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Nos últimos dias, Peru e Colômbia se envolveram em uma disputa territorial a poucas centenas de metros de Tabatinga, no Amazonas, na tríplice fronteira com o Brasil. O conflito gira em torno da Ilha de Santa Rosa, formada pela sedimentação do rio Amazonas, um acidente geográfico que não existia à época do Tratado de Salomón-Lozano, de 1922, que estabeleceu a fronteira entre os dois países naquela região.
O Peru considera a ilha parte de Chinería, sob sua jurisdição desde o Protocolo do Rio de Janeiro (1934), enquanto a Colômbia a vê como um território novo, sujeito a negociação.
No último mês de julho, o Congresso peruano aprovou uma lei criando o distrito de Santa Rosa de Loreto e incorporando a ilha ao território nacional. A decisão provocou reação imediata do presidente colombiano, Gustavo Petro, que acusou o Peru de apropriação unilateral.
A relevância da ilha, porém, vai além do gesto político, tendo um caráter geoestratégico: estudos da Universidade Nacional da Colômbia indicam que a sedimentação do rio Amazonas, agravada por mudanças climáticas, está reduzindo o fluxo de água no lado colombiano, ameaçando o porto de Letícia, principal acesso fluvial do país. O controle da ilha fortaleceria a posição colombiana sobre o canal navegável.
A disputa reaviva tensões históricas. Em 1922, o Tratado de Salomón-Lozano cedeu Letícia à Colômbia, gerando insatisfação no Peru, o que acabou servindo de causa para a guerra entre os dois países, ocorrida entre 1932 e 1933.
Ao término do conflito, o Protocolo do Rio de Janeiro, de 1934, confirmou a soberania colombiana sobre Letícia e atribuiu a ilha de Chinería ao Peru, mas não previu formações como Santa Rosa.
Na crise atual, após a manifestação do presidente da Colômbia, o governo peruano enviou militares à Ilha de Santa Rosa para uma “ação cívica”, que incluiu o hasteamento de bandeiras, atendimento médico e distribuição de suprimentos. A Colômbia, por sua vez, reforçou o contingente militar em Letícia.
Gustavo Petro transferiu uma das celebrações da Independência, o dia da Batalha de Boyacá, no último dia 7 de agosto, de Bogotá para Letícia, participando pessoalmente das comemorações, em um gesto simbólico de reafirmação de soberania. Ele também ameaçou levar o caso à Corte Internacional de Justiça, caso o Peru não aceite a mediação diplomática.
Embora o Brasil não seja parte diretamente envolvida na disputa, ela ocorre a poucas centenas de metros de Tabatinga. Qualquer evento na tríplice fronteira pode afetar o comércio, a segurança e a mobilidade dos habitantes da cidade, que dependem da interação com Letícia e Santa Rosa.
O episódio também lembra que, embora a América do Sul seja uma região onde as guerras entre Estados são raras, ela não está livre de tensões
Há a disputa entre Venezuela e Guiana pela região da Guiana Essequiba; a reivindicação boliviana por uma saída ao Oceano Pacífico, perdida para o Chile na Guerra do Pacífico; e a permanente reclamação argentina sobre as Ilhas Malvinas, controladas pelo Reino Unido.
Cabe ao Brasil, potência sul-americana que responde por quase metade do território, da população e do PIB da região, exercer uma diplomacia ativa. Isso significa oferecer-se como mediador da questão entre Peru e Colômbia e, ao mesmo tempo, agir para evitar o ressurgimento de disputas semelhantes em outras partes do continente.
Em um cenário global cada vez mais conturbado, a liderança brasileira na preservação da paz regional não é apenas desejável — é uma necessidade estratégica para o futuro do país e da América do Sul.




