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Bispos alemães participam da missa de abertura da Assembleia Geral da conferência episcopal alemã, em 19 de fevereiro.
Bispos participam da missa de abertura da Assembleia Geral da conferência episcopal alemã, em 19 de fevereiro.| Foto: Anna Szilagyi/EFE/EPA

O “caminho sinodal” alemão, como bem sabem os que já acompanham a coluna há algum tempo, não passa de um truque barato de vários setores da Igreja Católica alemã para acomodar, de forma institucional, uma série de demandas identitárias e do atual Zeitgeist em termos de moral sexual, mas que batem de frente com a doutrina católica sobre o sexo e o casamento. Os defensores do “caminho sinodal” querem trazer para dentro da Igreja o vale-tudo sacramental (ordena-se todo mundo, casa-se todo mundo, abençoa-se todo mundo) e, como já expliquei várias vezes, eles não irão desistir, não partirão para o caminho do cisma formal, não deixarão a Igreja para ingressar em alguma denominação protestante que já faça tudo isso, porque o seu objetivo é mudar a Igreja, e para isso eles precisam permanecer formalmente dentro dela.

O Vaticano e o papa Francisco têm feito repetidos apelos para que os “sinodais” parassem com essa loucura. O papa escreveu uma carta aos católicos alemães, tratou do assunto nas famosas entrevistas de avião, o cardeal secretário de Estado também se manifestou em carta aos bispos alemães, outros chefes de dicastério fizeram suas críticas... e a tudo isso os “sinodais” responderam com um “segue o baile”; absolutamente nada foi interrompido e os trabalhos seguiram exatamente como planejado – até agora.

O “caminho sinodal”, que pretende um desvirtuamento completo da fé que causaria enorme confusão entre os fiéis, é um perigo muito maior para a Igreja que qualquer outra pessoa ou movimento contra o qual o papa já tomou ações bem mais severas

Esta semana, o episcopado alemão está reunido em Augsburgo, e parte do programa desse encontro consistia na votação dos estatutos de um “comitê sinodal” que deveria estabelecer, mais adiante, um “conselho sinodal”. A instituição desse conselho, que tomaria “decisões fundamentais de importância supradiocesana”, havia sido aprovada em 2022; sua composição incluiria tanto bispos quanto leigos – provavelmente egressos do Comitê Central dos Católicos Alemães (ZdK), uma entidade totalmente aparelhada pelo “progressismo” identitário e que já havia aprovado os tais estatutos do comitê, faltando apenas o aval dos bispos. Mas, após uma nova intervenção vaticana, a votação que estava prevista foi suspensa, segundo reportagem do Crux. O que fez os bispos alemães finalmente pisarem no freio?

Ainda segundo o Crux, o episcopado alemão – que, é preciso dizer, não está todo alinhado com o “caminho sinodal”, havendo uma minoria de bispos fiéis à doutrina católica – recebeu uma nova carta, assinada por três pesos-pesados curiais: o secretário de Estado, cardeal Pietro Parolin; o prefeito do Dicastério para a Doutrina da Fé, cardeal Victor Fernández; e o prefeito do Dicastério para os bispos, cardeal Robert Prevost. No texto – que, segundo o trio, tem aprovação do papa –, eles dizem que um órgão como o “conselho sinodal” não tem nenhuma previsão no Direito Canônico, que sua existência usurparia o papel da conferência episcopal, que sua criação seria um ato inválido; mas tudo isso o Vaticano já havia dito, sem que os alemães ficassem minimamente sensibilizados. A diferença, desta vez, foi a ameaça de sanções canônicas caso a votação seguisse adiante – que punições seriam essas, o documento não diz, e aparentemente os bispos não querem pagar para ver.

Sinceramente, demorou. O “caminho sinodal” alemão, que pretende um desvirtuamento completo da fé que causaria enorme confusão entre os fiéis, é um perigo muito maior para a Igreja que qualquer outra pessoa ou movimento contra o qual o papa Francisco já tomou ações bem mais severas, seja os adeptos da missa tridentina, agora sujeitos às restrições desproporcionais de Traditiones custodes, seja bispos perfeitamente ortodoxos (ainda que não tenham muito autocontrole na frente de um celular ou teclado de computador) como Joseph Strickland ou o cardeal Raymond Burke. Quando passou a usar esse tipo de medida, Francisco subiu o sarrafo para uns, que supostamente causavam divisão na Igreja, enquanto deixava livres os que realmente estavam causando divisão na Igreja. E os alemães ainda ganharam a chance de parar antes que qualquer ameaça de punição fosse concretizada, enquanto outros não tiveram a mesma sorte (ou, ao menos, não um aviso formal).

Difícil saber se este é apenas um recuo temporário – e, neste caso, quando os “sinodais” voltarão a agir – ou se o Vaticano finalmente conseguiu colocar um freio na loucura, talvez não acabando com o “caminho sinodal” como um todo, mas ao menos barrando o seu ponto culminante institucional. Afinal, ainda há muita coisa que os promotores da confusão doutrinal dentro da Igreja ainda podem fazer, mesmo sem o tal “conselho sinodal”. Minha intuição é a de que eles tentarão contornar o veto pontifício de alguma forma, e aí veremos como o Vaticano lidará com a desobediência reiterada.

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