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Arte: Felipe Lima
Arte: Felipe Lima| Foto:

Uma respeitada editora americana, a Liveright, traduziu e lançou há poucas semanas uma coletânea de contos de Machado de Assis. Em seguida, as duas publicações de mais prestígio dos Estados Unidos trouxeram longos artigos sobre a coletânea e sobre Machado. No New York Times, Parul Sehgak enfileirou uma série de comparações de peso para dar ao leitor americano, que provavelmente não conhece Machado, uma noção da qualidade da obra: Henry James, Tchekhov, Nabokov, Dickens, Alice Munro. Todos estes nomes e outros mais são citados para dizer ao leitor do New York Times: “Você pode nunca ter ouvido falar de Machado de Assis, mas ele está à altura de todos esses grandes escritores do Hemisfério Norte. Olha só o que você está perdendo!” Essas palavras são minhas, não de Sehgak, mas resumem bem o longuíssimo artigo em que ele elogia os contos do Machadinho.

Para a revista New Yorker, Benjamin Moser, autor de uma biografia de Clarice Lispector, fez também um longo artigo em que mostra conhecer bem literatura e história do Brasil e chama a atenção para dois fatos singelos, mas significativos que cercam Machado: sua importância na literatura brasileira o coloca como leitura obrigatória nas escolas, o que faz com que muitos de nós, tendo sido obrigados a ler Memórias Póstumas de Brás Cubas ou Dom Casmurro no ensino médio, viremos as costas para ele para só redescobri-lo mais tarde, quando por livre e espontânea vontade – e não mais para passar de ano – nos aventuramos em sua obra.

Tenho notado esse arco que vai da obrigação de ler, de que muitos estudantes escapam passando os olhos por um resumo na internet, à leitura tardia por curiosidade e por prazer. Claro que nem todos voltam a Machado na idade adulta. Felizes os que o fazem porque antes tarde do que nunca para desfrutar as delícias da vida.

Aliás, antes tarde do que nunca para desfrutar de alguma vantagem que nos dê este gigantesco país de língua portuguesa – temos a vantagem de ler Machado de Assis sem tradução, o que não é pouca coisa.

O outro aspecto que Benjamin Moser destaca no seu artigo na New Yorker e que me chamou a atenção é o contraste entre o estilo de vida contido e convencional que Machado teve o cuidado de adotar e a visão irônica e irreverente da sociedade e do ser humano que é a marca da sua obra. Machado de Assis era um funcionário público como Kafka e o grego Cavafy – lembra Moser –, e todos os três “vestiam ternos formais, viviam em bairros discretos, trabalhavam em funções burocráticas e raramente se afastavam da cidade onde nasceram”. Olhando com o distanciamento que o tempo passado proporciona, é fácil perceber que aquelas contenção e modéstia forneciam proteção aos escritores. Proteção que Moser descreve bem: “Ao parecerem inofensivos dentro das épocas em que viveram, esses escritores puderam se mover livremente e, eventualmente, retratá-las”.

A referência ao emprego público que fornece segurança material, uma certa respeitabilidade e – por que não? – distanciamento da guerra pela sobrevivência em que se batem os demais mortais me faz pensar em Carlos Drummond de Andrade. Como Machado, ele se abrigou em um ministério. Em um país onde a venda de livros não garante o sustento, o grande escritor do século 19 e o grande poeta do século 20 tiveram de recorrer ao mesmo recurso para produzirem suas obras nas horas vagas.

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A obrigatoriedade de se ler alguns títulos na escola tem, sem dúvida, o efeito contrário ao desejado. Principalmente quando se trata de livros mais antigos, que são encarados com desconfiança pelo leitor jovem e preconceituoso (os jovens tendem a cultivar grandes e mal disfarçados preconceitos em relação a bens culturais surgidos antes de seu nascimento). É verdade que a tal obrigatoriedade é relativa. Os professores sabem que o aluno pode responder perguntas e fazer resumos sem ter lido a obra, por isso a cobrança costuma ser frouxa.

O melhor mesmo é apresentar um livro aos estudantes como se apresenta uma amiga querida e solteira para o amigo também querido e solteiro – quem sabe desse encontro nascerá um grande amor?

Quanto mais apaixonado pelo autor for o professor, mais convincente ele será. Se o professor não for um apaixonado pela leitura, nem Machado nem Drummond nem ninguém vai quebrar a resistência do jovem estudante.

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A editora Todavia está lançando uma edição caprichada de O Cortiço, de Aluísio Azevedo.

Aos 15 anos, tive de ler O Cortiço no ensino médio. Não li e não lembro de ter tido nenhum problema com isso. Por que não li se eu vivia com um livro na mão, não sei. Acabado o ano letivo, já aprovada, peguei um exemplar de O Cortiço. Gostei tanto que me tornei uma admiradora de Aluísio Azevedo para o resto da vida.

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