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Foto: Brendan Smialowski/AFP
Foto: Brendan Smialowski/AFP| Foto:

Para quem assiste de longe, o nível do devaneio coletivo no Brasil alcançou um patamar tão elevado que Donald Trump corre o risco de ser tachado de comunista. Quem sabe até de “esquerdopata”, termo comumente usado por adeptos do bolsonarismo e formadores de opinião incensados pelo zeitgeist. Tudo porque na última sexta-feira (1) o presidente americano ligou para o recém-eleito mandatário argentino, Alberto Fernández, no intuito de felicitá-lo pelo sucesso nas urnas.

“Parabéns pela grande vitória. Vimos pela televisão. Você vai fazer um trabalho fantástico. Espero conhecê-lo imediatamente. Sua vitória tem sido comentada em todo o mundo”, disse Trump. “Recebi um telefonema de Donald Trump, que me comunicou que instruiu o FMI para que trabalhemos juntos no sentido de resolver o problema da nossa dívida.  Agradeci por seu importante gesto e transmiti a minha intenção de manter uma relação madura e cordial com os Estados Unidos”, publicou pouco depois o colega argentino em sua conta oficial no Twitter.

Percebam, não houve exatamente nada de fundamental em ambos os diálogos. Tudo se deu da maneira mais protocolar possível. Protocolar, madura e acima de tudo civilizada.

Tal padrão de comportamento pôde ser percebido inclusive entre os nossos vizinhos, com o contato feito pelo derrotado Mauricio Macri a Fernández e o convite para um papo em que o futuro da Argentina foi debatido de maneira franca.

Vale lembrar, Trump já havia demonstrado capacidade para separar a retórica político-eleitoral do seu dever como líder eleito quando, há coisa de semanas, questionado sobre qual seria o posicionamento de seu governo se Bibi Netanyahu perdesse as eleições em Israel, afirmou: “A relação dos Estados Unidos é com o Estado de Israel, não com Netanyahu”.

No afã de tentar ajustar algo irremediavelmente desajustado, não foram poucas as vezes em que analistas e mesmo a sociedade brasileira lançou mão do termo “adulto na sala”. Era como se, constatado o caos, precisássemos nos agarrar a alguém em condições de salvar a lavoura.

O vice, General Hamilton Mourão, já foi o adulto da vez. Durou pouco. E não apenas por ter sucumbido à fritura orquestrada pelo talibanismo virtual a serviço do governo, mas também pela postura inaceitável no episódio envolvendo a guinada profissional de seu filho no Banco do Brasil.

Paulo Guedes já foi o adulto. E para a parcela da sociedade exclusivamente interessada na agenda econômica ainda é, embora o temperamento irascível, a sanha por dar como resolvidas situações inexequíveise e o ataque grosseiro à primeira dama da França estraguem a narrativa.

Rodrigo Maia já foi o adulto e talvez ainda mereça ser, graças a seus comentários na maioria das vezes certeiros quando se contrapõe aos termos defendidos pela administração Federal e o próprio presidente da República.

Pois o mais novo adulto é Donald Trump. Em face a uma constrangedora relação de subserviência, e porque não dizer de idolatria, o pragmatismo adotado pelo presidente americano ilumina o encaminhamento adotado pelo Itamaraty sob o comando do Ministro Ernesto Araújo. E, claro, torna ainda mais constrangedora a atitude deseducada e indigna de um chefe do Executivo adotada por Jair Bolsonaro em face à vitória de Alberto Fernández na Argentina.

A nível pessoal, Bolsonaro tem todo o direito de preferir uma determinada visão de mundo. Como presidente brasileiro, porém, não pode arrastar o país a uma condição de pária diplomático. Ou pelo menos não deveria.

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