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O terrorismo anula as categorias tradicionais da guerra
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Keep praying

Just keep waiting

(The day that never comes, Metallica)

 

É na guerra que a relação “amigo x inimigo” se apresenta da forma mais clara, direta e trágica. O objetivo? Destruir o inimigo. Na guerra tradicional há uniformes, fronteiras e algumas regras (jurídicas e morais) internacionais a serem observadas. Por exemplo, não se deve aniquilar radicalmente o inimigo, especialmente depois de ele ter sido capturado e encontrar-se submisso. Não se deve fazer guerra de expansão, apenas de defesa (ainda que putativa). Não se deve utilizar de armas letais contra a população civil que não está envolvida diretamente no conflito bélico, etc.

Na guerra tradicional deve existir um terceiro interessado, em nome de quem se faz a guerra. O terceiro não é uma ideia abstrata, mas, uma coletividade concreta de pessoas. Os ideais até podem inspirar os soldados e ajudar a convencer a população a entender porque seus filhos devem se alistar. Isto é o que se vê nos filmes hollywoodianos, com chavões como luta pela liberdade, luta pela democracia, etc. No entanto, o “terceiro interessado” sempre será o grupo de pessoas em nome de quem se faz a guerra.

Os atentados do dia 13/11/2015 em Paris atribuído ao grupo “Estado Islâmico” (assim como outros atos praticado pela Al Qaeda) põem em cheque esta noção de guerra. Os terroristas não usam uniformes, ou seja, não têm uma identidade visual que permita combatê-los no campo de batalha. Eles não vêm somente do lado de lá (das linhas inimigas), eles também podem (vir e) estar dentro das fronteiras (caso dos jovens europeus “convertidos” e “engajados” na luta do EI).

Quem é e onde está o inimigo?

No caso do EI há ainda um elemento que torna as categorias filosóficas tradicionais ainda mais obsoletas. É que o grupo diz ser um “Estado”, ou seja, uma pessoa pública, abstrata, que fala em nome de uma coletividade que se instalou estavelmente sobre um território. Sob a ótica dos “fundadores” do EI, eles não são um bando revoltoso de criminosos, mas uma coletividade que se auto instituiu como Estado, e, portanto, podem fazer guerra.

Mas, o EI é algo inclassificável (entidade abstrata ou organização concreta revolucionária?). Ele (tenta) ocupa vários territórios ao mesmo tempo. Se diz um “Estado”, mas, não usa das táticas e da guerra tradicional. O terceiro interessado em sua guerra não pode ser delimitado precisamente. Ou seja, o terrorismo de “Estado” com fundo religioso reúne uma série de características com as quais o pensamento tradicional não consegue lidar.

Os efeitos dessa nova forma de combate (será guerra, ato terrorista, ou o quê?) é que os ofendidos (pessoas e Governos) que estão arraigados na visão tradicional procurarão identificar o terceiro interessado nos ato do EI. Assim, não será uma surpresa se pessoas vindas do Oriente Médio (ou com características físicas ou culturais similares) que estão na (a caminho da) Europa sejam vistos cada vez mais com mais desconfiança pelos Europeus. E isso já faz derruir parte das crenças jurídicas nos direitos humanitários.

O outro efeito é que em situações de pânico e insegurança, nas quais, não se sabe quem é o inimigo, a reação do atacado torna-se similar à do terrorista. Contra uma causa que não se entende, contra um inimigo que não se identifica, contra terceiros interessados que não são classificáveis o contra-ataque (moral ou real das pessoas e de seus governos) tende a ser geral, indiscriminado e sem foco. O inimigo pode ser qualquer um, em qualquer lugar e os terceiros não são um povo do território de um Estado, mas, os crentes (num Deus, na democracia, na liberdade, etc) de todo o mundo.

O temor é que esta nova forma de combate, que anula as categorias tradicionais da guerra, dificultem a distinção entre amigo e inimigo, de maneira que o próprio cidadão de um país passe a ser visto como um inimigo em potencial (na verdade, isso já vem ocorrendo gradualmente desde 11/09/2001) e que tal combate se torne tão generalizado ao ponto de se dissolverem as regras mínimas que deveriam limitá-lo. A luta do e contra o terrorismo se tornaria uma dog fight, um vale-tudo sem uma relação previamente delimitada entre amigo e inimigo, que enveredaria para um tipo de destruição imprevisível.

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