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Paulo Briguet

Paulo Briguet

“O Paulo Briguet é o Rubem Braga da presente geração. Não percam nunca as crônicas dele.” (Olavo de Carvalho, filósofo e escritor)

Homenagem

Daniel Laier: um escritor nunca morre

Daniel Laier (1978–2025), escritor mineiro, estreou com O Labirinto do Corpo (2024). Com um estilo intenso e profundo, dedicou-se integralmente à literatura. (Foto: Bruna Laier/Acervo pessoal)

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Daniel Laier morreu no sábado. Eu perdi um amigo, e o Brasil perdeu um grande escritor.
Nascido em 1978, em Poços de Caldas (MG), Daniel estreou na literatura com o romance O Labirinto do Corpo, lançado pelo Sétimo Selo em 2024. Essa primeira obra já revela um escritor completo, totalmente devotado ao ofício das palavras.

Daniel era dono de um estilo de narrativa poderoso, que em muitos momentos me fazia lembrar Marcel Proust, Samuel Beckett e Soljenítsin. Nessa escrita meticulosa e, por vezes, atordoante, acontecimentos aparentemente triviais e rotineiros abrem-se como portais para a contemplação dos grandes mistérios humanos.

Em O Labirinto do Corpo, cada frase é pacientemente elaborada para alcançar a máxima capacidade expressiva, à maneira de Flaubert. No entanto, não se deve confundir essa preocupação estética com qualquer forma de escapismo ou alienação: Daniel Laier amava as palavras porque amava a verdade.

Pode-se dizer da prosa de Daniel Laier o mesmo que Olavo de Carvalho afirmou sobre a poesia de Bruno Tolentino: “Sua obra ― quer ele tenha premeditado isso ou não ― é um esforço heroico e vitorioso para descer do pseudo-céu das essências rumo às coisas mesmas, entre as quais e só entre as quais se encontra o verdadeiro céu.”

Numa referência a Katharina, personagem de alguns dos maiores poemas de Tolentino, Olavo observa algo que se aplica perfeitamente a Davi, protagonista de O Labirinto do Corpo: “Katharina [Davi] aceita o Cristo [ou seja, o Logos] na mesma medida em que vai admitindo a realidade patente de impulsos e desejos banais, na medida em que contempla amorosamente objetos e seres do ambiente em torno, um relógio, um lagarto, uma folha, criaturas desconhecidas no reino das essências, mas, com pleno direito, habitantes do Mundo da Vida (Lebenswelt), e quanto mais se detém na contemplação e aceitação deste mundo, mais se eleva em direção ao eterno.”

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Em Daniel Laier, a dimensão da eternidade podia ser vislumbrada em sua disciplina de trabalho e em seu amor pela literatura, que me faziam recordar a oração a São José: “Alcançai-me a graça de trabalhar com recolhimento e alegria, olhando como uma honra empregar e desenvolver pelo trabalho os dons recebidos de Deus.”

Daniel era um sujeito acessível e simples, sempre disposto a conversar sobre seu trabalho e compartilhar conhecimentos e experiências literárias. Sua humildade era proporcional à sua dedicação ao ofício. O perfil do escritor no Instagram (@daniellaier) está repleto de ensinamentos que ele generosamente colocava à disposição de todos.

Foi com a mesma generosidade que, meses atrás, ele me convidou a escrever o prefácio de seu segundo romance, que tenho em mãos agora. Trata-se de uma sequência de O Labirinto do Corpo. Se a ação do primeiro volume se passa em 2005, durante o escândalo do Mensalão, quando o protagonista Davi descreve a sua Via Dolorosa após um diagnóstico médico, este segundo volume retrocede um pouco no tempo e fala sobre a difícil experiência de Davi numa faculdade de música em São Paulo, no ano de 2002, quando Lula venceu a sua primeira eleição presidencial. Em mensagem, Daniel explicou-me:

“Nesta obra, trato do ambiente universitário, da censura imposta pela esquerda desde aquela época a qualquer forma de pensamento ou manifestação artística contrária às regras da cartilha.
É também minha tentativa de apresentar um painel daquele tempo, pois trago os acontecimentos culturais relevantes de 2002, as posturas e opiniões de outros setores da sociedade a respeito das artes e da política.
Como a história do primeiro volume se passa em 2005, três anos após o segundo e sob o impacto do Mensalão, tento apresentar o contraste entre as expectativas em relação a Lula e a realidade que foi desvelada com o primeiro caso de corrupção do governo petista.”

Quando Daniel me convidou para escrever o prefácio de seu livro, senti-me bastante honrado. Agora, vou escrevê-lo com a pena da tristeza e a tinta da admiração. Mas a presença de Daniel Laier continuará viva, pelo simples fato de que um verdadeiro escritor, assim como um verdadeiro amigo, nunca morre.

Leiam Daniel Laier.

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