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A Capela Sistina, preparada para o conclave de 2013, em que o cardeal Jorge Bergoglio foi eleito papa.
A Capela Sistina, preparada para o conclave de 2013, em que o cardeal Jorge Bergoglio foi eleito papa.| Foto: Claudio Peri/EFE/EPA

Nesta terça, solenidade de São José, de quem o papa Francisco é muito devoto, o pontífice está lançando sua autobiografia. Alguns trechos já foram divulgados antecipadamente pelos próprios veículos de comunicação do Vaticano; sabemos, por exemplo, que ele vai defender Fiducia supplicans (suspiro); e que não pensa em renunciar, mas que, se um dia o fizer, vai escolher o título de “bispo emérito de Roma” e morar fora do Vaticano – já comentei tempos atrás o que eu consideraria ser uma boa regulamentação em caso de renúncia papal. Mas prefiro esperar para ler o livro todo antes de fazer um comentário.

Diz o vaticanista John Allen Jr. que no livro o papa também fala em possíveis mudanças no conclave, rejeitando totalmente um boato que surgiu por aí, sobre a inclusão de não cardeais na votação, mas admitindo que ele considera mudar não o conclave em si, mas as congregações gerais, as reuniões pré-conclave das quais todos os cardeais participam – uma possibilidade seria excluir delas os cardeais não eleitores, com mais de 80 anos. No entanto, o que eu comento hoje é outra ideia que apareceu no finzinho de fevereiro, e de que acabei não tratando por causa dos casos da nota abortista do Ministério da Saúde e do discurso de Luís Roberto Barroso na PUC-Rio. O historiador Alberto Melloni, especialista em história dos conclaves, pediu ao papa que mude o processo de votação para torná-lo mais lento – em alguns casos, bem mais lento.

Nos últimos dois conclaves falou-se muito do interesse dos cardeais em resolver logo a parada para não passar ao mundo uma imagem de “desunião” caso o conclave demorasse demais; uma votação naturalmente mais longa reduziria essa especulação

Hoje, um dia típico de conclave pode ter até quatro votações, duas pela manhã e duas pela tarde. Melloni sugere apenas um escrutínio por dia, e vai mais longe – o ideal, para ele, seria um dia de pausa entre cada dia de votação. A maior preocupação de Melloni, considerado um “progressista”, pode ser resumida neste trecho de um outro texto seu, publicado anos atrás:

“Fumaça branca sai da chaminé sobre a Capela Sistina; o cardeal protodiácono aparece na sacada da Basílica de São Pedro para declarar ‘Habemus papam’; as vestes vermelhas se aglomeram nas janelas laterais e o novo papa eleito surge. Enquanto sorri e se apresenta humildemente à multidão na praça, uma postagem isolada em uma mídia social faz uma alegação surpreendente: o cardeal eleito, quando era bispo, recebeu uma denúncia bastante plausível sobre um abuso cometido por um padre e esperou, até demais, para fazer algo. O padre acusado acabou cometendo outros crimes. Na praça e nos estúdios da imprensa, os olhos se desviam da sacada para os smartphones. O entusiasmo é substituído por um silêncio constrangedor. O papa volta para dentro da basílica e renuncia. A Sé está vacante de novo.”

Melloni quer que os cardeais tenham mais tempo para se “estudarem”, e que os papabili cientes de que há algo que possa ser usado contra eles tenham tempo para deixar claro aos demais que não querem ser eleitos – Melloni chega a sugerir, a esse respeito, que o cardeal que for eleito papa só responda no dia seguinte se aceita a eleição, em vez de precisar fazê-lo assim que a votação termina, tendo assim uma noite toda para pensar. E, uma vez feita a escolha, “o Colégio de Cardeais terá de proteger o eleito do risco de ser deslegitimado por uma acusação construída para dividir os cardeais entre os que vão questionar a eleição de uma pessoa indigna e os que vão considerar válida a eleição, no mínimo graças à presunção de inocência”, uma divisão que seria catastrófica para a Igreja.

A ideia me parece interessante por esse e por outros motivos, alguns dos quais Melloni também menciona. Um efeito colateral da diversificação que o papa Francisco introduziu no Colégio Cardinalício é que a maioria dos cardeais simplesmente não se conhece e tem raras oportunidades para se encontrar – chances que a pandemia reduziu ainda mais. O historiador menciona a “tendência a endossar muito rapidamente o candidato que crescer mais rapidamente no voto único da noite de início do conclave e nas quatro votações do dia seguinte”, e os cardeais novatos e outsiders são ainda mais suscetíveis a esse efeito manada. Nos últimos dois conclaves houve muito comentário de vaticanistas sobre o interesse dos cardeais em resolver logo a parada para não passar ao mundo uma imagem de “desunião” caso o conclave demorasse demais – de fato, tanto Bento XVI quanto Francisco foram eleitos rapidamente, no segundo dia (ou o primeiro dia inteiro) de votação.

Confesso que não compreendo esse medo de dar ao mundo a impressão de que está rolando um House of Cards na Capela Sistina. Primeiro, porque sabemos que a Igreja não funciona nessas bases de política partidária. Segundo, porque conclaves mais longos não são incomuns nem mesmo no passado recente – São João Paulo II foi eleito apenas na oitava votação, e São João XXIII precisou de 11. Terceiro, porque é óbvio para qualquer um que acompanhe a vida da Igreja Católica hoje que há visões bem diferentes sobre as necessidades da Igreja e sobre como ela deve ser governada; então, um conclave mais demorado pelas regras atuais não seria nada do outro mundo. De qualquer maneira, um cronograma como o sugerido por Melloni, deixando os conclaves naturalmente mais lentos, reduziria demais a margem para esse tipo de especulação mundana.

Mudanças em conclaves não são nada extraordinário, nem “rupturas com a tradição”: João Paulo II e Bento XVI introduziram alterações, embora nenhuma da mesma dimensão daquela proposta por Melloni, para quem Francisco provavelmente toparia uma reforma destas, embora lhe faltem – isso na avaliação do historiador – canonistas com o talento necessário para a tarefa (sim, cardeal Gianfranco Ghirlanda, é com você). Mesmo assim, parece-me uma sugestão interessante e que merece boa discussão.

PUC-Rio sob intervenção

O cardeal-arcebispo do Rio de Janeiro, dom Orani Tempesta, cujo cargo faz dele automaticamente o grão-chanceler da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), assinou um decreto no último dia 12 nomeando um conselho “a fim de contribuir, entre outros fatores, para aprimorar a gestão do atual reitor”, o padre Anderson Pedroso. O colegiado funcionará por um ano (com possibilidade de prorrogação) e é formado pelo padre jesuíta Luís Corrêa Lima, presidente das Faculdades Católicas (mantenedora da PUC-Rio); dom Antônio Luiz Catelan Ferreira, bispo auxiliar do Rio; os padres Ricardo Torri de Araújo e Waldecir Gonzaga; e Carlos Alberto Serpa de Oliveira, presidente da Fundação Cesgranrio.

No decreto, o cardeal menciona “diversas vozes acerca das mudanças pelas quais passa essa prestigiosa instituição católica” e “sinais de instabilidade que a universidade atravessa”, mas não explicou nem que mudanças nem que instabilidades seriam essas. O timing do decreto, no entanto, torna impossível não lembrar da palestra de Luís Roberto Barroso em 8 de março, fazendo a defesa explícita da descriminalização do aborto (e sendo aplaudido por isso) em uma aula magna, o que despertou uma reação visceral e justificadíssima da parte de muitos católicos em todo o Brasil. A PUC-Rio negou, claro, e em nota inclusive ressaltou os ótimos resultados financeiros e educacionais – o que, para mim, só reforça o fato de que a intervenção foi motivada por fatores outros, fortalecendo a hipótese que associa a intervenção à palestra abortista.

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