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Foto: Carolina Antunes/PR
Foto: Carolina Antunes/PR| Foto: Carolina Antunes/PR

“Muito do que tem ali é fantasia, a questão do coronavírus, que não é tudo isso que a mídia propaga”, chegou a dizer Jair Bolsonaro. “Superdimensionado”, “neurose”, “histeria”, “a vida continua” e “gripezinha” foram outras avaliações feitas pelo presidente da República sobre uma pandemia global que já ultrapassou os 200 mil casos em todo o mundo, matando acima de 10 mil pessoas. O Brasil deverá enfrentar o pico da primeira onda do surto nas próximas semanas, enquanto isso a sociedade se mostra farta de um governo cujos únicos talentos parecem ser o de propagar ódio gratuito e provocar crises desnecessárias.

Passado somente um ano e três meses de mandato, Bolsonaro foi capaz de construir rejeições no Congresso, junto a boa parte dos governadores e em meio a uma parcela da sociedade responsável direta pela sua eleição: o eleitor alheio ao debate ideológico.

O panelaço da última quarta-feira deixou claro que esse grupo — formado por quem não se incomodou em trocar Fernando Henrique Cardoso por Lula, tampouco Dilma por Bolsonaro — pode até servir de joguete em mãos populistas pela dificuldade de ler a disputa política, mas surdo não é. E seu pavio tem fim.

Talvez o presidente ainda pudesse contar com alguma complacência por parte da população, não tivesse, desde o 1° dia de mandato, gerado tantos ruídos, um sem-fim de declarações estapafúrdias, quando não ofensivas ao cargo que ocupa e ao senso comum.

Talvez Jair Bolsonaro ainda encontrasse fôlego para atravessar a épica crise que se avizinha, tanto do ponto de vista econômico quanto humanitário, não tivesse se esmerado em reforçar o clima de “nós” contra “eles”, de tal forma que desgastou emocionalmente a ambos, seus críticos e também seus apoiadores.

Talvez o governo pudesse aparentar alguma competência se deixasse o ministro da Saúde trabalhar sem ser internamente torpedeado. Para além do desafio que se apresenta, contudo, Luiz Henrique Mandetta ainda precisa lidar com os ciúmes de seu chefe.

Nem que fosse sob uma ótica egoísta, do ponto de vista estritamente político, a administração Jair Bolsonaro até poderia ter feito deste um momento de respiro.

Afinal, o cenário inescapável imposto pelo covid-19 não deixa de oferecer uma desculpa pronta: noves fora a ilusória cantilena de Paulo Guedes dando conta de que o país se via em um momento de franco crescimento, nada como uma recessão global para empanar a incompetência de quem, por absoluta inépcia política, patinava para avançar com as reformas econômicas.

Como se vê, é considerável a diferença entre os efeitos provocados por um atentado à vida de um candidato impulsionado pela polarização e o surgimento de um flagelo global, quando um presidente escancara sua falta de sensibilidade, empatia e, por que não dizer, de inteligência.

Não que Jair Bolsonaro por um instante que fosse tenha provocado admiração por seu intelecto, etiqueta ou comedimento nas palavras. Quando pessoas começam a morrer, entretanto, não há antipetismo que dê jeito.

Ironicamente, a alcunha “mito” nunca fez tanto sentido. É melhor já ir se acostumando.

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