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E foi o pato quem pôs o pé na jaca

Anacreon de Téos
Coxa de pato confitada ao duplo sabor de jaca. Por baixo, o purê com as sementes trituradas. Por cima, a geleia agridoce da polpa.

Todas as razões para ser um jantar bem mais do que especial. Pois era uma data mais do que especial.

A ideia de comer fora até que passou pela cabeça. Mas talvez, fosse onde fosse, a gente não se divertisse tanto. E, além do mais, tínhamos passado boa parte do domingo confitando algumas coxas de pato que ainda restavam por aqui. E aquilo estava na vontade, lá no fundo do fundo. E se fosse pra comer uma coxa confitada lá fora, a nossa seria melhor, sem dúvida (ah, petulância!). E bem mais em conta.

Ficaríamos em casa, caso decidido. E o confit de pato puxaria os sabores da noite.

Pois aí começaram as elucubrações. Dando uma pesquisada nas receitas que vou acumulando à medida que me interessam, vi uma que tinha um purê de castanhas como acompanhamento para a coxa confitada grelhada. E imediatamente associei a um sabor ainda fresco na memória, o das sementes da jaca que havíamos comprado na estrada e cozinhado dias atrás para servir de aperitivo (exceto a casca, da jaca nada de perde).

E se fizéssemos um purê de semente de jaca? A Graça achou que não daria muito certo, pois esta é bem mais farinhenta na comparação com a castanha portuguesa. Mas arriscamos com algumas, para fazer um teste. Cozinhando um pouco mais, no leite, e levando tudo para o mixer, foi pegando forma, ainda que em consistência bem diferente de um purê. Ficou parecido com um mingau de aveia batido no liquidificador que me serviam nos tempos de criança. Mas foi só engrossar mais um pouquinho e pareceu dar certo.

Bem, coxa confitada de pato grelhada se dá bem com molho agridoce, certo? Uma das maneiras mais simples de se fazer um molho assim, em cima da hora, é juntar algumas colheres de geleia a uma manteiga aquecida e deixar apurar, reduzindo por uns tempos em uma panela. Tempera-se com um pouco de sal, pimenta-do-reino (sempre moída na hora), uma e outra erva e tudo bem. E como o assunto era jaca, nos lembramos do Doce de jaca que a Graça havia feito no fim de semana, com a polpa da própria, depois de retiradas as sementes para o tal aperitivo que já descrevi. Era quase uma geleia, mais pedaçuda.

Anacreon de Téos
Trouxinha de massa filo com recheio de cogumelos salteados e queijo brie.
Anacreon de Téos
Um respeitável sotaque francês na escolta do prato principal.

Aquecemos 1 colher (sopa) de manteiga, refogamos rapidamente ½ cebola picada e pusemos na panelinha umas 4 colheres (sopa) do doce de jaca para aquecer e reduzir. Temperamos com sal e pimenta e esperamos chegar ao ponto. De sabor o molho ficou muito bom. De textura nem tanto, pois os pedaços de jaca não se desmancham. Nada que uns cortes de facas cruzadas não resolvesse.

Já tínhamos tudo pronto, então, para o prato principal. Faltava apenas dourar as coxas de pato, o que seria a última tarefa da noite.

E para a entrada? Seria um cartucho de massa filo com algum recheio, inspirado em uma das obras-primas da chef Joy Perine, do restaurante Zea Maïs, o “Leitão no Pacote” (publiquei essa receita lá atrás, em tempos de outro endereço ainda). Tínhamos feito um coelho no almoço de domingo e utilizar as sobras de carne teria sido ideal se a Graça não fosse muito ágil e já as tivesse congelado – ela é sempre muito rápida nessas coisas.

Como a massa filo já estava à espera no freezer, decidimos por um recheio com cogumelos paris salteados e uma camada de queijo brie por cima. Deu mais trabalho do que parecia. Primeiro, porque segui a recomendação do pacote da massa, desdobrando-a após 30 minutos de descongelamento à temperatura ambiente. Ainda havia partes congeladas e ela rachou em algumas partes. Dá para deixar mais tempo, bem mais, pois as últimas camadas que tentamos já estavam melhores para comporem a trouxinha. Mesmo assim fizemos alguns remendos com clara de ovo e tudo se resolveu. Era a primeira vez, pecados do noviciado. Na próxima, com certeza tudo sairá melhor.

Outro porém foi o queijo. Tem te ser um queijo mais firme, tipo feta ou de cabra. O brie derrete muito rapidamente e se espalha pelo recheio, engordurando a base mais do que o esperado. Mas de sabor ficou interessante, com os cogumelos amalgamados pelo brie derretido e envoltos pelo crocante da massa.

Depois de servidas e saboreadas as trouxinhas, douramos as coxas de pato na frigideira em sua própria gordura e também tostamos algumas sementes de jaca que guardamos para tal. Na montagem do prato, o purê como base das coxas, o molho agridoce por cima e as sementes em volta. E não é que ficou muito bom?

Para a entrada fomos de vinho branco, um descomprometido chardonnay da Suzana Balbo, o Crios. Para o pato a escolta teria de ser de primeiro nível, como o Château de Landure Minervois Cuvée de l’Abbe Fregouse 2005 que escolhemos. Afinal de contas, aniversário é só uma vez no ano.

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