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STJ volta atrás, mas as crianças são o que menos importa
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O Superior Tribunal de Justiça (STJ) anulou na última quarta-feira (8) uma de suas decisões mais polêmicas – e lamentáveis. No dia 27 de março, a Terceira Turma do órgão absolveu um homem acusado de estuprar três meninas de 12 anos. O argumento da relatora do caso, ministra Maria Tereza de Assis Moura foi o seguinte: como as meninas se prostituíam há longo tempo – desde os nove anos -, inclusive com a ciência da mãe de uma delas (que não conseguia dissuadi-la), seu cliente não poderia ser considerado estuprador.

A decisão gerou protestos, mas os ministros, usando linguajar próprio da área, entenderam que não houve violência, já que a relação foi “consentida”. O crime ocorreu antes de 2009, ano em que o Código Penal passou a considerar qualquer relação com menor de 14 anos como crime – com ou sem violência. Ou seja, como antes disso era possível haver duas interpretações – há ministros que consideravam que a presunção de violência era absoluta, mas outros seguiam caminho contrário, assumindo que ela era relativa -, o “cliente” levou a melhor.

Com o discurso de que o tribunal devia se ater aos fatos concretos, os ministros passaram por cima do Estatuto da Criança e do Adolescente, uma lei em vigor desde 1990, adiantado 19 anos em relação ao artigo do Código Penal que apenas reafirmou sua posição: a de que sexo com menores de 18 anos é exploração sexual. E ponto. Sob todos os prismas, a ideia de que as crianças podem ser profissionais do sexo soa absurda. Primeiramente, porque não têm capacidade de decidir livremente por esse caminho, como as prostitutas maiores de 18 anos que escolhem exercer tal ocupação.

Albari Rosa/Gazeta do Povo
Meninas menores de idade são abordadas para fazer programa em ruas de Curitiba: para STJ, se elas consentem, não há problema

Em segundo lugar, se o trabalho infantil é crime, e qualquer contrato de trabalho firmado com uma criança ou com seus pais se torna inválido, como neste caso, que envolve exploração sexual, o ‘acordo’ firmado entre crianças exploradas e explorador para a realização do serviço pode ter validade? E quem, em sã consciência, defenderia o argumento de que a criança tem discernimento para decidir sobre a venda ou oferta gratuita de favores sexuais?

Ao tomar esta nova decisão, saudada pela Secretaria de Políticas para as Mulheres e pela Secretaria de Direitos Humanos, o STJ não deve ser elogiado. Apenas cumpriu sua obrigação de defender, tardiamente, os direitos das crianças e dos adolescentes, em especial o de meninas pobres e negras, as mais vulneráveis à exploração sexual. Consertou sua atitude lastimável de culpar a vítima e absolver o agressor, como em muitos casos de estupro que ocorrem todos os dias no país.

Ao analisarmos esta decisão, no entanto, ainda há o que lamentar: o argumento usado pelo STJ para voltar atrás na decisão foi puramente técnico: o de que o réu apresentou recurso fora do prazo, e que, portanto, precisa ser julgado novamente. O argumento não foi aquele que todos esperávamos: a de que a interpretação do tribunal é errônea e presta um desserviço à infância e à juventude.

Desta forma, podemos entender que novos entendimentos como esse podem surgir, e que o tribunal não reconheceu um erro grave? Que recado a corte estará passando à sociedade, em especial àqueles que exploram ou se valem da exploração sexual de menores de 18 anos? Poderá não haver punição? A interpretação pode ser relativizada? O STJ nos deve estas respostas.

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