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Isto é um sequestro. São dezenas, centenas, milhares, milhões de reféns acuados num galpão sujo, com as mãos amarradas e os olhos fixos no chão. Do lado de fora, helicópteros voam baixo e sirenes uivam sem esperança. Lá dentro, os homens armados comandam o silêncio com metralhadoras, fuzis, granadas e bombas de efeito final. Ninguém respira fora do tom. Entre os reféns, há crianças de colo, senhoras de cabelo branco, rapazes com camiseta do Brasil, pais de família que só queriam voltar para casa. A cada exigência negada, um grito. A cada movimento em falso, a mira na cabeça. Os megabandidos comandam a cena – e os inocentes continuam de joelhos.
Os sequestradores cochicham entre si, reorganizam as armas e fazem sua exigência absurda:
– Para libertar a velhinha doente, o pai de família e a moça que manchou a estátua queremos um contrato de R$ 129 milhões para a senhora Viviane defender o banqueiro.
Um silêncio pesado engole o galpão. A proposta escandalosa brilha como granada no escuro. Alguns reféns trocam olhares – descrença, medo, vergonha. Alguém sussurra que o dinheiro jamais seria pago com aquele banco em liquidação, mas os sequestradores não ligam: o contrato já foi assinado, os documentos estavam na mão deles, as promessas vinham em dor de cifrões, um soco econômico em forma de chantagem. Quem ousar hesitar ouvirá de novo a cadência seca das metralhadoras.
Ao rasurar a lei para salvar a própria pele, o decano da corte revive Calígula: não nomeia mais um cavalo para humilhar o Senado – nomeia a si mesmo como dono da estrebaria
Nova exigência. Os sequestradores sorriem o sorriso dos vitoriosos. Um deles acende um charuto e dita com voz pausada:
– Queremos um jatinho executivo à disposição do ministro Dias, com direito a assento cativo para o advogado do banqueiro. E, claro, exigimos também a caixa-preta do caso Master, trancada, lacrada, selada com o nome do Supremo.
O eco da ordem percorre os corredores do galpão como se fosse o anúncio de um destino. Um pai de família desaba. A criança chora sem saber por quê. Muito além de uma fraude bancária, o golpe de Master é um método de governo, um pacto de silêncio voando a jato. Quem questiona desaparece. Quem pede explicações ganha um inquérito. E os sequestradores seguem firmes, com as mãos e os olhos sujos do excremento de suas vítimas.
Mais uma exigência. Desta vez, sem charuto nem disfarce. O sequestrador mais velho – aquele de olhar batraquiano e fala grossa – ergue um papel e lê alto, em tom de proclamação:
– Queremos uma blindagem vitalícia. Ninguém aqui será preso, julgado ou removido. E o único que poderá cogitar essa hipótese será nosso próprio procurador, desde que devidamente amansado. Ah, e que se aumente o número de votos necessários para qualquer tentativa de impeachment. Que sejam tantos senadores quanto estrelas no céu.
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O galpão silencia, não por surpresa – a surpresa pertence ao passado remoto – mas por exaustão. O Decano Anfíbio escreve os decretos do cativeiro. Ele mesmo interpreta o que é abuso – e o que é apenas “zelo institucional”. Sua toga virou escudo; sua liminar, corrente. Ao rasurar a lei para salvar a própria pele, o decano da corte revive Calígula: não nomeia mais um cavalo para humilhar o Senado – nomeia a si mesmo como dono da estrebaria. E transforma o regimento do cárcere em Constituição.
E então vem a exigência final – a mais debochada de todas:
– Queremos garantir uma mesada de trezentos mil reais ao filho do chefe. Sim, trezentos mil. Por fora. Por mês. Sem recibo.
O silêncio agora é de derrota e humilhação. O Filho do Chefe pegou o dinheiro, arrumou as malas e foi morar na Espanha, longe do galpão, longe dos gritos, longe dos reféns. Ninguém se atreve a perguntar por quê. É o prêmio pelo bom comportamento dinástico. Enquanto velhos esperam aposentadoria e famílias contam moedas para comprar pão, o príncipe exilado vive com todas as regalias. No galpão, todos entenderam: o país não foi apenas sequestrado – foi vampirizado.
E é nesse país que nós vivemos, meus amigos. Caso vocês ainda não saibam, nós somos os reféns dos megabandidos.
Conteúdo editado por: Marcio Antonio Campos




