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Trata-se de um filme repetido, mas que desgraçadamente deve assombrar a República e a democracia brasileiras até 2022: o presidente Jair Bolsonaro testa as instituições ao atacá-las e manipula sua claque na tentativa de impor um modelo de governo chavista no Brasil. Se colar colou. Mas não cola. A Suprema Corte, o Congresso, o bom jornalismo e uma inquestionável maioria de brasileiros rechaçam tão insultuosas afrontas. Sem saída, o presidente acaba recuando.

Dá-se então um espetáculo de descaramento apenas concebível aos olhos de quem não testemunhou o que houve no Brasil durante os governos petistas — da barafunda ética ao envenenamento das relações entre as pessoas —, ou simplesmente não foi ungido com o dom da honestidade intelectual: em nome de uma frente contra o governo, a esquerda estende a mão e perdoa quem não apoiou Fernando Haddad em 2018.

Se a vitória de Jair Bolsonaro na disputa pela presidência fez sentido — visto que correspondeu a uma combinação de fatores dentre os quais a repulsa ao PT —, sua reeleição começa a ser costurada desde já por aqueles que resistem em abandonar uma seita ainda mais poderosa, se comparada a esta que hoje emporcalha mentes, embrutece humores e ameaça a liberdade dos cidadãos.

A capacidade da esquerda para se fazer valer é notável. Quem o diz é a história: sob o jugo de Lula, o Partido dos Trabalhadores e legendas satélites que formam o campo progressista disputaram todos os pleitos presidenciais desde a reabertura democrática. Influenciaram de tal forma a disputa ideológica que o bolsonarismo nada mais fez do que copiar boa parte de suas estratégias. Ainda que o primitivismo, um desprezo inaudito pela democracia e o rancor por qualquer traço de intelectualidade ofusquem essa constatação.

Pois, assustada com a própria caricatura, a esquerda agora faz um aceno, mas sem perder a pose.

Há quem exija pedidos de desculpas de quem optou por Bolsonaro. A revolta direcionada àqueles que anularam o voto é ainda maior. Às vezes o ar é de cobrança. Outras, de deboche. Um mea-culpa, uma confissão ou mesmo um reconhecimento são esperados. É como se a debacle da administração Jair Bolsonaro oferecesse um pequeno prazer: espezinhar com um eu-bem-que-avisei quem não se submeteu a votar na candidatura petista.

Para além de uma arrogância que pode gerar todo tipo de reação por parte de quem se pretende seduzir, exceto simpatia, a falha em tal comportamento é de origem. Se alguém precisa se desculpar, se há quem deva partir para uma reflexão sincera sobre os recentes acontecimentos políticos no Brasil, esse é precisamente o eleitor fiel à esquerda.

A começar pela relutância em se divorciar de Lula e do PT. Eis a verdade: ao longo dos últimos anos, ninguém manchou mais a imagem das políticas progressistas no país do que Luiz Inácio Lula da Silva. Assim como nenhuma organização, no mesmo quesito, pode ser comparada ao Partido dos Trabalhadores. Não tem para Olavo de Carvalho, para Bolsonaro ou para o influencer usando disfarce de jornalista. A partir dessa evidência, é opção do sujeito continuar a reboque. Só não vale depois chiar e bancar o incompreendido, exatamente como fazem agora.

Também seria útil aceitar que acabou não sendo boa estratégia ostracizar quem pensava diferente. Rótulos como “reaça”, “coxinha” e quetais podem até ter surtido efeito para fidelizar a militância e gerar uma atmosfera de moralidade superior, mas acabaram não resistindo a uma presidente inepta como Dilma Rousseff e ao descortinar do maior escândalo de corrupção da Nova República. Não só isso, também serviram para cozinhar esse rancor que hoje solapa o debate público. No fim das contas, se “reacionário” vem de “reação”, ela não poderia ter sido mais eloquente.

Caberá à sociedade encontrar uma maneira de temperar as conversas, de voltar a nação para a normalidade diplomática e institucional. Tal guinada só pode acontecer por meio do diálogo e do voto, como manda a democracia. Não será na base dessa truculência imposta por quem hoje comanda o país. Tampouco enfiando goela abaixo um sermão que visa submeter as pessoas a uma teimosia injustificável e responsável direta por este que é um dos momentos mais caóticos em nossa história recente.

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