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Debate sobre maioridade penal apela para a emoção
| Foto:
Imagem interna do presídio do Ahú

O debate para assuntos que envolvem emocionalidade continua muito baixo (FOTO: Alessandro Martins)

Os comentários ao meu artigo sobre como a redução da maioridade penal é um atraso para a civilidade renderam comentários interessantes que dão a temperatura do debate.

Selecionei alguns, seguidos de minhas próprias observações conforme o caso.

Preferi não incluir o nome dos autores neste artigo, mas, se quiser conferir, eles estão no texto anterior exercendo a sua liberdade de expressão e de exposição.

Vamos a eles.

1. Falhamos

“Recomendo o autor do texto, Alessandro Martins, ler e reler o texto de Alexandre Borges publicado na Gazeta do Povo de Ontem. Depois, medite sozinho profundamente…”

Li e reli o tal artigo.

Meditei.

Sozinho.

Profundamente.

Ele fala de um jovem que cometeu o assassinato de outro pouco antes de chegar aos 18 anos e, a seguir, foi libertado, como se nada tivesse acontecido.

O título é Falhamos.

De fato, não é certo que alguém que tenha cometido assassinato fique sem punição. A morte de qualquer pessoa por outra, independentemente das idades envolvidas, é lamentável.

Mas não é disso que estamos falando: estamos falando do quanto a redução da maioridade penal pode ser eficiente como medida contra o crescimento da criminalidade.

Mas o Falhamos do título, quero crer, se refere ao fato de que proporcionamos e continuamos proporcionando o ambiente para o surgimento de jovens com menos de 18 anos capazes de matar e de cometer crimes de maior ou menor monta.

Se esses crimes acontecem, precisam ser punidos de acordo com a lei seja ela qual for na ocasião.

Mas por quê crimes violentos cometidos por menores continuam acontecendo e em cada vez maior número?

De qualquer modo, é um artigo bastante apelo emocional, como a maior parte dos artigos favoráveis à redução da maioridade penal, desenhado para cativar aqueles que com ele já concordam.

É, portanto, mais fogo que lenha propriamente dita.

Mas – sem dúvida – como já cansei de aqui dizer: se fosse comigo, é claro que eu reagiria de forma emocional, teria desejo de vingança, sangue, morte e tortura, pois sou humano. Tais sentimentos menos nobres são esperados de mim, de você, de todos nós.

O que não se espera é que esses sentimentos sejam transferidos para o campo político e do Direito quando não se está se cuidando de emoções individuais mas de todos.

2. Pai de Liana versus Champinha

“O Pai da Liana, morta por Champinha votou contra. Ele entrou na politica justamente para brigar por mais rigor na lei, inclusive que se adota-se a pena de morte. Hoje é contra. Vivendo e aprendendo. Quem nasceu na casa grande nunca irá entender porque o negro da senzala matou o capataz. “

(sobre o crime)

(sobre a posição do pai de Liana)

3. Um profissional da área

“Parabéns pelas análises. Trabalho no sistema penal do Paraná e posso afirmar que a cadeia não vai resolver o problema da criminalidade para este tipo de criminoso. Ninguém deixa de cometer crimes porque já foi preso. A solução para este caso está em resolver os problemas sociais, de distribuição de renda, de moradia, educação etc.; as políticas públicas contra a criminalidade devem ser pensadas de forma a tornar a economia das ruas menos atrativas. Em outras palavras, os governos devem investir em geração de emprego, lazer, em um sistema educacional eficiente e uma punição mais qualificada.”

Grifo meu. Reitero que esse comentarista trabalha no sistema penal.

4. Corja mirim

“Adoro ver vocês esperneando para defender essa corja mirim. O Brasil vai virar um país decente, queiram ou não.”

Como se de prender ou se de defender essa “corja mirim” dependesse a decência do Brasil e da humanidade.

Obviamente não.

Teríamos que começar a falar de outras corjas.

5. Marxistas submissos

“Eu não sei como o ser humano não se envergonha de escrever isso. Falta de princípios, falta de caráter, falta de hombridade. O que o marxismo fez com essas pessoas? Como os tornou tão frouxos e submissos ao estado?”

Por alguma razão, virou moda considerar qualquer opinião contrária à da maioria como marxismo.

Quanto à submissão ao Estadado, ao que parece só o somos ou deixamos de ser de acordo com nossas conveniências.

Por este mesmo caminho vai o seguinte comentário:

“É o fim do mundo. Como seres humanos podem ter esse tipo de pensamento. A esquerdopatia já deve ser considerado a maior das enfermidades do mundo. Não pelo número de doentes, mas pelo mal que eles causas a sociedade. A questão é simples. Cometeu crime tem que ser punido. Não importa a idade. Todo adolescente sabe que roubar, matar, estuprar ou sequestrar é crime. Vamos defender as vítimas e não os criminosos. E não me venham com esse bla, bla, bla de criminalizar os pobres, a maioria trabalha, se esforça por uma vida melhor e não comete crimes, menores ou maiores de 18 anos. Vamos punir quem merece. Simples assim. Sem esforços para defender o indefensável.”

Outro comentarista que, sem perceger que em meu texto, não estou defendendo a impunidade mas a resolução de um problema mais amplo em vez de seu agravamento, me chama de esquerdopata.

Pelo menos sugeriu minha internação e não prisão.

6. 20% de reincidência contra 70%

O que mais me espanta é a ignorância dos comentários. Gente desinformada que não sabe que a punibilidade no Brasil começa aos 12 anos, uma da menores idades no mundo. Com medidas que preveem inclusive o internamento (privação de liberdade). Em Curitiba, há adolescentes a partir de 13 anos internados. Com uma diferença: num sistema com reincidência muitíssimo menor do que no sistema penal comum (20% x 70%). Portanto, quem quer “punição já”, deveria ser contra a redução, já que ela implicará aumento da violência, pois tirará adolescentes de 16 a 18 anos de um sistema que funciona muito melhor para jogá-los no sistema falido.

Já existe punição.

E que funciona: a reincidência do internamento atual é menor que a reincidência do sistema penal comum.

Imagine se levássemos isso a sério em vez de tentarmos resolver com medidas paliativas a criminalidade dos menores – que perfaz menos de 2% do total da criminalidade – e investíssemos mais no atual sistema de internamento?

Talvez, no futuro, pudéssemos estar falando de aumento da maioridade penal.

Mas acho que isso ainda demora.

7. Os pedófilos aplaudem

“Com 12 anos já se sabe o que é certo ou errado; já tem plena consciência de seus atos e deve ser responsabilizado por estes. Redução já!!”

Sempre que alguém vem com argumentos como esse imagino a claque de pedófilos batendo palmas.

Tenho certeza, no entanto, que quem usa esta argumentação o faz de boa fé.

8. Prisão não resolve

“Ha inúmeras medidas como o “Probation” nos EUA…como o serviço civil para pequenos delitos e mesmo o fomento de desenvolvimento vocacional. Prender é o movimento dos que veem o dinheiro proveniente da industria da cadeia, até porque cadeia no Brasil não reeduca ninguém. Isso apontado em inumeros estudos.”

9. Basicamente adolescentes

“Ótima atitude do autor em embasar sua intuição com pelo menos um autor especialista. O exercício da ciência é esse e por isso a credibilidade. O ser humano é basicamente um adolescente, em várias visões, ate os 25-30 anos. Coisa difícil é a limitacao intectual de muitos que não conseguem entender conceitos abstratos. Nesse sentido o professor de Direito e Filosofia Política, Norberto Bobbio, fala da última geração dos direitos que mesmo conquistados formalmente não o são de fato. O estado como ente público deveria reeducar e prover instrução aos jovens e não prendê-los e marginalizá-los.”

Até o momento só encontrei defensores da redução da maioridade penal que apelam para a emoção e os contrários são mais racionais.

10. O que vale é a vontade da maioria

“Não interessa esse tipo de opinião , o que vale em uma democracia é a vontade popular , escrever bonito é fácil , resolver o problema é que mostra competência.”

Ao que outro leitor responde:

“Perfeito. Vivemos numa democracia onde deve imperar a vontade popular. Então, vamos abolir os impostos. Porque ninguém gosta de pagar imposto. Dane-se se o Estado deixará de funcionar e os serviços essenciais sejam prejudicados.”

11. Mimimi típico

“Mimimi típico de um povo com ideologia encalacrada e pouca capacidade pragmática de lidar com problemas. Países mais civilizados que o Brasil têm penas menores. Não há nada mais lógico que um país que está entre os mais violentos do mundo tentar alguma coisa para mudar a situação. Não soa meio ilógico que individuos de 16 anos perante ao estado são aptos a votar mas não a responder criminalmente?”

Nossos adolescentes não são puníveis desde os 16 anos.

Mas desde os 12.

Como está explicado acima, num sistema que tem 20% de reincidência contra 70% de reincidência do sistema penal normal.

Ponto.

Caberia que esse tentar alguma coisa fosse transformar esses 20% em algo mais próximo dos 0% e os 70% do sistema penal algo mais próximo de 20%.

Mas demora para o nível da conversa chegar a esse ponto, como pudemos observar.

O nível de temas que envolvem tamanha emocionalidade continua muito baixo.

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