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Foto: Albari Rosa/gazeta do povo.
Foto: Albari Rosa/gazeta do povo.| Foto:

“Vamos falar sobre o Brasil, não é?”, me perguntou o economista Eduardo Giannetti logo que propus entrevistá-lo, na saída de um jantar próximo da sua casa. Aquiesci, é claro. A premissa de entrevistar economistas de ponta como ele é justamente a de ouvi-los para além dos números. Conhecer as suas opiniões sobre o país especialmente em um momento tão sensível para o nosso futuro. Não se espantem, portanto, se o tema central da nossa conversa passou longe da candidatura de Marina Silva. Espero que gostem.

Pergunta que eu te faço: você ficou sabendo sobre a delação do Palocci? (Giannetti meneia a cabeça) Eu lembrei de você, porque tínhamos tido aquela conversa sobre o embate impossível entre os extremos, e eu disse que o Bolsonaro pode ser uma ameaça à democracia, mas que o PT não fica muito atrás. Não sei se você leu, mas a notícia é de que a eleição e reeleição da Dilma custou 1,4 Bi de reais. Desses, 800 milhões só na reeleição, quando arrasaram com a Marina de uma maneira dantesca […]. Eu queria saber de você: é possível ainda confiar no PT? O Haddad é um bom moço, diferente do resto do partido, ou pode acontecer de ele não segurar a barra?

Bom… Em relação à delação do Palocci, eu acho que é uma informação extremamente importante. É alguém que conviveu da maneira mais íntima com o círculo do poder durante dois mandatos do Lula e depois durante o governo Dilma, no primeiro mandato, em que ele foi chefe da Casa Civil. Eu acho que são afirmações da maior gravidade, mas, francamente, quebrar o sigilo dessa delação na semana da eleição não é parte do jogo democrático. Não é assim que as coisas têm que acontecer, num país organizado. Isso me deixa profundamente melancólico, porque eu não gosto desse tipo de acontecimento com um ambiente tão conturbado. Não pode. Isso não pode acontecer, Mario. Está errado. Independente de qualquer paixão. Na minha visão, de um país minimamente organizado, e que tem regras de convivência política, a Justiça não pauta ações de quebra de sigilo de uma maneira tão desastrada. Acho um timing desastroso… a uma semana da eleição no Brasil.

Esse timing desastroso você coloca também na mesma prateleira de o ministro Lewandowski autorizar que o ex-presidente Lula conceda entrevista, ou são coisas diferentes?

Eu acho que são coisas diferentes, mas, de novo, é um tipo de incerteza jurídica… aprova e depois desaprova… cria um clima de conturbação que é tudo o que nós não precisamos neste momento. O Brasil precisa ter serenidade. Nós estamos entrando numa situação muito delicada, uma sociedade dividida em que cada um dos lados quer destruir o outro. E vão destruir, se continuarem nesse caminho, a própria democracia. O Brasil vai entrar em guerra. Uma guerra simbólica, e que vai transbordar, eventualmente, para uma violência física.

… se pensarmos bem aqui, essa violência já está acontecendo há um tempo. A morte do cinegrafista Santiago Andrade, em 2013, não deixa de ser um exemplo. Aliás, a própria facada que o Bolsonaro levou é um reflexo desse clima…

Sem dúvida, sem dúvida. Eu tenho usado um modelo, que eu vi num físico quântico que eu achei uma gracinha e que acho que ajuda a pensar a fragilidade do sistema de poder instituído no Brasil. É o seguinte, você constrói uma torre de areia delgada e deixa um grão de areia cair sobre essa torre. Um único grão. Três coisas podem acontecer: ou o grão de areia repousa no topo da torre e fica ali, ou ele escorrega suavemente para a base da pirâmide, ou ele cai em um determinado ponto e faz essa torre desabar. Nós estamos jogando grãos de areia quase todos os dias. Os acontecimentos significam grãos de areia. Em três ocasiões esta torre esteve na iminência de um colapso súbito e violento.

Quais?

Junho de 2013. Começou com um grão de areia que foram os 20 centavos. Virou uma coisa gigantesca, um tsunami que levou o governo Dilma a ficar completamente acuado, nas cordas… nós tivemos outra situação que ameaçou profundamente o sistema de poder instituído, quando morreu o Eduardo Campos, que foi a ascensão da Marina. Isso deixou o sistema de poder no Brasil em pânico e ele reagiu com uma violência sem tamanho, porque viu ali que realmente poderia cair. E o terceiro, que foi a greve dos caminhoneiros. Começou com o problema do preço do diesel e levou o Brasil à beira de um precipício, de total colapso das instituições e do funcionamento da sociedade. O sistema de poder está extremamente frágil […],se continuarmos no caminho em que estamos, a qualquer momento nós vamos ter uma situação em que vamos ter outro grão de areia e essa torre vai colapsar. Não sei o que vai acontecer depois disso, mas vejo essas três ondas e imagino que elas não estão desconectadas entre si.

… E, se me permite, existem outras que você poderia citar. Teve o impeachment, que talvez seja um reflexo…

É verdade…

… e outra, que talvez nem seja um grão de areia, que é a Operação Lava Jato.

A Operação Lava Jato eu acho que é o acontecimento mais importante da atualidade. Eu coloco a Lava Jato em pé de igualdade… O negócio é o seguinte, a cada década o Brasil tem um grande desafio e se mobiliza em torno de uma grande conquista. A década de 80 foi a da redemocratização, com muitas idas e vindas, retrocessos, desapontamentos… lembra o que foi a derrota das Diretas Já? A década de 90 foi a saga da estabilização, com os planos de estabilização, os desastres, confisco, mas o país, como na redemocratização, conseguiu completar esse movimento, e com o Real se estabilizou. E, nos últimos dez anos, foi a Lava Jato. O grande movimento na vida pública, acho que equivalente à redemocratização e à estabilização, é o escancaramento desse sistema instituído de poder que a Lava Jato permitiu. Essa deformação patrimonialista do Estado brasileiro. Mas agora nós estamos vivendo um enorme retrocesso. É uma ducha de água fria. Eu imaginava que a Lava Jato fosse alterar para melhor as perspectivas eleitorais no Brasil. Mas ela não teve esse papel. Ao contrário, acirrou aquela divisão petismo x antipetismo… um boçal representando o antipetismo e que vai levar o país para um beco sem saída. Está levando. Porque vai ser um país rachado, uma eleição muito violenta e muito dividida… 

É… a chance de não rachar seria a vitória de alguém que não representasse os extremos…

Exatamente. […] Eu tinha uma ilusão de que o autoconhecimento doloroso que representou a Lava Jato para nós, sociedade civil brasileira… que haveria uma reação do eleitorado…

Mas a reação está aí…

Mas não houve… o status quo político brasileiro se armou e manipulou as regras para a sua sobrevivência. Os oligarcas do Nordeste, o sistema político instituído, com a divisão dos fundos partidários, o tempo de televisão… Eles conseguiram, de uma maneira até surpreendente para mim, se proteger para se salvar.

Mas… acho que eles tentarem se proteger era meio óbvio… quanto à reação das pessoas… o Bolsonaro, honestamente, é como se fosse um coice. Uma martelada no joelho. Tanto é que, nessa onda de antipetismo, de antiesquerda, houve o surgimento do MBL, de sites como O Antagonista… […] Esses movimentos me fazem pensar na responsabilidade da elite, se a elite não abandonou o país. Te pergunto: temos essa elite preocupada e esclarecida?

Eu acho que os sentimentos que alimentam a imagem do Bolsonaro como figura de liderança forte no Brasil são a raiva e o medo. Eu esperava que a raiva encontrasse uma destinação menos grotesca… e o medo. A questão da segurança, especialmente para a população de baixa renda e baixa escolaridade, demanda algum tipo de virulência, que o Bolsonaro conseguiu captar. Agora, eu tenho dificuldade de lidar com esse conceito de elite. […] Ela é muito dividida. Tem de tudo. Ela é fragmentada. As pessoas estão se posicionando e algumas com muita dificuldade, porque, com essa polarização, não tem muito o que fazer. É um processo que, pelo meu conhecimento de história política, encontra um paralelo na República de Weimar, na Alemanha. Ficou aquela coisa do socialismo ou barbárie. Comunismo ou barbárie, para ser mais exato. O espaço do meio, do diálogo, de uma interlocução não raivosa, simplesmente desaparece. E quem não entra no modus operandi está fora do jogo.

Qual é a culpa do PT e do PSDB nesse cenário?

Eu vou um pouco mais atrás… o PT e o PSDB têm a mesma origem, no movimento anti-ditadura. Têm pontos de vista muito próximos do ponto de vista de sociedade. Até porque o PT mudou muito ao longo do tempo o seu ideário e se aproximou da social-democracia em alguns momentos. O que não dá para entender é que os dois partidos, quando tiveram as suas chances de exercer o poder no Brasil, tenham preferido governar com o que há de mais retrógrado na política brasileira do que trabalharem juntos em prol daquilo que defendem em comum. Nenhum dos dois foi capaz de fazer esse movimento. Os dois governos, Fernando Henrique e Lula, têm, no início do mandato, momentos muito positivos, muito construtivos. As reformas importantes que o Brasil conseguiu fazer durante todo esse tempo ocorreram no início dos mandatos de Fernando Henrique e Lula. Só que os dois sofreram pontos de inflexão que os jogaram nos braços do que há de mais sinistro na política brasileira.

Lula foi o mensalão e o Fernando Henrique foi o quê?

… Quando ele entra em campo para mudar a Constituição para permitir a sua reeleição, ele acabou tendo que se aliar no Congresso com o que há de mais sórdido. Tanto que Renan Calheiros foi ministro da Justiça do Fernando Henrique. A gente se esquece, mas ele foi ministro da Justiça. Depois o Lula, quando eclodiu o mensalão, teve que se segurar, para sobreviver, no curtíssimo prazo, com o que há de pior na política brasileira. Por uma questão de sobrevivência e eminente perda de governabilidade…

… Só uma coisa aqui, não vamos colocar… Quero dizer, parece até que o mensalão foi um meteoro que surgiu… foi uma coisa armada por eles…

Claro, foi um modus operandi que se revelou e que obrigou o governo Lula a transigir muito mais do que vinha fazendo em termos de alianças. […] Então, foram dois pontos de inflexão gravíssimos para o que veio depois. É uma pena que isso tenha acontecido e é realmente difícil de entender por que dois partidos que têm uma origem comum, e tantas coisas que os aproximam em termos de propostas, em nenhum momento tenham conseguido se desvencilhar das suas pretensões de poder e de vaidades pessoais para viabilizar um projeto que não demandasse pactos com o demônio.

Você tem reparado que o PT parece querer esconder a Dilma?

Não tem dúvida, não tem dúvida. É de um primarismo… mas funciona. Funciona, porque grande parte da população brasileira tem um recall com do Lula. Enquanto o Lula foi presidente, a vida para muitas pessoas melhorou. Embora a qualidade da política econômica tenha começado a se deteriorar a partir do segundo mandato do Lula, depois da queda do Palocci. Mas o Lula ainda preservou um mínimo de coerência e de fundamento que tinham pautado o primeiro mandato. O que o PT e o Haddad estão fazendo, de simplesmente ocultar, de pular o desastre épico que foi a gestão da Dilma Rousseff, é de uma manipulação brutal da narrativa para fins eleitorais. Não tenho a menor dúvida. A Dilma foi um desastre épico. Ela conseguiu, tanto na macro quanto na microeconomia, cumulativamente, errar e cometer desastres que levaram o país à pior crise econômica da sua história.

Como muitos, você acha que as pedaladas não tiveram nada demais e que faziam parte do jogo?

Não! Imagina! Absurdo total. E grosseiro. Gozado, não é muito diferente do que foi o governo Geisel. Há uma recorrência no Brasil desse intervencionismo de mão muito pesada. O Mario Henrique Simonsen tem uma expressão que eu gosto muito que é o princípio da contraindução. Um experimento que deu errado inúmeras vezes tem que ser repetido até que ele dê certo. O Brasil, de tempos em tempos, incorre no princípio da contraindução. A gente acabou de passar por isso no governo Dilma. A indústria naval brasileira já foi recriada quatro vezes desde a Segunda Guerra Mundial. Quer dizer, a gente insiste em fazer uma coisa que não tem lógica na realidade econômica. E o governo Dilma foi um experimento realmente… desastroso como há muito tempo não se via.

Você fala em Dilma e eu preciso voltar; eu entendi perfeitamente o teu incômodo com o fato de a delação sair agora…

Tem de ter uma regra… Aquele vazamento do Temer na véspera da votação da reforma da Previdência é um exemplo. Como é que acontece isso? Quem manipulou? Quem escolheu para fazer naquele dia? […] Não dá para ter um sistema em que as informações que são obtidas pela Justiça vêm a público de uma maneira tão suspeita, tão atabalhoada.

Mas o que foi divulgado não é exatamente uma novidade, não acha? A coisa de aparelhar o Estado, do estelionato eleitoral… trouxe detalhes, mas já sabíamos…

É, mas é muito ruim para a democracia que as coisas aconteçam dessa maneira. Eu fico muito triste. A delação do Palocci é fundamental para sabermos o que aconteceu. É um direito nosso. Mas a maneira como aconteceu me incomoda.

Falando no PT, ontem mesmo eu fiz uma provocação no twitter… é essa a turma que representa a última linha antes do autoritarismo?

Eu preferia que não fosse, Mario, eu preferia que não fosse. Estou muito incomodado com essa sociedade cindida que está desejando um enfrentamento radical. Não vejo isso como um bom caminho. Agora, analisando aqui com a imparcialidade de que sou capaz, e com a isenção de que sou capaz, o PT já teve situações em que a tentação autoritária poderia ter prevalecido e ele realmente não embarcou nisso. Quando o Lula terminou o segundo mandato, ele, à toa, à toa, poderia ter tentado mudar a Constituição para permitir uma nova reeleição, e ele foi absolutamente impecável em não cair nesse tipo de coisa. Fernando Henrique caiu nela. Eles sofreram impeachment e eles aceitaram…

Oi? Mas como aceitaram?

Em nenhum momento houve uma tentativa institucional de manter… ué, poderiam ter tentado…

… A gente pode falar tudo, menos que eles aceitaram o impeachment. Aliás, até hoje dizem que não foi impeachment, mas um golpe.

Eles podem falar como quiserem, mas ela foi tirada do poder dentro do rito sem ter esboçado nenhum gesto institucional.

Eles gritaram, mas tudo bem, faz parte gritar, mas o PT é um partido que pediu o impeachment de absolutamente todos os presidentes eleitos, tendo conseguido o do Collor. Quando assumiu o poder, promoveu o mensalão, o que corrompe a democracia. Emite nota oficial apoiando Maduro, dias desses o Haddad falou em nova Constituição e não podemos nos esquecer da regulação da mídia… De novo: dá para olhar para esse partido e dizer “eu não tenho medo dessas pessoas no poder”?

Não vamos absolutizar, eu tenho muita preocupação, mas não vejo, com total franqueza, o mesmo grau de ameaça à institucionalização da democracia brasileira nos dois polos desse enfrentamento. Para mim a ameaça é muito mais visível, mais perturbadora, na extrema-direita do que na extrema-esquerda. Existe nos dois casos. Há elementos de aparelhamento do Estado que, você tem absoluta razão, são muito preocupantes, tem um projeto de perpetuação no poder que é da maior severidade, mas tem um mínimo legal da instituição democrática que o PT, durante a sua passagem pelo poder, preservou. E eu confio no passado do PT como uma força que lutou e se empenhou muito pela redemocratização no Brasil. Eu acho que o Lula tem isso no seu DNA. Acho que o Haddad tem isso no seu DNA. Embora haja um projeto de aparelhamento e busca de meios legais e ilegais no poder, que é da maior gravidade e que nós temos que saber responder, como sociedade.

O governo Haddad seria um novo Lula I ou uma nova Dilma?

Eu acredito que ele vai tentar repetir a experiência do Lula I. É o melhor cenário. O pior é que ele tente ser o Lula I e termine sendo uma Dilma II. […] Acho que estão colocados esses dois cenários. Por tudo que eu conheço do Fernando Haddad, e do que ele representa dentro do PT, ele é uma esperança, uma tentativa de recuperar aquele bom momento que foi a vitória do Lula no início do seu primeiro mandato… Mas pode facilmente virar Dilma II. Principalmente se virar refém do núcleo duro petista, Gleisi Hoffmann, Rui Falcão, José Dirceu, que quer aprofundar o caminho que levou o país ao descalabro.

Acho que todo mundo concorda que o próximo governo, seja quem for, terá de fazer reformas duras logo no início… Dá para esperar esse PT raivoso, que se diz vítima de um golpe, realizando essas reformas?

[…] Mario, a economia é como a saúde: a realidade se impõe. Se não fizer um ajuste eficiente e efetivo nos primeiros seis meses, a realidade vai se impor. Se não fizer, a dívida pública vai continuar na trajetória em que está, os mercados financeiros não vão continuar financiando o Estado brasileiro com a perspectiva iminente de inadimplência e o Estado vai quebrar. Aí tem duas saídas: ou você inflaciona, que é a saída de retrocesso total, ou você, premido por uma circunstância gravíssima de fuga de capitais, de megadesvalorização, de não ter dinheiro para pagar aposentados e tudo mais, vai ter que fazer um ajuste sob a tutela do FMI. É assim que acontece. […] Voltaríamos para o que há de pior. A gente viveu isso muitas vezes no passado e o país sobrevive, mas, se não fizer, quem for, nos primeiros seis meses, a realidade vai se impor. Isso está dado.

Além de Haddad, eu queria saber dos outros candidatos… Existe algum caminho que você veja com bons olhos? Alguma coisa te assusta?

Como diria Aristóteles, ninguém é bom juiz em causa própria. Eu sou colaborador da campanha da Marina… Acho que entre o Alckmin e a Marina existe uma forte convergência do ponto de vista do que é necessário fazer na economia e do ajuste fiscal de que o país precisa. Há outras diferenças relevantes, mas no campo da economia há uma enorme convergência. Me preocupa muito, entre os candidatos, um certo voluntarismo intempestivo do Ciro Gomes. Com propostas que realmente não teê a menor viabilidade e que se tentar implementar vão causar…

Está falando do SPC?

Estou falando dele, por exemplo, propor que o preço dos derivados de petróleo no Brasil deve ser de acordo com o custo de produção do barril na Petrobras. Ele não tem noção da gravidade, das implicações de tentar fazer uma coisa como essa. A primeira coisa que acontece é que quebra a Petrobras no dia seguinte. Quem é acionista vai vender imediatamente as ações. Então, teria que reestatizar toda a Petrobras. Segundo, vai criar uma arbitragem de venda de derivados de petróleo infernal, porque eu sou distribuidor, compro da Petrobras na refinaria pelo preço subsidiado e vou vender para o mundo, que vai me pagar o preço internacional. O Brasil importa derivados de petróleo e vai ter que pagar o preço internacional. A Petrobras vai ter que cobrir, para vender aqui dentro, a diferença entre o preço que ela paga ao importar e o que vende aqui dentro. As implicações de tentar fazer uma coisa dessas é de tal ordem que vai ter que fechar a economia brasileira… Não dá. Isso aí… As coisas não são assim. Tudo é interdependente, muito conectado. Essa coisa do SPC está muito mal contada. O Ciro usa médias aritméticas de um jeito […] e apresenta de uma maneira como se fosse […] O Roberto Mangabeira Unger fala de “tensionar o mercado financeiro ao seu limite”… Eles não respeitam contratos. E eles têm uma hostilidade de princípio em relação ao mercado financeiro… Tem muita coisa errada no mercado financeiro brasileiro, mas enfrentá-lo na base da bravata não vai ajudar. Pelo contrário. Vai criar uma instabilidade que nos colocaria em crises sucessivas.

E o Paulo Guedes?

… a minha linha em relação ao Paulo Guedes pode ser resumida em uma única frase: os economistas podem ser mais ingênuos sobre a política do que os políticos são ingênuos sobre a economia. E eu estou dando uma interpretação caridosa… Eu tenho impressão de que ele não sabe direito onde está se metendo. O tamanho da aventura que representa esse projeto no qual ele se envolveu.

O que você acha do discurso do Amoêdo?

Acho bom que ele existe politicamente, acho que representa uma corrente de opinião relevante, mas que não passa muito da Faria Lima. Ele fala basicamente para a elite financiera. A incapacidade desse grupo de falar com o Brasil e de entender a realidade brasileira… Eles estão começando, quero que se tornem realidade e que sejam relevantes, mas não é a minha visão de mundo. Eu, há muito tempo, me desliguei desse liberalismo sangue puro. A minha visão hoje é bem distinta dessa, mas eu gosto que exista e acho que é uma boa renovação.

Como derrotar a guerra de narrativas que acabam empanando os nossos problemas e demonizando as reformas necessárias?

Eu acho o seguinte, se você agir antes, a dor é menor. Se você esperar que a realidade se imponha, o custo e o trauma serão muito maiores. O Maquiavel tem uma fórmula que eu acho interessante: existem doenças que no início são difíceis de diagnosticar, mas fáceis de curar. Depois que elas se desenvolvem, ficam facílimas de diagnosticar, mas a cura é muito complexa e onerosa. A economia é isso. A economia, como a saúde, tem o péssimo hábito de tiranizar os que abusam dela. Nós estamos abusando da economia de uma maneira muito pesada desde o segundo mandato do Lula. E estamos perto de um limite… A realidade já se impôs com a recessão brutal que vivemos em 2015 e 2016, e da qual começamos a sair muito timidamente em 2017, mas o problema de fundo do desequilíbrio fiscal não foi enfrentado. Ele estava se encaminhando para ser enfrentado e esse processo foi interrompido. Nós vamos ter mais uma chance, nos primeiros seis meses do próximo governo, de agir enquanto é tempo para evitar o trauma. Ou a realidade vai se impor. E não vai ser a primeira vez. É a nossa síndrome, o princípio da contraindução.

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