescer a comunhão: comunhão de todos os cristãos com Cristo, comunhão dos bispos com o papa e comunhão dos bispos entre si”. O decano também disse que o próximo papa tem de se fazer da Igreja “casa e escola de comunhão”, e que não pode esquecer “o apelo à manutenção da unidade da Igreja segundo o caminho indicado por Cristo aos Apóstolos”, explicando que essa unidade “não significa uniformidade, mas comunhão sólida e profunda na diversidade, desde que se permaneça plenamente fiel ao Evangelho”.
Talvez o momento mais incisivo da homilia tenha sido aquele em que o cardeal decano pediu um papa “que melhor saiba despertar as consciências de todos e as energias morais e espirituais na sociedade atual, caracterizada por um grande progresso tecnológico, mas que tende a esquecer Deus”. Re ainda completou dizendo que “o mundo de hoje espera muito da Igreja para a salvaguarda daqueles valores fundamentais, humanos e espirituais, sem os quais a convivência humana nem será melhor nem beneficiará as gerações futuras”. Foi o melhor momento da homilia, pois foi talvez o único que tenha feito uma referência mais específica ao momento atual da humanidade, uma era de consciências anestesiadas, em que cada um faz o que quer sem nem mesmo refletir, sem o menor sentimento de culpa. As pessoas vivem uma ilusão, confundindo a autêntica liberdade com um vale-tudo moral; só a voz forte da Igreja é capaz de acordá-las.
“Oremos para que Deus conceda à Igreja o Papa que melhor saiba despertar as consciências de todos e as energias morais e espirituais na sociedade atual, caracterizada por um grande progresso tecnológico, mas que tende a esquecer Deus.”
Cardeal Giovanni Battista Re, na homilia da missa Pro eligendo pontifice desta quinta-feira.
Homilia de Re foi melhor que a de Sodano, mas não chegou perto daquela de Ratzinger
Mas convenhamos: que essa tenha sido a parte mais forte da pregação mostra o quanto ela foi genérica no restante. Mas ainda assim ela foi melhor que a homilia do cardeal Angelo Sodano na missa Pro eligendo pontifice de 2013, abrindo o conclave que elegeria Francisco. Naquela ocasião, não houve nenhuma fala mais enfática sobre a crise moral e espiritual da sociedade, apenas as menções um tanto óbvias sobre a unidade da Igreja, a busca da paz mundial, a caridade. Não quer dizer que esses temas não sejam imporantes; eles são. Mas, se é verdade que Deus suscita papas que correspondam ao momento específico, isso faltou na homilia do cardeal Sodano, que não se referiu ao Zeitgeist vigente em 2013, ao contrário do que Re acabou de fazer.
O fato é que, como eu dizia ao padre Luiz Fernando antes da nossa entrada ao vivo no Café com a Gazeta do Povo desta quarta-feira, ficamos mal-acostumados. Só Deus sabe quantos conclaves ainda teremos de presenciar até ouvirmos uma homilia tão preciosa quanto aquela que Joseph Ratzinger proferiu na missa Pro eligendo pontifice de 2005. As imagens e expressões que ele usou naquela ocasião permanecem conosco até hoje. Ratzinger falou da “barca do pensamento de muitos cristãos”, agitada por ondas trazidas por filosofias que vão “do marxismo ao liberalismo, até à libertinagem, ao coletivismo radical; do ateísmo a um vago misticismo religioso; do agnosticismo ao sincretismo e por aí adiante”. Afirmou que “ter uma fé clara, segundo o Credo da Igreja, muitas vezes é classificado como fundamentalismo”. E cunhou ali a expressão “ditadura do relativismo”, que até hoje descreve com perfeição o mundo em que vivemos. As homilias de 2013 e 2025 não chegam nem perto disso – e afirmo isso não para tirar mérito de Re ou de Sodano, mas para mostrar como Ratzinger era mesmo genial, e como foi um privilégio vivermos na mesma época que um gigante da teologia.
Agora é o momento de intensificarmos nossas orações para que Deus dê à Igreja um papa que tenha a força de provocar esse “despertar de consciências” que pediu o cardeal Re, mas que não se esqueça daquele alerta feito por Ratzinger em 2005, porque ele segue mais atual que nunca.
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