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O exemplo que o Paraná não segue
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Divulgação

A violência doméstica e de gênero é um tema que chama a atenção no Brasil por algumas particularidades: as mulheres agredidas têm à sua disposição uma lei de primeiro mundo, elogiada pela Organização das Nações Unidas como exemplo para outros países – a Lei Maria da Penha. A mídia, de forma sensata ou sensacionalista, expõe com frequência o problema, e embora a forma de um ou outro veículo expor a situação deixe a desejar, é fato inegável que há cobertura ampla do assunto, e a imprensa vem fazendo um bom trabalho de conscientização.

A população, como provou recente pesquisa realizada pela Câmara dos Deputados (2011), também condena a violência – é o que podemos interpretar pelos números, já que 95,5% dos entrevistados disseram apoiar a legislação. Organizações não governamentais e indivíduos empenhados com a causa também realizam um belíssimo trabalho de apoio às vítimas. O problema é que, embora muito se fale e se faça a partir da lei, oficialmente, a violência contra a mulher parece não existir no país.

Ao menos, ela não existe para o Estado. A conclusão se dá pela absoluta falta de dados a respeito do assunto. O Paraná é um exemplo disso: mesmo com o estado em terceiro lugar no ranking de estados brasileiros onde mais se matam mulheres (Mapa da Violência 2011), órgãos como Secretaria de Segurança Pública (Sesp) e Tribunal de Justiça (TJ-PR) não têm feito grandes esforços para informar a população sobre como se dá a violência de gênero por aqui. E se há esforços, bom, eles ainda não são visíveis.

Falo com conhecimento de causa. Durante uma série de reportagens que fiz sobre o tema para a Gazeta do Povo, tive imensa dificuldade para compilar informações básicas que ajudariam o próprio Estado a combater o problema. Por incrível que pareça, nossas autoridades não têm ideia de quem são as mulheres que morrem ou sofrem agressão, onde moram e o que fazem. Qual sua cor, escolaridade ou relação com o agressor. Também não sabem – ou não querem divulgar — quantos estupros ocorrem no estado por mês e quantos resultam em boa investigação e punição. Entre outras perguntas.

Os poucos dados que obtive não vieram de órgãos que têm a obrigação de monitorar o problema, mas da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) sobre Violência contra a Mulher, que veio ao Paraná e deu um belo puxão de orelha em secretários, promotores e desembargadores por conta da falta de informação. Durante uma sessão na Assembleia Legislativa sobre o assunto, foi vergonhoso perceber que uma desembargadora, responsável por uma comissão dentro do TJ-PR que monitora a aplicação da lei, não soube responder a sequer uma pergunta dos membros da CPI sobre como estava a situação por aqui.

Ao conversar com o deputado federal Dr. Rosinha e com a senadora Ana Rita, ambos do PT, sobre quantos órgãos haviam mandado dados, ouvi o seguinte: “Os dados, ou não existem, ou não estão tabulados. E todos [os órgãos] ficaram desesperados quando pedimos a informação”. Ou seja, estamos no escuro. Caso haja quem afirme o contrário, seria interessante que esta mesma pessoa ou órgão divulgasse, então, o que existe de informação em suas mãos.

De toda forma, essa longa contextualização serviu para dizer que não é impossível compilar essas estatísticas. A prova é um relatório elaborado pelo governo do estado do Rio de Janeiro, intitulado “Dossiê Mulher”, que traz informações simplificadas (algo muito importante, já que a maioria dos dados parece grego para não iniciados, com termos jurídicos e técnicos que impedem uma análise crítica) a respeito de crimes cometidos contra a mulher, como assassinatos, estupro, ameaças e tentativa de homicídio.

Ao tomar conhecimento do dossiê, quase não acreditei que um órgão de segurança colocasse à disposição informações importantíssimas, como locais onde mais ocorrem os crimes, quantas mulheres foram vítimas e qual sua relação com o agressor. Embora possa ser aperfeiçoado, é uma prova e um bom exemplo de que não é impossível começar a tabulação de dados. E que divulga-los não enfraquece as autoridades, pelo contrário: torna seu trabalho mais efetivo.

Neste dossiê, que você pode conferir logo abaixo, estão informações preciosas que podem direcionar e guiar as políticas públicas na área. Ajudam o gestor e a população a conhecer melhor quem é a mulher que morre ou sofre agressão. Permitem entender que tipo de agressão é mais comum, que locais estão mais vulneráveis, onde a atuação da delegacia parece estar falhando e até mesmo quais regiões necessitam mais da instalação de um juizado ou de uma casa-abrigo.

É uma boa forma de começar a combater o problema, já que não temos órgão específico para fortalecer o combate à violência de gênero, como uma coordenadoria ou secretaria da mulher. Ou será que é tão difícil compilar os dados e publicá-los? Exige um esforço muito grande, uma capacitação onerosa, ou apenas um maior diálogo entre a rede de proteção, como Ministério Público, TJ e secretarias?

Na dúvida, fica a dica do Rio de Janeiro.

Confira o dossiê

Mapa da Violência 2012 – Homicídio de mulheres

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