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Paulo Briguet

Paulo Briguet

“O Paulo Briguet é o Rubem Braga da presente geração. Não percam nunca as crônicas dele.” (Olavo de Carvalho, filósofo e escritor)

Arquipélago Gulag

Soljenítsin, o homem que revelou os crimes do comunismo

Soljenítsin foi condenado a 8 anos de prisão e trabalhos forçados por escrever críticas ao governo comunista e ao ditador Joseph Stálin. (Foto: Bert Verhoeff/Comitê Central do PPSH/Wikimedia Commons)

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“A linha que divide o bem e o mal atravessa o coração de cada ser humano. E quem pode destruir um pedaço do seu próprio coração?”
(Aleksandr Soljenítsin, em “Arquipélago Gulag”) 

Como sabem os meus caríssimos sete leitores, durante um tempo da juventude eu fiquei fascinado pela ideia da revolução socialista. Vários foram os motivos que me levaram a abandonar a esquerda (e lá se vão 25 anos...), mas dentre eles gostaria de destacar a leitura atenta dos grandes escritores russos. 

Dostoiévski e Tolstói, Tchékhov e Turguêniev, Pasternak e Anna Akhmátova, Brodsky e Búnin, Zamiátin e Nabokov, cada qual à sua maneira, me ensinaram muito sobre os efeitos da mentalidade revolucionária na alma humana e sobre aquilo que Nossa Senhora de Fátima chamou, em 1917, de “os erros da Rússia”. Mas, em relação ao comunismo, creio que a leitura mais impactante foi a das obras de Aleksandr Soljenítsin (1918-2008), sobretudo a opus magnum “Arquipélago Gulag”.

Há exatos 80 anos, em fevereiro de 1945, poucos dias depois que as tropas da Frente Ucraniana do Exército Vermelho libertaram o campo de extermínio de Auschwitz, um capitão russo chamado Aleksandr Isayevich Soljenítsin, de 26 anos, condecorado várias vezes por bravura no campo de batalha, foi preso por agentes do Smersh, o serviço de contrainteligência da União Soviética. 

Seu crime? Ele escreveu cartas a um amigo em que se permitia fazer críticas ao governo comunista e às decisões do ditador Joseph Stálin. Pouco tempo depois, Soljenítsin foi condenado a 8 anos de trabalhos forçados, sob a acusação de “propaganda antissoviética” e “agitação contrarrevolucionária”, crimes tipificados pelo famoso Artigo 58 do Código Penal soviético.

É isso mesmo que vocês leram. Soljenítsin foi condenado a passar 8 anos de prisão e trabalhos forçados por escrever uma carta a um amigo

A ironia da história, no entanto, se fez presente: aquele malfadado homem seria o responsável por denunciar ao mundo os horrores dos campos de concentração comunistas. 

Soljenítsin só seria libertado em 1953, com a morte de Stálin. Ainda no campo, o escritor foi diagnosticado com câncer e, após a libertação, passou por um período de tratamento na cidade de Tashkent, no Uzbequistão.

A força do homem era realmente impressionante: ele conseguiu sobreviver aos campos de trabalhos forçados e ao câncer. A sua luta contra a doença inspirou o romance “Pavilhão de Cancerosos”, em que Soljenítsin faz uma alegoria sobre a sociedade soviética corroída pela metástase do totalitarismo.

Em 1962, durante o período de degelo promovido por Nikita Kruschev, Soljenítsin conseguiu publicar a novela “Um Dia na Vida de Ivan Denisovich”, obra que revelou ao mundo a existência dos campos de concentração comunistas, conhecidos pela sigla Gulag (em russo, Administração Geral dos Campos de Trabalho).

O degelo, porém, não durou muito. Em 1964, Kruschev foi deposto por um golpe palaciano e as autoridades comunistas voltaram a proibir referências ao Gulag. 

Por vários anos, Soljenítsin viveu um exílio interno: passou por grandes dificuldades materiais, era monitorado pela KGB e não conseguia publicar seus livros, a não ser sob a forma de samizdat (edições clandestinas que circulavam de mão em mão).

Nos anos 60 e 70, os livros de Soljenítsin foram contrabandeados para o Ocidente e traduzidos para diversas línguas. Em 1970, ele ganhou o Prêmio Nobel de Literatura pelo conjunto de sua obra, mas foi proibido pelas autoridades comunistas de viajar a Estocolmo para receber o prêmio.

Em 1973, foi publicada em Paris a primeira edição de “Arquipélago Gulag”: a maior e mais completa denúncia dos campos de concentração e extermínio do regime comunista. 

Para compor essa obra magistral, Soljenítsin reuniu relatos de 237 sobreviventes do Gulag — além, é claro, das suas memórias pessoais. Como acontece com “Os Sertões”, do nosso Euclides da Cunha, é muito difícil enquadrar “Arquipélago Gulag” em um gênero literário. 

Não é um romance, porque fala de pessoas e acontecimentos reais; não é um poema, não é um ensaio, não é uma obra meramente histórica, sociológica ou antropológica. Segundo o próprio Soljenítsin, trata-se de um “experimento de investigação artística”. Fiquemos com a definição do escritor.

A obra de Soljenítsin não se limita a abordar o período em que Joseph Stalin esteve à frente do poder soviético (entre 1924 e 1953), mas mostra que o sistema de campos de concentração foi criado por iniciativa do primeiro líder soviético, Vladimir Lênin, já no ano de 1918. 

O Gulag é descrito como um país dentro do país, no qual pereceram milhões de pessoas (por fome, doença, exaustão ou fuzilamento).

Nunca saberemos quantas pessoas morreram nos campos comunistas. As estatísticas oficiais (do próprio regime) reconhecem 1 milhão de mortos, mas o número verdadeiro certamente é bem maior. 

Somadas, as vítimas do comunismo no século XX atingem a cifra de 148 milhões de mortos, segundo o grande cientista político R. J. Rummel, autor de “Death by Government” e criador do termo democídio (o assassinato de um povo pelo seu governo).

Em 1974, Soljenítsin e sua esposa foram colocados em um avião e expulsos da União Soviética, por “traição à pátria socialista”. O escritor viveu 18 anos em Vermont, nos Estados Unidos, e escreveu diversas obras importantes, tais como “A Roda Vermelha”, monumental série de 10 volumes sobre a Revolução Russa. Voltaria à Rússia em 1998, após a dissolução da União Soviética.

Soljenítsin faleceu em 2008, aos 89 anos, em seu país natal. O homem preso há 80 anos por escrever uma carta, quando questionado sobre as causas do genocídio comunista, respondia que as tragédias do nosso tempo só se tornaram possíveis em regimes dominados pela mentira. Daí, o seu famoso lema:

“Que a mentira venha ao mundo. Que ela até triunfe — mas não por meio de mim”.

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Conteúdo editado por: Aline Menezes

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