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Nos dias 6 e 9 de agosto de 1945, os Estados Unidos lançaram sobre as cidades japonesas de Hiroshima e Nagasaki as duas primeiras — e até aqui únicas — bombas nucleares já utilizadas em uma guerra. As centenas de milhares de vítimas e a enorme destruição levaram o Japão a render-se menos de uma semana depois, em 14 de agosto.
Naquele trágico episódio não apenas se inaugurou a era nuclear, mas também teve início uma corrida das principais potências mundiais para também possuírem a bomba em seus arsenais.
Em 1949, foi a vez da União Soviética realizar seu primeiro teste nuclear. Em seguida, vieram o Reino Unido (1952), a França (1960), a China (1964), a Índia (1974), o Paquistão (1998) e a Coreia do Norte (2006). Israel, cuja data exata do primeiro teste nuclear é desconhecida, completa o grupo de nove países detentores do artefato atômico.
Quando vários países passaram a ter bomba atômica em seus arsenais, a lógica estratégica que passou a vigorar foi a da dissuasão nuclear. Nenhum país poderia empregar, impunemente, uma arma nuclear contra outra potência que também a possuísse, sob risco de retaliação em igual ou maior escala.
Esse equilíbrio, típico dos tempos da Guerra Fria, baseava-se na ideia de que não haveria vencedores em um conflito nuclear — a chamada “destruição mútua assegurada” (ou Mutual Assured Destruction, MAD). Na prática, as potências nucleares formaram um “primeiro time” na ordem internacional, detendo uma enorme vantagem estratégica em relação aos Estados não nucleares.
Face a essa realidade, muitos países pensaram em desenvolver suas próprias bombas. Entretanto, a forte pressão internacional e o Tratado de Não Proliferação Nuclear (TNP) mantiveram o grupo das potências nucleares bastante restrito. Outro fator decisivo foi a chamada “dissuasão estendida” oferecida pelos Estados Unidos, que garantiam a segurança dos aliados, desestimulando o investimento em programas nucleares autônomos.
Um exemplo marcante dessa contenção ocorreu após o colapso da União Soviética, em 1991. Além da Rússia, outras três repúblicas herdaram bombas nucleares soviéticas: Ucrânia, Bielorrússia e Cazaquistão. Pressionados pela comunidade internacional, esses três países concordaram em desmantelar ou repassar seus arsenais à Rússia, aderindo ao TNP.
Entre 1994 e 1996, o processo foi concluído. Em troca, no caso da Ucrânia, russos, norte-americanos e britânicos assinaram o Memorando de Budapeste, comprometendo-se a respeitar as fronteiras internacionalmente reconhecidas do país. Anos depois, contudo, a Rússia fomentou o conflito no leste ucraniano, anexou a Crimeia (em 2014) e invadiu a Ucrânia (em 2022), rompendo com os termos daquele acordo.
Sob a administração Trump, os Estados Unidos deixaram de oferecer qualquer tipo de apoio à Ucrânia em seu esforço de guerra contra a invasão russa. Mais do que isso, a postura de Washington se distanciou da Europa, gerando dúvidas entre os parceiros europeus sobre a continuidade do “guarda-chuva nuclear” norte-americano como proteção contra Moscou.
O cenário geopolítico resultante pode desencadear uma nova onda de proliferação nuclear. O primeiro alerta partiu do presidente da França, Emmanuel Macron, que em pronunciamento aos franceses afirmou que a Europa deveria se preparar para a eventualidade de não poder mais contar com os EUA. Ele ainda propôs discutir com outros líderes do continente a possibilidade de estender a proteção nuclear francesa a outros países europeus.
Na Polônia, o primeiro-ministro Donald Tusk, em discurso ao parlamento, declarou que o país deve considerar a aquisição das mais avançadas capacidades militares, incluindo armas nucleares. Além disso, Tusk anunciou o retorno do serviço militar obrigatório e um aumento substancial no efetivo das Forças Armadas polonesas, que mais do que dobrariam de tamanho, atingindo meio milhão de soldados.
Diante dessas movimentações na Europa, outros parceiros norte-americanos também se mostram inquietos. Na Coreia do Sul — que permanece tecnicamente em guerra com a Coreia do Norte, uma potência nuclear — há debates cada vez mais frequentes sobre a necessidade de construir seu próprio arsenal, caso não seja possível contar com o apoio dos EUA.
O Japão, por sua vez, que historicamente se comprometeu a não possuir nem permitir armas nucleares em seu território, conta com grandes reservas de plutônio em seu programa civil de energia e tem uma indústria de defesa capaz de fabricar a bomba em poucos meses, caso essa decisão seja tomada.
No Oriente Médio, o Irã, que possui estoques de urânio enriquecido próximos ao nível necessário para a confecção de algumas bombas, é outro país que pode chegar ao status de potência nuclear. Se isso acontecer, a situação regional pode se tornar explosiva.
Israel, que já demonstrou não aceitar um Irã nuclear, poderia realizar ataques preventivos ao programa iraniano, arriscando disparar um conflito de grandes proporções
Nesse contexto, o príncipe Mohammed bin Salman, da Arábia Saudita, já advertiu que, se o Irã adquirir a bomba, o reino árabe seguiria pelo mesmo caminho.
Para o teórico John Mearsheimer, criador da teoria do realismo ofensivo, os Estados buscam sempre a própria sobrevivência como prioridade máxima. Nesse sentido, eles tendem a visar a autonomia estratégica, desenvolvendo as capacidades militares necessárias para garantir sua defesa.
Enquanto o sistema internacional se manteve razoavelmente estável, baseado em regras e acordos mínimos de convivência, a busca frenética por armas nucleares era menos urgente. Porém, a volta de um conflito de alta intensidade à Europa em 2022 e a nova postura dos EUA frente a seus parceiros e aliados agiram como um estrondoso despertador para países como Polônia, Alemanha, Coreia do Sul e Japão, que talvez não vejam uma alternativa a não ser se comportar de acordo com a cartilha mearsheimeriana.
Em um mundo cada vez menos ancorado por acordos de não proliferação e garantias de segurança coletiva, a busca por armas nucleares volta a ser vista por alguns Estados como a única salvaguarda possível. Ao mesmo tempo, esse movimento acentua o risco de escaladas regionais ou até globais, ampliando a instabilidade que já permeia o cenário internacional.
Se antes o sistema baseado em regras e alianças robustas funcionava como contrapeso, agora a desconfiança mútua e as alianças frágeis podem redefinir o equilíbrio de poder.
Conteúdo editado por: Aline Menezes