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Mais Médicos
Expectativa do governo é preencher até 28 mil vagas do novo “Mais Médicos” até o final do ano.| Foto: Lula Marques/ Agência Brasil

Um dos marcos do terceiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) será a retomada do . A volta do programa foi anunciada pelo governo no último dia 20, com previsão de 5 mil novas vagas em abril, custeadas pelo Ministério da Saúde, e outras 10 mil até o fim de 2023, desta vez por conta dos municípios. A princípio, parece uma ideia muito boa. Afinal, quem seria contra o envio de médicos para áreas remotas do Brasil e distantes da assistência pública, como as terras indígenas ou os municípios localizados em áreas rurais? Esse é um questionamento válido quando se discute o programa Mais Médicos. Mas, por outro lado, quem pode ser favorável à contratação de profissionais por meio de contratos com ditaduras, que não respeitam os direitos humanos?

O programa Mais Médicos foi lançado em 2013, pela então presidente Dilma Rousseff (PT), por meio da Medida Provisória (MP) 621, de 8 de julho de 2013, que depois se tornou a Lei 12.871, de 22 de outubro de 2013. Supostamente, a finalidade era formar recursos humanos na área médica para o Sistema Único de Saúde (SUS). Segundo o Ministério da Saúde, os objetivos do programa Mais Médicos eram: “diminuir a carência de médicos nas regiões prioritárias para o SUS, a fim de reduzir as desigualdades regionais na área da saúde; fortalecer a prestação de serviços de atenção básica em saúde no país; aprimorar a formação médica no país e proporcionar maior experiência no campo de prática médica durante o processo de formação; ampliar a inserção do médico em formação nas unidades de atendimento do SUS, desenvolvendo seu conhecimento sobre a realidade da saúde da população brasileira.

Se o Brasil quer ser um país democrático decente, não pode fazer acepção de abusos, isto é, ter dois pesos e duas medidas.

A realidade, porém, foi bem diferente. “Como nomear um sistema que combina opressão e espionagem? No vocabulário da ditadura cubana, isso significa ajuda humanitária. Os indivíduos que participaram do experimento, no entanto, preferem chamar de escravidão”, cravou o jornalista Edilson Salgueiro na revista Oeste. Essa prática é totalmente contrária aos princípios constitucionais do Brasil, que preza pela supremacia dos direitos humanos, pela observância dos princípios da moralidade, da razoabilidade e da publicidade.

O programa Mais Médicos pode ser elogiado por atender a 63 milhões de pessoas que antes não tinham tratamento básico de saúde. Mas a expansão da cobertura de saúde foi apenas uma desculpa para financiar ainda mais a ditadura cubana. Ainda mais porque, como se sabe, o Brasil enviou muito dinheiro para Cuba por meio do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), algo já explorado em outros textos desta coluna. O envio de recursos públicos para países que não são democráticos, que não possuem Poder Judiciário independente, não possuem imprensa livre e não possuem Ministério Público para fiscalizar o uso desses recursos deveria ser proibido, na linha das cláusulas democráticas e de ESG que existem em muitos países desenvolvidos.

A esquerda brasileira diz querer combater trabalhos análogos à escravidão mas foi autora do principal programa público que fomentou esse tipo de trabalho.

No caso do Mais Médicos, o salário do profissional era estimado em R$ 12 mil. Você pode pensar que foi uma remuneração fantástica para atrair médicos para as áreas remotas e periferias do país, mas não era: 70% do salário do profissional ficava com a ditadura de Cuba. Outros 5% ficava com a Organização Pan-Americana de Saúde (Opas), que intermediava o acordo. O médico cubano ficava com meros 25%. É verdade que isso é muito superior ao salário mínimo cubano, que deve estar em cerca de R$ 100 (e tem sindicalista e parlamentares brasileiros que defendem esse modelo!).

O abuso não estava presente apenas na usurpação de 75% da remuneração dos médicos. Os médicos cubanos também não eram livres para trazerem suas famílias para o Brasil, pois a ditadura de Cuba usava o bem-estar dos parentes para chantagear os médicos, de modo que eles se curvassem sempre às condições do acordo, sem reclamação. Prática claramente desumana e que deve ser classificada como análoga à escravidão. Não pagar aos médicos o que lhes é devido e alienar esses trabalhadores do convívio com suas respectivas famílias foram artimanhas malignas usadas por ideólogos radicais.

A idolatria à ditadura socialista não pode se sobrepor à valorização dos direitos humanos.

É praticamente inacreditável que os apoiadores do PT não tenham reconhecido isso, ou que eles simplesmente tenham ignorado. Escolher onde morar? Isso também era vetado aos profissionais. “Não nos permitiam alugar uma casa por contra própria. Éramos obrigados a permanecer no lugar que havia sido determinado pela ditadura.”, contou a médica cubana Maireilys Álvarez Rodríguez ao repórter Salgueiro.

Se Lula quiser voltar com o Mais Médicos, que volte, mas que os salários sejam pagos integralmente aos profissionais

Por esses e outros absurdos que em 2019 o governo de Jair Bolsonaro anunciou o programa Médicos pelo Brasil, para substituir o Mais Médicos, sem a parceria com Cuba. Enquanto o Mais Médicos recebia profissionais por chamamento público, o Médicos pelo Brasil estruturou um processo seletivo. Um dos pontos mais importantes do Médicos pelo Brasil era que os estrangeiros (ou brasileiros que estudaram no exterior) tinham de fazer o exame Exame Nacional de Revalidação de Diplomas Médicos (Revalida) para que, caso aprovados, tirassem o registro no Conselho Federal de Medicina de modo a poderem exercer a profissão em todo o Brasil: desta vez com a qualificação correta. No Mais Médicos, não havia a exigência de CRM. Na prática, Cuba poderia mandar falsos médicos para o Brasil com objetivos escusos como doutrinar ou mesmo espionar o governo brasileiro. Tratando-se de uma ditadura, não dá para confiar.

Além disso, no Médicos pelo Brasil, o profissional também poderia ter um plano de carreira, com liberdade para seguir sua própria vida profissional, sem os tentáculos da ditadura cubana — e recebia o salário integral. “Os aprovados no programa serão alocados em unidades de saúde predefinidas pelo ministério e terão dois anos para realizar curso de especialização em medicina de família e comunidade. O valor da bolsa formação será de R$ 12 mil mensais e gratificação de R$ 3 mil adicionais para áreas rurais e remotas ou R$ 6 mil adicionais para distritos indígenas. O curso será etapa eliminatória e classificatória preliminar ao ingresso do candidato ao cargo de médico de família e comunidade da Adaps, a ser contratado pelo regime da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT)”, divulgou o governo Bolsonaro em 2021.

Agora, Lula volta com o Mais Médicos oferecendo benefícios como a continuidade do pagamento da bolsa à profissional que estiver de licença-maternidade. Mas as questões mais importantes são sobre quanto do valor da bolsa ficará com o médico e se será exigido o CRM, assim como se haverá liberdade para a pessoa que participa do programa viver junto de sua família. O investimento no programa, rebatizado de Mais Médicos para o Brasil, será de R$ 712 milhões em 2023. Porém, não haverá exigência de Revalida ou CRM, ou, pelo menos, o governo Lula ainda não declarou nada confirmando isso.

Assim, profissionais sem inscrição nos Conselhos Regionais de Medicina (CRM) poderão atuar no país na nova fase do Mais Médicos, a exemplo do que ocorria no “antigo” programa: a medida é contestada por entidades médicas. No anúncio desta segunda-feira, foi apenas informado que brasileiros e estrangeiros terão desconto de 50% na prova de revalidação. Ou seja: há o incentivo para revalidar o diploma, não a obrigatoriedade”, publicou o jornalista Vinícius Coimbra na Gaúcha ZH. Ora, se os médicos viessem de países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), com instituições fortes, independentes e democráticas, certamente, poderia ser avaliada a dispensa do Revalida. Mas, como vêm de uma ditadura que possui várias ações duvidosas, fica impossível concordar com a atuação sem uma avaliação prévia.

Quanto ao envio de dinheiro para Cuba no novo Mais Médicos, o atual governo argumenta que a intenção não é repetir a mesma forma de cooperação com Cuba, mas não há transparência sobre isso. Em resposta, a deputada federal Adriana Ventura, eleita pelo partido Novo em São Paulo, apresentou uma emenda para vedar o envio de dinheiro para Cuba pelo novo Mais Médicos. “Não podemos ser coniventes com apropriação indevida de pagamentos. Muito menos ver nosso dinheiro bancando ditaduras como Cuba, como aconteceu no passado”, disse a deputada. A emenda de Adriana Ventura define que as bolsas sejam pagas diretamente aos médicos, sem desvio de recursos para intermediários ou organismos internacionais. Iniciativa louvável e importante para evitar práticas análogas à escravidão.

Se o Brasil quer ser um país democrático decente, não pode fazer acepção de abusos, isto é, ter dois pesos e duas medidas. A esquerda brasileira diz querer combater trabalhos análogos à escravidão, entretanto, foi autora do principal programa público que fomentou esse tipo de trabalho. Ora, por coerência, jamais poderia aceitar, muito menos incentivar, o trabalho análogo à escravidão de médicos cubanos. A idolatria à ditadura socialista não pode se sobrepor à valorização dos direitos humanos. A própria Constituição brasileira prega a supremacia dos direitos humanos. Se Lula quiser voltar com o Mais Médicos, que volte, mas que os salários sejam pagos integralmente aos profissionais e que eles possam ser de qualquer lugar do Brasil ou do mundo.

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