
Ouça este conteúdo
Xerxes, o Imperador Calvo, morria. Quando os seguranças abriram a porta da sala, viram uma cena terrível: o monarca estava caído no tapete persa, de pijama e camiseta, com os olhos entreabertos e a careca, a famosa careca, reluzente sob a luz do abajur. Seus lábios tentavam formar palavras, mas só emitiam sussurros e grunhidos. A mão esquerda espasmódica tentava sinalizar algo para ninguém.
Horas atrás, havia sofrido o ataque fatal — um surdo e malicioso ataque vindo de suas próprias entranhas — mas não conseguira pedir socorro. O poderoso magistrado, que decidira sobre a vida e a morte de tantos, não teve forças para chamar ajuda médica a tempo. Até porque os melhores médicos do país estavam presos — por ordem sua.
Os seguranças carregaram-no até o sofá da sala, próximo à estante de livros que ele próprio havia pessoalmente censurado. Xerxes olhava para aquelas lombadas e via os nomes de seus inimigos ali escritos — os inimigos que ele perseguira, prendera e eliminara.
Só uma hora depois chegaram os médicos — não os melhores médicos, mas aqueles que haviam sido suficientemente mesquinhos e covardes para jamais questionar o tirano.
Com as mãos trêmulas e as testas porejadas de suor, esses medíocres doutores examinaram o paciente e, embora não pudessem dizê-lo em voz alta — ai de quem o fizesse! —, concluíram que não havia mais esperança.
Desenganar um ditador talvez seja o mais perigoso dos atos médicos. E, no entanto, essa era a verdade, a incensurável e incancelável verdade.
Pela mente do Imperador Calvo desfilavam agora os vultos de suas vítimas. Era uma procissão silenciosa e lenta, em que cada figura levava nas mãos uma vela acesa.
VEJA TAMBÉM:
Os presos, os torturados, os chantageados, os exilados, os censurados, os doentes, os extorquidos, os corrompidos, os falidos, os empobrecidos e os aterrorizados — todos eles se despediam mudamente do algoz
Uma senhora de cadeira de rodas ergueu os olhos por sobre os óculos de lentes grossas e disse:
— Eis aí um jeito irônico de morrer. Com uma palavra, destruía milhares de vidas. Agora não pode salvar a sua.
A procissão continuou, no ritmo de um adágio. De repente, Xerxes viu um rosto familiar e muito parecido com o seu.
— Sendo mortal, você pensou em sua insânia que poderia enfrentar todos os deuses! Em sua arrogância, tentou enfrentar a maior potência de sua época. Quem poderá negar que uma doença muito grave lhe dominou a mente, meu filho? Foi tão feroz a luta a ponto de levar um país como nosso à extinção total?
Diante do fantasma do pai, Xerxes tentou dizer alguma coisa, mas agora ele era o censor involuntário de si mesmo. Limitou-se, portanto, a pensar sem voz:
— Mereço tudo, por ter sido o flagelo de minha pátria!
Notando estar perante um decreto que não poderia revogar, Xerxes lançou um último olhar aos médicos e aos seguranças, um olhar de cheio de ódio e desespero. Aspirou ar, deteve-se em meio do suspiro, inteiriçou-se e morreu.
(PS: Esta crônica é inspirada em “Os Persas”, de Ésquilo, “Stálin — Triunfo e Tragédia”, de Dmitri Volkogonov, e “A Morte de Ivan Ilitch”, de Lev Tolstói. Interpretações não literárias estão desautorizadas.)
Canal Briguet Sem Medo: Acesse a comunidade no Telegram e receba conteúdos exclusivos. Link: https://t.me/briguetsemmedo




