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Foto: Letícia Akemi / Gazeta do Povo
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Economista-chefe da XP Investimentos, Zeina Latif me surpreendeu pela simplicidade logo quando nos encontramos para realizar essa entrevista. Na recepção da própria XP — movimentada, com várias pessoas esperando para serem recebidas, telefones tocando e cafezinhos sendo oferecidos —, ela mal parecia ser uma das peças-chave da empresa. Contudo, esse desprendimento não chamou mais a atenção do que a sua firmeza na hora de falar sobre os problemas e perspectivas nacionais.

 

Bolsonaro eleito, Alckmin não eleito, Haddad… Contemplando por alto o panorama político, e as eleições, o que te assustaria mais e por quê?

Zeina Latif — Olha, eu não tenho clareza do que seria um governo Haddad e principalmente um governo Bolsonaro. O Bolsonaro… A gente vê que tem alguma mudança de opinião mesmo. Acho que é justo dizer que alguma coisa ele mudou em relação ao passado. O Bolsonaro que lá atrás votou contra o Plano Real, nos últimos doze meses votou a favor da reforma trabalhista. Agora, há muitas interrogações em relação a essa mudança de convicção dele, não é? Então, a gente fica insegura sobre o que é para valer. Mas não é isso o que mais me preocupa no Bolsonaro. O que mais me preocupa é a imagem que ele passa de uma tremenda inabilidade política. Ele é um político que está no seu sétimo mandato, que passou por nove partidos e, no entanto, não construiu canais com os partidos mais estruturados. Quando concorreu para presidente da Câmara, ele teve três votos… Então, passa a imagem de uma pessoa que está na política, mas não é um político no sentido de saber fazer a boa política. De saber fazer o diálogo, as articulações.

Talvez, essas próprias negociações, pela falta de apoio político, fiquem até mais caras…

Z.L. — O presidente, quando começa, principalmente no primeiro mandato, tem naturalmente um capital… A minha preocupação é a seguinte: ele é um político que vai ter de aprender a fazer política… e estou falando aqui da boa política. Talvez ele tenha muita dificuldade para montar o ministério. Talvez ele tenha dificuldade para começar ali a enviar as propostas… e o ano que vem será crítico, crítico [insiste, enfatizando]. Não dá para esperar o presidente aprender a ser presidente. Imagina o que seria perder a oportunidade de fazer uma reforma da Previdência já no primeiro semestre e uma reforma ambiciosa? Imagina que você vá arrastando, e aí, por ter arrastado, teve de mudar a proposta, e aí não é aquela maravilha… Então, os riscos vão aumentando. E o ano que vem é essencial. Se a gente perder a chance de fazer, no primeiro semestre, uma reforma da Previdência, depois uma tributária, isso pode custar muito caro. Se é que vai existir lua de mel, com o passar do tempo não tem mais. Independente de quem for o político. Agora, você pega uma pessoa como ele, que não me parece ter essa capacidade… Isso me assusta.

Vira e mexe eu ouço falar que o chamado mercado, ou pelo menos parte dele, está empolgado com o Bolsonaro e também com o Paulo Guedes. Existe de fato esse encanto ou é mais um discurso inflado pela torcida?

Z.L. — Olha, é difícil dizer o tamanho, mas ele existe. O que eu não consigo dizer é o quão representativo ele é. Você pode ter ali um grupo que é pequeno, mas ele existe. Veja, o mercado financeiro não tem ideologia. O mercado quer enxergar o País fazendo reforma, a economia voltando a funcionar, o mercado de capitais ativo, crédito na economia […]. O anseio por políticas mais liberais, eu diria que é generalizado, então vem com uma fala forte do Paulo Guedes… Agora, eu acho que tem um outro componente aí, que é a exaustão dessas pessoas. Um cansaço. O nome do Paulo Guedes, claro, tem um impacto. Eu vejo muitas pessoas dizendo: “olha, de fato, eu tenho dúvidas em relação ao Bolsonaro, mas tem o Paulo Guedes, então…”, e a gente sabe que não é assim, né? Ministro cai. Basta ver o que aconteceu com o Levy. Ele não conseguiu convencer o governo da sua agenda. Eu diria até que ele desistiu rapidamente. Na posse, ele falou em combater o Estado patrimonialista e terminou falando “vamos fazer uma CPMF”. Então, ele não conseguiu impor a sua agenda e não demonstrou habilidade política no Congresso. Todo economista acha que convence políticos com bons argumentos. E não é assim.

O Alexandre Schwartsman costuma fazer a analogia do domador e o urso…

Z.L. — […] Principalmente porque essa agenda econômica que a gente está falando que o País vai ter de enfrentar, grupos organizados, corporações, cortar despesas… não é fazer uma CPMF e tocar a vida. É uma agenda politicamente muito dura. É agenda de presidente, de governo, não é de ministro da Fazenda. Claro que ter um ministro da Fazenda habilidoso… se você for pegar a experiência com o Malan, ou o próprio Palocci, as pessoas podem gostar ou não gostar, mas eles tinham habilidade política, fica claro que esse papel é importante, mas tem de existir algo maior, que é um governo disposto a comprar a briga. E essa resposta a gente não tem. Agora, eu também tenho outra preocupação com o Bolsonaro que é a nossa dificuldade para separar o que é discurso de campanha, o que são palavras soltas, retórica […]. Eu fico preocupada com o viés autoritário. Não que vá ter golpe, nada disso, mas com o enfraquecimento das nossas instituições. A gente está falando de um país que ainda tem uma democracia frágil. Temos um Congresso que é dominado por bancadas, grupos de interesse que bloqueiam a agenda econômica. Então, eu temo por um enfraquecimento das nossas instituições democráticas. […] De novo, está muito difícil… a gente não tem informações sobre o Bolsonaro.

Essa incógnita te assusta mais do que um candidato que você já conheça? Um Haddad, por exemplo?

Z.L. — O Bolsonaro… o grau de incerteza é maior. Dá mais trabalho antecipar. Eu não sei sobre a convicção dele. Não sei sobre a capacidade política. Não sei sobre o compromisso dele com as instituições e o fortalecimento da nossa democracia. Só de ter a dúvida já preocupa. Um governo do Haddad… o grau de incerteza é menor, o que não significa dizer que é melhor […]. Eu não acho que seria um desastre, e repetir Dilma seria muito improvável. Até porque, tivemos avanços institucionais, de 2014 para cá, e por isso hoje a Dilma não conseguiria fazer o que ela fez. Teria caído antes. Ou teria um recado do TCU, “olha, recua, não pode fazer isso, conserta, estou vendo que você está atrasando pagamento, resolve…”, coisa e tal. Então, não seria uma Dilma, mas eu não vejo, por exemplo, o Haddad repetindo o primeiro mandato do Lula. A minha interpretação do primeiro mandato do Lula é que ele estava muito forte pela força das urnas, seguiu uma agenda macroeconômica ortodoxa, reforçou o que já estava acontecendo, o Palocci montou um time com independência, o Levy no Tesouro, uma política fiscal dura, uma monetária bastante conservadora e as demais políticas públicas, por exemplo, os avanços na construção civil, no mercado de crédito… até nas sociais, foram de cunho liberal. De combater custo Brasil e fazer as coisas com um viés mais liberal. O PT se irritou, mas ele seguiu. Quando tem o mensalão e a popularidade dele cai, ele se transforma. Ele vai e cede para a agenda petista. E já não tinha mais o Palocci, foi o Guido Mantega, uma gestão desastrosa na economia. Então eu tenho dificuldades… economista nunca pode dizer que algo é cem por cento líquido e certo, mas para mim é baixíssima a probabilidade dele [Haddad] repetir o Lula I. Eu vejo o PT não admitindo os erros cometidos. A gente vê o Marcio Pochmann com muitos elementos do passado… não fez a reflexão sobre o fracasso. E eu não vejo o Haddad com essa força toda para seguir outro caminho que não o da agenda petista.

Inclusive, ultimamente, o Haddad tem feito um discurso seguindo o tom da Gleisi, a coisa do Lula candidato, do golpe… Mas agora eu queria te perguntar sobre um postulante que talvez seja o mais atrevido quando se trata de economia: o que você acha do Ciro?

Z.L. — Eu diria que o Ciro tem dois pilares na plataforma dele. Um é o compromisso com o equilíbrio das contas públicas. E acho que quando ele fala isso é para valer. É um discurso que, para mim, é crível. Pelo histórico do Ciro, pelo histórico das pessoas que estão com ele. A gente está falando ali do Mauro Filho, que durante muitos anos foi secretário da Fazenda do Ceará. Se tem questões na gestão? Sim, tem questões, mas está longe de ser um problemático como, por exemplo aqui no sudeste, o Rio de Janeiro. Como Minas, que não está conseguindo pagar a folha. Como o Rio Grande do Sul. O Ceará não tem as melhores notas, não tem mesmo, mas tem bons exemplos ali. Eles fizeram a PEC do teto deles, não é? Fizeram a regra do teto, é uma regra diferente, inclui investimentos… Mas, assim, falar que o Ciro Gomes, quando promete equilíbrio nas contas públicas, está blefando, eu não acho justo.

E esse negócio de tirar as pessoas do SPC?

Z.L. — Então, esse é o segundo ponto. Ele ainda tem muito a visão do Estado que intervém na economia. Seja diretamente, através das estatais, seja através de políticas de proteção e de subsídios. Isso está muito claro no discurso dele, não é? E ele até fala de um jeito como se o Brasil já não tivesse Estado demais. Quem ouve o discurso dele pensa “nossa, o Brasil é um país liberal, zero de Estado na economia, um monte de falha de mercado que o governo poderia entrar…”, e não é. Hoje a gente tem de rever a ação equivocada do Estado. Aí que me preocupa. Porque, primeiro, eu vejo uma inconsistência disso com a agenda fiscal. Ou você faz ajuste fiscal ou é Estado grande. Atualmente, no Brasil, ou é um ou é outro. A outra coisa é que se trata de uma agenda, a meu ver, que mostra que está mais do que provada a nossa incompetência. Que a gente não sabe fazer. Eu não estou falando que não é para haver intervenção estatal alguma, política setorial alguma, mas eu acho que, nos últimos anos, ficou escancarado que a gente não sabe fazer isso. A gente não sabe… e hoje, na questão da política fiscal, o Brasil levou cartão vermelho. A gente gasta mal, piora a distribuição de renda, atrapalha o crescimento econômico, ameaça a estabilidade macroeconômica porque existe uma dívida pública que só faz crescer… então, é tão óbvio que a gente não sabe fazer esse negócio, agora, a agenda é recuar. Não estou falando aqui em Estado mínimo, nada disso, mas está muito claro que temos de recuar. Então, esse outro pilar do Ciro Gomes eu acho uma agenda do passado. Acho que seria um retrocesso… Aí vem essas discussões, inteligente ele é, sobre essa história do SPC. Bem ou mal… você pode discordar da proposta, e eu discordo, mas tem um mérito…

Qual?

Z.L. — Mostra que ele é político mesmo. Que ele entendeu o momento. Ele está enxergando a dificuldade que as pessoas estão vivendo por conta de uma crise séria, em que chefes de família perderam emprego e as pessoas se endividaram. E eu vejo mérito nisso. Porque não dá para ficar falando em privatizar e não olhar para a realidade do povo. Agora, quanto à medida… é claro, a gente precisa saber do que ele está falando, mas eu acho equivocada. Nem existe recurso público para isso. É um mau sinal para os consumidores e, se fizer na base da canetada, aí é que a gente mata o crédito no Brasil de vez.  Banco nenhum vai querer emprestar mais nada. Nem banco, nem ninguém.

Você falou aí em privatização e em Estado mínimo… Até que ponto esse discurso do “privatiza tudo” atrapalha? Também gostaria que você comentasse alguns casos especiais, a Petrobras, a Eletrobrás, o Banco do Brasil…

Z.L. — Olha, sobre a primeira parte da sua pergunta… É claro que o ideal seria que o País amadurecesse em um movimento contínuo e que a gente fosse avaliando o tempo todo, de forma suave, as nossas políticas públicas. Bom, a gente não fez isso. Acho que poucos países conseguem ter essa maturidade. A gente, definitivamente, não conseguiu. Então, o movimento desse pêndulo, por isso o apelo ao discurso do Paulo Guedes, é quase que inevitável. É o que eu estava dizendo sobre o mercado não ter ideologia. É como se dissesse assim: “pelo amor de Deus, muda essa agenda! Não deu certo!”. E, depois: “quem que está defendendo (a mudança)? Então é para lá que eu vou!”. Se mostra uma certa imaturidade do País? Mostra, mas é porque o processo de amadurecimento é um pouco isso. Mal comparando, é como aquele adolescente que vai lá, fica revoltado com os pais… e nunca é suave. É pesado. O Brasil está passando pelas dores do seu crescimento. Lá na frente, acho que vamos encontrar um caminho. É óbvio que o Brasil não vai ter um Estado mínimo. É óbvio. Assim como é óbvio que não vamos privatizar tudo de uma vez. É obvio que tem coisa que não funcionaria, mas tem um papel desse discurso, agora, que é o de chacoalhar essas velhas teses que ainda existem. Por isso eu dei essa importância do não ter conseguido reavaliar os equívocos na sua política econômica. Estão ainda aí. Então, o outro lado reage com um discurso totalmente polarizado e tal. Repito, não acho bom, mas faz parte do processo de amadurecimento do País. […] Banco público eu não vejo mais razão de existir. Eu acho que se a gente caminhar para essa agenda de país civilizado, com taxa selic baixa a perder de vista, que a gente avance em dar mais segurança no mercado de crédito… não precisa de banco público. Não vai precisar. Ou, se precisar, vai ser, de repente, para o microcrédito. Algo muito localizado, onde existam falhas de mercado. Mas será que vai precisar de crédito para a construção civil com esse desenho que a gente tem hoje, se a gente está caminhando para ser um país com taxa de juros baixa, assumindo que o próximo presidente vai entender que precisa ter reforma? Então, tem muita estrutura estatal que era justificada por causa dessas distorções, mas a agenda do país é eliminar essas distorções. Veja, por exemplo, o BNDES. Encolheu e foi bom, porque do jeito que estava gerava distorções na economia por má alocação de recursos. Poxa, a gente está vendo o mercado de capitais voltar a florescer. Ano passado foi um bom ano, esse ano de novo, mesmo com toda a dificuldade do quadro econômico. Então, essas intervenções, muitas delas, vão deixar de ter razão de ser. De repente, está bom, mantém ali um ou outro banco público, mas algo muito focalizado em falhas de mercado. Isso vale para a Caixa e para o BNDES. Deixa e economia respirar e o setor privado entrar. É claro, com boa regulação.

Há poucos dias o Pérsio Arida comentou que o discurso da “estatal estratégica” não existe. Como você vê o caso da Petrobras?

Z.L. — Olha, a Petrobras tem… são vários ramos, várias linhas ali, não é?

Isso…

Z.L. — Eu acho que poderia privatizar tudo. Aí, com uma boa regulação, para não ter concentração e tal, mas eu não colocaria isso como uma prioridade agora. Eu acho, por exemplo, que se deveria dar concorrência para o setor de refino. Deixar a Petrobras focada no seu core business… Tem coisas  antes que a gente precisa fazer. Qual é o meu receio? E aqui vai um argumento até de economia política: se você começa a dar uma ênfase tão grande nisso, eu tenho medo de que se tire a urgência de reformas estruturais que, na minha opinião, são prioritárias. Então, tem que tomar muito cuidado. Uma reforma tributária é muito mais importante do que a privatização da Petrobras.

Sobre essas reformas, voltando aqui um pouco em uma resposta sua inicial, precisam acontecer logo, então? São emergenciais?

Z.L. — Eu acho que sim. O mercado, e quando eu digo mercado estou dizendo qualquer um que tenha investimento aplicado no Tesouro Nacional, vamos dizer assim, está esticando a corda. E você vai perdendo esse timing… eu acho que é uma coisa para o primeiro semestre a reforma da Previdência. […] O que eu espero do próximo presidente é que o time de transição trabalhe para, quando ele chegar, rapidamente já ter as coisas concretas… E eu acho que tem um mérito tremendo do atual time econômico. Primeiro, nunca a gente teve a fragilidade das contas públicas tão escancarada. Hoje a gente sabe de regra de ouro que lá atrás não estava no radar de nenhum analista. A gente teve a regra do teto que é um mérito, sim, do governo. E eles escancararam a necessidade de uma reforma da Previdência e colocaram isso como um debate público. E eu vejo muita coragem nisso. A gente está falando de um governo que tem apanhado muito por ter levantado esse tema. Parte do amadurecimento do debate sobre economia no Brasil é, sim, mérito do governo. É, sim, mérito do time econômico. Então, o próximo presidente, quanto menos inventar a roda, quanto mais der sequência, quanto mais esse time de transição estiver caminhando junto, para mim é essencial. Passou a eleição, eu quero olhar é isso. A segunda coisa que eu quero olhar é o desdobramento da política. Como o próximo presidente vai montar os seus times.

Falamos aqui sobre o Jair Bolsonaro, sobre o Fernando Haddad e o Ciro Gomes. Vamos falar agora sobre dois candidatos que, na minha opinião, são mais moderados: Marina Silva e Geraldo Alckmin. Começando pela Marina… Seria um erro dizer que ela não assusta muito, talvez por conta de um time que já vem com ela há algum tempo?

Z.L. — A Marina tem o mérito de ser uma esquerda… rejuvenescida. Uma esquerda com ares mais liberais… Eu não digo, necessariamente, o partido dela, que é uma colcha de retalhos, mas se você olha para os seus conselheiros, são economistas que defendem uma agenda mais liberal. Deixar o setor privado respirar, boa regulação, coisa e tal. […] Agora, tenho dúvidas sobre a capacidade política. Pelo fato de o partido ser pequeno e pelo perfil dela. A Marina tem essa coisa de sumir e voltar… Virou brincadeira, mas isso tem um custo. Vamos pegar, por exemplo, o Fernando Henrique Cardoso. Vira e mexe o presidente faz afirmações que a gente fica “caramba!”, mas está ali. Você pode concordar, discordar, pode dar trabalho, mas está ali, presente. Escreve os seus artigos, participa do debate, dá entrevista, se posiciona… às vezes muda de opinião. Não tem problema, mas está ali. Esse distanciamento dela [Marina]… você acaba pensando “será que ela pensa tanto no Brasil?”. É inevitável esse questionamento. Isso me incomoda. Me preocupa. E me preocupa, é claro, a capacidade de fazer alianças. Veja, a gente está em um momento muito complicado, porque é difícil separar o que é discurso de campanha. A Marina é política, foi senadora. Eu não vejo ali uma mulher ingênua. É uma mulher inteligente. Mas quando ela fala “vou governar com os bons” eu penso “ai, meu Deus! Como assim?”. As pessoas que estão lá, se são boas, se não são… fato é que estão lá e foram eleitas. E você vai ter de dialogar com todo mundo. Não cabe ao presidente dizer “com esse aqui eu falo, com esse aqui eu não falo”. A sociedade falou. São os seus representantes. Gostando ou não. De novo, é claro que esse discurso pode ser retórica de campanha, mas ao pé da letra eu fico preocupada.

Falando sobre alianças políticas, é impossível não pensar no candidato do PSDB. Como você vê a candidatura do ex-governador Geraldo Alckmin?

Z.L. — Olha, o Geraldo Alckmin, até o outro dia, a gente via nos jornais críticas sobre ele feitas pelos próprios tucanos. “Ele está isolado”, “ele não delega”, “a campanha a gente não sabe para onde vai, porque ele se fechou…”, até se cogitou Dória. E não é que as coisas se mostraram diferentes do que se imaginava? Então, ou as pessoas estavam enganadas, acho que totalmente não, pois eram muitos, ou o Alckmin demonstrou capacidade de reação em relação a isso. Acho que tem méritos. Claro, a gente olha para essa coisa de centrão… Só de ter já passa uma coisa esquisita. De enfraquecimento democrático. Por que, se tem um público que se une para defender interesses, passa a imagem de um Congresso que não está espelhando tanto assim a sociedade… não sei, não passa uma boa imagem. Agora, é quase que inevitável fazer uma aliança. Acho que vai ser um desafio para ela fazer a boa política. Quem disse que não tem espaço para a boa política? Até porque a gente sabe que o dinheiro acabou, não é? Vai ter que existir espaço para a boa política. As pessoas ficam “ah, que Congresso terrível!”, mas do Congresso, se bem pautado, pode sair muita coisa boa. Foi do Congresso que saiu a Lei de Responsabilidade Fiscal. Foi do Congresso que saiu a regra da TLP. Então, esse negócio de jogar tudo fora, de dizer que nada presta e que esse Congresso não representa a sociedade, não é verdade. […] As negociações existem em qualquer lugar do mundo. Não é privilégio nosso. E está cedo para condenar o Geraldo Alckmin. Para dizer que ele vai seguir as políticas rasteiras dos últimos anos.

Para finalizar, como você enxerga essa tese de que o sujeito dará certo só pelo fato de ser novo no cenário político? Chegamos a ter ensaios de candidaturas inéditas para presidente. De verdadeiros outsiders

Z.L. — […] Olha, eu não me empolgo com isso. Eu acho que renovação na política é uma coisa que a gente vai ver acontecendo pelo próprio interesse da sociedade. O fato, de verdade, é que nas últimas décadas, a elite desistiu da política. O Jorge Paulo Lemann, que dizia desaconselhar os executivos das empresas dele a entrar na política, agora tem defendido a participação. Então, isso vai acontecer. Agora, o nosso sistema não permite essa renovação tão rápida. Ele amarra. E seria bom se tivéssemos uma maior concorrência na política. Por outro lado, nesse momento, com reformas tão urgentes… A gente pode voltar, se dermos uma bobeada, para aquele quadro do final do governo Dilma, quando a gente não sabia para onde ia o dólar, a gente não sabia para onde ia a inflação, a selic… Em função disso, o Luis Sthulberger, do Fundo Verde, dizia que no fundo do poço tinha um alçapão… A gente voltar para aquele quadro não é difícil. É muito urgente a reforma. Uma pessoa que chegar bem intencionada, com um time de notáveis, e tal e tal, não vai ter a capacidade de fazer as articulações, de fazer o jogo da política, entender como funciona o Congresso… Então, de certa forma, e ironicamente, eu acho bom mesmo que não tenha o novo. Se viesse, deveria ser muito humilde, sentar e pedir a ajuda para a política. Aliás, essa questão da humildade, para o próximo presidente, é essencial. O presidente deverá reconhecer as suas fraquezas e ter a humildade para ouvir. Ouvir o lado técnico e o político.

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