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Lula Maduro
Presidente brasileiro diz que se criou uma “narrativa” contra a Venezuela e ignora fatos históricos sobre ações de Maduro.| Foto: André Borges/EFE

O fim de outubro de 2022 representou, para muitos, que o amor havia vencido o ódio: era a vitória dos defensores da democracia. Da frente ampla. Do gabinete do amor sobre o gabinete do ódio. Sem mais delongas nos devaneios petistas e pró-Lula, o mês de maio de 2023 mostrou (mais uma vez) justamente o contrário: a vitória do autoritarismo, da corrupção e do desrespeito aos direitos humanos. O escárnio contra a democracia plena. Oito anos depois de sua última visita ao Brasil, durante o governo Dilma, o ditador venezuelano Nicolás Maduro pisou novamente em solo brasileiro e foi recebido com as maiores honrarias pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva e sua mulher Janja.

Nicolás Maduro e sua esposa Cilia Flores vieram ao Brasil para uma reunião dos 12 países da América do Sul proposta pelo presidente Lula. Alguns poderiam defender a presença de Maduro como mera formalidade, resultado de um convite por educação e diplomacia básica. Infelizmente, não é disso que se trata. Maduro veio ao Brasil porque Lula é um dos poucos líderes do mundo que o estima e o respeita como governante — afinal, a maioria dos demais sabe que ele não passa de um ditador cruel, que atacou as instituições públicas na Venezuela e, sistematicamente, viola os mais básicos direitos humanos de sua população.

A atitude de Lula em defender e apoiar o regime de Maduro é, inclusive, inconstitucional.

Ele veio para ser reverenciado e reconhecido como legítimo. E, até mesmo, como um suposto democrata que trabalha em prol de sua população. O presidente petista não perdeu a chance de dizer à imprensa que Maduro não é um homem mau. “Quantos anos vocês passaram ouvindo dizer que o Maduro é um homem mau?”, pergunta Lula. “Muitos anos, muitos, muitos anos”, responde Maduro, que recebe um aperto de mão e um abraço carinhoso de Lula. Depois, Maduro e sua esposa posam, sorridentes, para fotos ao lado de Lula e Janja. É uma das cenas mais constrangedoras da história da América Latina. Será que Maduro não é mesmo um homem mau?

Vamos aos dados. A ditadura de Maduro deixa 6,5 milhões de venezuelanos passando fome, incluindo milhares de crianças desnutridas. 7 milhões de pessoas fugiram para outros países da América do Sul, como o Brasil, para os Estados Unidos e para a Europa, buscando asilo político e alternativa de vida longe do socialismo venezuelano. Ao menos 19 mil venezuelanos que se opuseram ao regime foram executados, sem qualquer julgamento e sem respeito ao devido processo legal, isso só entre 2016 e 2019: ou seja, foram assassinados pela ditadura. Desde 2014, ao menos 15 mil sofreram prisões arbitrárias. Os dados foram divulgados pela GloboNews no último dia 29 e foram retirados de estudos da ONU e de outras instituições que defendem os direitos humanos.

O presidente atual liga apenas para os seus próprios interesses, sejam eles de benefícios próprios, sejam de seu alinhamento ideológico.

Além disso, a hiperinflação esmagou a economia da Venezuela. “Se no começo da crise, em 2014, os preços subiam 70% ao ano, em 2016 esse número saltou para 800%. Dois anos depois, ele chegaria a inacreditáveis 1.800.000%, segundo cálculo de economistas privados. Os preços subiam tanto que, em determinado momento, o governo simplesmente parou de medi-los”, lembrou o jornalista Luiz Raatz no Estadão. Uma tragédia só igualada por países em guerra.

Maduro também impugnou os deputados da oposição ao seu regime e anulou os trabalhos do Legislativo venezuelano por decreto. Por causa da fome, venezuelanos até morreram envenenados ao tentarem se alimentar de mandioca brava. Em 2018, esquadrões da morte de Maduro, conhecidos como Força de Ação Especial da Polícia Nacional Bolivariana (Faes) mataram em média 14 pessoas por dia (totalizando 5,7 mil no ano), segundo a ONU. A Faes matou outras 1,5 mil pessoas até maio de 2019. Em muitos casos, os agentes da morte de Maduro até implantam drogas nos pertences das vítimas para fingir que elas estão sendo presas por narcotráfico. “O informe da ONU não traz nenhuma novidade para quem está bem informado sobre a Venezuela. Mas seu valor simbólico diante daqueles que persistem em apoiar um governo antidemocrático é inegável”, disse o coordenador geral da ONG venezuelana Provea, Rafael Uzcátegui, nas redes sociais em 2019.

Mas mesmo com esses números assustadores, o presidente Lula insiste em dizer que as pessoas têm preconceito com a Venezuela. Não é verdade. É o contrário. Quem entende o que está acontecendo lá apenas deseja que os venezuelanos tenham uma vida digna, com respeito aos direitos humanos, algo muito diferente do que o ditador Nicolás Maduro os impõe agora. A atitude de Lula em defender e apoiar o regime de Maduro é, inclusive, inconstitucional. O inciso II do art. 4º da Constituição, que rege os princípios das relações internacionais do nosso país, preza pela “prevalência dos direitos humanos”. Um regime que persegue, prende e assassina seus opositores respeita os direitos humanos? Óbvio que não. Nesse caso, há a imposição da ideologia do ódio sobre os direitos humanos.

Em 1998, Hugo Chávez, o antecessor de Maduro, foi eleito presidente da Venezuela. Ele surfou no preço do petróleo no mercado internacional para favorecer seu governo. Em 1999, ele convocou uma Assembleia Constituinte para criar uma nova constituição venezuelana. Assim, a Constituição chavista da Venezuela garantiu todos os poderes para o avanço autoritário de Chávez e seus aliados. Seu segundo mandato foi recheado de aumento de gastos. Com o tempo, o preço do petróleo no mercado internacional despencou, e a economia venezuelana, dependente principalmente da commodity, começou a despencar também.

Uma democracia plena não pode receber um líder de ditadura cruel com honrarias de chefe de estado, como se fosse legitimamente eleito.

A corrupção e a falta de gestão na estatal de petróleo da Venezuela também aceleraram o colapso da economia. “A consequente hiperinflação, a dependência das importações e diversas outras barreiras de entrada impostas ao mercado local levaram à escassez de insumos. Em última análise, a ação de Chávez agravou a questão do desabastecimento no país”, explica Luan Sperandio no Instituto Liberal. Chávez também aumentou o Tribunal Supremo de Justiça para 22 membros, que, é claro, eram “juristas revolucionários”, escolhidos por sua militância de esquerda, e não por seus méritos ou por seus conhecimentos jurídicos. Prevaleciam às ligações pessoais, tudo o que não deveria prevalecer em uma democracia.

Assim, o Judiciário se tornou submisso ao Poder Executivo, comandado por Chávez. “Entre 2004 e 2013, em mais de 45 mil decisões judiciais, nem sequer uma única sentença foi contrária ao governo”, explica Sperandio. A partir de 2006, Chávez também passou a reprimir a mídia. E o regime passou a prender seus opositores, inclusive juristas e figuras famosas da mídia. No ano 2012, a nova reeleição de Chávez não foi considerada justa, pois seu  governo controlava a mídia e utilizou sem pudor a máquina pública a seu favor: formava-se, assim, a ditadura venezuelana. Para quem queria acreditar, ou tinha interesse nessa narrativa, o regime venezuelano ainda era uma democracia. “Após a morte devido a um câncer, seu herdeiro político Nicolás Maduro foi eleito de forma bastante questionável em 2013, com uma pequena margem de votos contra Henrique Capriles, 50,61%. A diferença foi de tão somente 220 mil votos”, diz ainda Sperandio.

O presidente de uma nação livre não pode ser publicitário de um ditador e emprestar sua aprovação ou popularidade para legitimá-lo.

Entre outros absurdos, o regime controlava diversas zonas eleitorais com gangues armadas intimidando os eleitores, fazendo-os votar em Maduro. Maduro também passou a ignorar o parlamento e a governar por decretos. A história da formação da ditadura venezuelana é muito mais longa e complexa. O livro A Venezuela e o Chavismo em Perspectiva, de Paulo Afonso Velasco Junior e Pedro Rafael Pérez Rojas Mariano de Azevedo, dá detalhes desse caminho trágico.

Hoje, como o socialismo totalmente implantado, a Venezuela é o 4º país mais corrupto do mundo. É o 21º pior em democracia e liberdade de imprensa e os cidadãos recorrem (informalmente) ao dólar americano porque sua moeda não vale mais nada. Mas, voltando ao Brasil, é importante lembrar que, no segundo turno das eleições do ano passado, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) determinou que o Partido Liberal (PL), do então presidente Jair Bolsonaro, tirasse do ar a propaganda que relacionava Lula ao ditador Nicolás Maduro. Como fica a Justiça diante dos olhos dos brasileiros se o próprio Lula se associa ao ditador, trazendo-o ao Brasil com as melhores e mais altas honrarias?

Maduro é, inclusive, acusado pelo governo dos Estados Unidos por narcoterrorismo desde o ano de 2020. Seu regime é investigado por crimes contra a humanidade pelo Tribunal Penal Internacional desde 2018. Diferente do que Lula quer fazer os brasileiros pensarem, a crueldade na ditadura de Maduro sobre o povo da Venezuela não é uma narrativa, infelizmente. É a mais pura e trágica realidade.

Como se não bastasse, Lula se associa ao que há de pior contra os direitos humanos e a democracia plena no mundo: como com os regimes de Cuba, da Rússia, da Venezuela e da Nicarágua. Tratar a ditadura de Maduro como um governo democrático é ludibriar, mais uma vez, os cidadãos brasileiros e venezuelanos. Essa narrativa é imoral, irreal e uma verdadeira zombaria em termos de respeito aos direitos humanos e ao direito de autodeterminação do povo venezuelano. Quem assinou a famosa Carta pela Democracia ano passado na Universidade de São Paulo (USP) e votou em Lula, mas agora se cala diante de tamanha afronta aos valores democráticos, parece querer sujar seus dedos de sangue.

O presidente atual liga apenas para os seus próprios interesses, sejam eles de benefícios próprios, sejam de seu alinhamento ideológico. Uma democracia plena não pode receber um líder de ditadura cruel com honrarias de chefe de estado, como se fosse legitimamente eleito. O presidente de uma nação livre não pode ser publicitário de um ditador e emprestar sua aprovação ou popularidade para legitimá-lo. Uma pena que o Congresso e o Judiciário ficaram, em sua maioria, calados, sem tomar nenhuma medida contra esse absurdo. A narrativa do ódio parece ter vencido o amor.

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