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Foto: MIGUEL SCHINCARIOLAFP
Foto: MIGUEL SCHINCARIOLAFP| Foto:

Estabelecer o princípio de tão miserável fio seria ousado, haja vista as inúmeras demonstrações nos recentes anos disso que agora acuso a todos nós. Pois, justamente por essa razão, tomo a liberdade de pinçar um momento recente para desfiar a minha tese. Em seguida, outros dois, formando assim uma trilogia na melhor das hipóteses desanimadora. Capaz, inclusive, de nos fazer repensar o motivo de continuar morando no Brasil.

Ainda na semana passada, o ator José de Abreu foi recebido no Galeão por um grupo que, histérico, aclamava-o como presidente. Presidente autoproclamado, vale salientar, uma vez que a intenção ali não era outra além de ironizar Juan Guiaidó — presidente interino da Venezuela, respaldado pela Assembleia Nacional e uma miríade de nações democráticas no enfrentamento da ditadura chavista imposto por Nicolás Maduro.

Sob a ótica dos celerados, tamanha porralouquice faz sentido: em contraposição aos impuros — a saber, o atual governo, “coxinhas” de todos os vieses e quem mais não rezar pela cartilha dita progressista —, a esquerda sempre apoiou abertamente os regimes que comungassem da sua utopia, não importando os meios para fazê-la realidade. Se Cuba é um exemplo histórico, Venezuela é o atual.

Acontece que os venezuelanos definham pelas ruas a olhos vistos. Ao menos aqueles que têm sorte. Os menos afortunados perdem peso nas masmorras do regime ou pagam o atrevimento pela rebeldia com a própria vida.

Contudo, nem mesmo um cenário tão medonho foi capaz de sensibilizar tanto o canastrão quanto o séquito de desmiolados no aeroporto e também nas redes sociais.

Corta.

Finalmente descobriu-se quem assassinou a vereadora Marielle Franco e seu motorista, Anderson Gomes. Ainda que o mandante do crime continue à solta, não consegui deixar de respirar aliviado e, por que não, de renovar esperanças no descortinamento total do duplo assassinato, uma afronta à nossa democracia como há muito não se via.

Ainda assim, não faltou quem ponderasse o fato. Seja de maneira sórdida, diminuindo a importância da vereadora, seja de maneira velada ao traçar um paralelo com o atentado à vida sofrido pelo presidente. O próprio Jair Bolsonaro embarcou nessa. Como se, ao contrário da ação que vitimou Marielle e Anderson, Adélio Bispo, o autor da facada em Juiz de Fora, não tivesse sido preso logo em seguida ao ato. Como se, ao contrário do que acontece no primeiro caso, a Polícia Federal já não tivesse se pronunciado confirmando que Adélio agiu sozinho.

A cereja no bolo capaz de coroar a nossa boçalidade não tardou: hoje mesmo, enquanto deputados integrantes de partidos à esquerda faziam um ato em homenagem  a Marielle Franco, um grupo de deputados de direita, com destaque para Daniel Silveira (PSL-RJ), famoso por ter partido ao meio uma placa com o nome da vereadora e depois emoldurado um pedaço em seu gabinete, levou caixas de som que repercutiam latidos de cachorros, sob o pretexto de um ato pró-animais.

Corta.

Suzano. Ao entrarem em uma escola, dois jovens massacram funcionários e estudantes. Antes de se suicidarem, mataram 8 e feriram 11. Como não poderia ser diferente, o uso de armas de fogo nesse episódio tão bárbaro suscitou o debate sobre o desarmamento.  Ponderou-se, a meu ver com obviedade, que a flexibilização da posse e do porte de armas tende a facilitar que aconteçam mais tragédias. Todavia, nem todos pensam assim.

Que fique claro, não se trata aqui de demonizar quem é a favor das armas. O assunto é menos simples do que se imagina, ainda que as evidências apontem para a lógica: quanto mais armas, maior será a propensão de ocorrer calamidades como a de Suzano.

O problema foi a grotesca postura adotada por muitos, logo após a notícia ter ganhado as manchetes. O senador Major Olímpio (PSL-SP) foi capaz de sugerir que professores dessem aula armados. Reformulo o meu comentário, não é só grotesco, há também muita burrice empenhada em um argumento desse quilate.

Completando o cenário, não foram poucos os veículos e jornalistas que divulgaram com fartura de detalhes imagens e vídeos do massacre. Uma falta de empatia para com as vítimas e seus familiares, de bom senso para com toda a sociedade, que faz pensar se pessoas tão desprovidas de escrúpulos não deveriam buscar outra profissão, para não dizer uma ajuda psiquiátrica.

Sei bem, Jair Bolsonaro está prestes a visitar Donald Trump. Sei bem, Paulo Guedes começa a se assustar com os vacilos do governo e a possibilidade de que a reforma da Previdência seja desidratada além do concebível. Sei bem que, na visão de procuradores, a Lava-Jato sai enfraquecida com a decisão do STF de levar para a Justiça Eleitoral crimes ligados a caixa 2.

Sei bem, mas o meu temor pelo estado de birutice que estamos alcançado, como sociedade, extrapola tudo isso. Não há Previdência, ajuste fiscal ou Lava-Jato que faça sentido quando as pessoas adotam premissas e comportamentos alheios a conceitos básicos de convivência e empatia.

Costumo dizer que desde 2013 o país se enfiou em um círculo de ódio e balbúrdia de difícil saída. Ela depende de todos nós. Ironicamente, talvez seja esse o grande problema.

Corta.

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