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Quando surgiu a notícia de que o ministro Marco Aurélio Mello havia determinado a soltura de condenados em segunda instância, a grita foi tão forte quanto imediata. Nada mais natural. Não bastasse o teor da decisão — estapafúrdia como poucas, pois beneficiaria cerca de 169 mil presos, segundo o Conselho Nacional de Justiça, além de ferir o princípio da colegialidade —, o comportamento sorrateiro adotado pelo ministro causou espécie. A escolha pelo último dia antes do recesso para agir e o fato de ter preferido o silêncio em vez de manifestar suas intenções aos colegas da Corte deixaram claro o seu maquiavelismo.

Contudo, justamente por essa compreensível reação diante de tamanha afronta, acabamos deixando passar dois momentos que vão de encontro ao tão debatido e necessário equilíbrio das contas públicas: se Ricardo Lewandowski, sempre ele, suspendeu a medida provisória que empurrava para 2020 o reajuste do funcionalismo público, Rodrigo Maia aproveitou o espasmo temporal na Presidência da República enquanto Temer estava no Uruguai para um encontro no Mercosul e enfraqueceu a Lei de Responsabilidade Fiscal, permitindo que municípios apresentem despesa com pessoal acima do limite se comprovarem queda na receita.

Assim como Marco Aurélio, Lewandowski e Maia também foram dissimulados. Ambos trataram de pinçar momentos ideais para a viabilização de suas agendas. Entretanto, contaram com um importante aliado, sem o qual suas ações não teriam passado despercebidas: a ojeriza a Lula. O antipetismo.

Não se trata de desmerecer um sentimento genuíno como a repulsa por pessoas que aperfeiçoaram a bandalheira, assaltaram os cofres públicos como nunca antes e incutiram na sociedade uma disposição insaciável pelo sectarismo. De fato, sob a batuta de Luiz Inácio, o Partido dos Trabalhadores e legendas satélites à esquerda causaram um mal tão grande a este país que bizarro seria não houvesse tamanha aversão. E a vitória eleitoral de Jair Bolsonaro é o reflexo definitivo dessa mágoa.

O ponto é outro. Cabe a todos nós reconhecer que o gesto de Marco Aurélio funcionou como uma capa vermelha tremulando à frente do touro bravio. Com o passar das horas, veio a notícia de que a PGR recorreria, e em seguida, a disposição do presidente Dias Toffoli em revogar a decisão, mas a histeria coletiva já tomara conta das discussões. Acima de tudo, muito mais do que a libertação de dezenas de milhares de presos, estava a impensável, e intragável, soltura de Lula.

Sei disso porque fui contaminado por essa mesma indignação. Achei, inclusive, que valia uma manifestação pública, a tomada das ruas para protestar contra o despautério proposto por ministro vingativo.

Pois, no rescaldo desse trauma imposto pelo petismo durante anos, no afã de rechaçar qualquer hipótese que viesse a favorecer Gleisi Hoffmann e companhia, a verdade é que, como a maioria, deixei de contemplar o cenário.

Dada a atual conjuntura, me parece óbvio que nada poderia ter impedido as ações do ministro  Ricardo Lewandowski e do presidente da Câmara Rodrigo Maia. Com ou sem espalhafato de MAM, nenhum deles deixaria de fazer o que sempre fizeram, ou seja, movimentar peças de acordo com seus próprios interesses e os de seus pares.

Uma sociedade disposta a ir para as ruas com outros propósitos que não somente o de combater Lula e o PT, talvez possa mudar isso.

Não nutro esperanças de que esse fantasma se dissipe tão cedo, mas, vale lembrar, a eleição acabou, Lula está preso e, embora ainda vivo, o partido que comandou o Brasil por quase duas décadas reveza a sua atuação entre a cadeia e as redes sociais.

Não vale a pena tomar as ruas para exigir uma dura reforma da Previdência? Clamar pelo fim de privilégios nas mais variadas áreas do funcionalismo público, verdadeiras castas sustentadas pela maioria da sociedade? Não caberia protestar contra o enfraquecimento de mecanismos fundamentais para a consolidação da boa governança, como é o caso da Lei de Responsabilidade Fiscal?

As respostas me parecem óbvias. 

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