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Elon Musk e Twitter
Elon Musk, bilionário sul-africano radicado nos Estados Unidos, pagou 44 bilhões de dólares pelo Twitter.| Foto: Bigstock / sergei_elagin

Após Elon Musk, CEO da Tesla e um dos homens mais ricos do mundo, comprar o Twitter, as suspeitas de que a rede social favorecia a esquerda se confirmaram. Havia, inclusive, uma lista ultrassecreta de usuários e tópicos conservadores a serem restritos; como revelou a jornalista americana Bari Weiss, ex-editora do The New York Times e fundadora do The Free Press, uma empresa de mídia que propõe “uma imprensa livre para pessoas livres.

Dentro do Twitter, a restrição era chamada de “filtrar a visibilidade”: um eufemismo para esconder uma prática obscura de remover ou restringir o que as pessoas veem em diferentes níveis, sem o consentimento delas. Conforme apurou Weiss, o Twitter teria bloqueado pesquisas de usuários individuais, dificultado o acesso a tweets específicos, removido pesquisas por hashtags e bloqueado postagens dos trending topics. Tudo isso sem qualquer transparência e mantendo o discurso de plataforma neutra, democrática e de livre acesso.

Um dos alvos da repressão orquestrada pelo Twitter sequer era militante, e teve o objetivo de favorecer o atual presidente democrata americano, Joe Biden.

E se engana quem pensa que foi uma ação contra conteúdos de teor falso fabricados por militantes lunáticos. Um dos alvos da repressão orquestrada pelo Twitter sequer era militante, e teve o objetivo de favorecer o atual presidente democrata americano, Joe Biden. Em outubro de 2020, a rede social censurou reportagens do jornal bicentenário New York Post sobre o que havia num laptop que seria de Hunter Biden, filho primogênito do então candidato Joe Biden.

O New York Post acusou Hunter Biden de corrupção em negócios do exterior, com base em uma série de e-mails do laptop. “À época, o jornal foi censurado pelo Twitter, por ‘propagação de fake news’, e teve suas páginas derrubadas. Usuários que tentassem comentar o assunto também tinham suas contas censuradas. Além disso, os democratas e a grande mídia classificaram a notícia como ‘desinformação russa’ promovida por Donald Trump”, explica a Revista Oeste. Facebook e Instagram seguiram o Twitter e também censuraram os perfis do New York Post, um dos veículos mais tradicionais dos Estados Unidos, sendo o 13º mais antigo e o 7º maior daquele país em termos de circulação.

Ainda em outubro de 2020, o comentarista político conservador Dave Rubin perguntou ao então CEO do Twitter, Jack Dorsey, sobre medidas tendenciosas da rede social que pudessem manipular a opinião pública, mas Dorsey negou. No mês seguinte, Joe Biden foi eleito presidente dos Estados Unidos (EUA). Em março deste ano, mais de um ano e meio após as censuras, o jornal New York Times reconheceu que os e-mails encontrados no laptop eram, de fato, de Hunter Biden. Depois, outros grandes jornais e redes de televisão também confirmaram a autoria dos e-mails, mas o estrago já estava feito. Felizmente, para as pessoas envolvidas nas manipulações do Twitter, as eleições já haviam terminado, o candidato ajudado pela manipulação das visualizações havia vencido as eleições e ninguém acabou sendo punido. A manipulação das informações cumpriu seu lamentável objetivo.

Algumas plataformas que se dizem neutras e que não realizam curadoria de conteúdo, na verdade, usam seu domínio de mercado para impor uma ideologia.

O pior, as interferências não teriam se limitado às eleições americanas. Elon Musk afirmou este mês que há a possibilidade da antiga equipe da rede social ter privilegiado candidatos nas eleições do Brasil. “Tenho visto muitos tweets preocupantes sobre as recentes eleições no Brasil. Se esses tweets forem precisos, é possível que o pessoal do Twitter tenha dado preferência a candidatos de esquerda”, disse ele. Mais detalhes sobre o cenário brasileiro ainda não foram divulgados, mas, certamente, mostram que algumas plataformas que se dizem neutras e que não realizam curadoria de conteúdo, na verdade, usam seu domínio de mercado para impor uma ideologia, sem qualquer transparência e compromisso com as políticas de uso que pregam.

E diante das repressões no Twitter, como fica a liberdade de expressão na internet? “Em suma, ou a liberdade de expressão é absoluta, ou ela não existe”, disse o economista liberal, comentarista e acadêmico americano Walter Williams, um dos intelectuais mais relevantes do nosso tempo. Porém, há condições. Isso não significa que você possa dizer o que quiser em qualquer lugar. Todos devem ser responsabilizados por declarações falsas e por eventuais apologias ao crime, desde que o devido processo legal, a ampla defesa e os demais direitos fundamentais sejam observados.

Para Williams, um sujeito “tem o direito de falar o que quiser apenas em sua própria propriedade (ou na propriedade de alguém que concordou em dar espaço a ele). Logo, não sendo sua propriedade privada, sua ‘liberdade de expressão’ dentro daquele estabelecimento não é absoluta.”  Por ser uma plataforma privada, o Twitter, teoricamente, pode definir previamente conteúdos que são e não são permitidos. O que não pode, e inclusive pode constituir crime, é impedir que algumas pessoas sejam visualizadas apenas por discordar da sua ideologia ou da sua preferência política, em confronto com as próprias políticas que a plataforma define.

O uso de algoritmos secretos para fazer curadoria e privilegiar indevidamente candidatos e partidos, sem informar os usuários e sem permitir qualquer controle social ou das instituições eleitorais pode violar a livre circulação de ideias, de informações e mesmo a isonomia dos candidatos. Além disso, esse favorecimento escondido pode, inclusive, ser equiparado com doações de campanhas não declaradas, o que poderia configurar, em última análise, que os administradores dessas plataformas tenham cometido eventual crime eleitoral. O assunto é sério e qualquer pessoa direta ou indiretamente envolvida no assunto deveria procurar as autoridades responsáveis para fazer uma denúncia espontânea, sob pena de configurar cumplicidade com eventual crime ou abuso cometido.

Antes da gestão de Elon Musk, quando os usuários clicaram em “confirmar” nos termos de uso do Twitter, não havia nenhum aviso de que a plataforma poderia, deliberadamente e sem qualquer informação, censurar determinados conteúdos de teor político que desagradassem sua equipe. Alguém poderia argumentar que há um contrato implícito de não perturbar outros usuários com determinadas posições, mas as redes sociais já costumam classificar previamente (e com transparência) o tipo de conteúdos "perturbadores" que devem ser derrubados.

Ao tentar denunciar um tweet, por exemplo, aparecem opções como: “Alvo por causa da minha identidade”; “xingamentos, misgendering, estereótipos raciais ou sexistas, incentivos a outras pessoas ao assédio, envio de imagens visando à propagação de ódio”; “alvo de assédios ou intimidado com violência”; “assédio sexual, assédio de grupos, insultos ou xingamentos, publicação de informações privadas, ameaça de exposição a informações privadas, negação de eventos violentos, ameaças violentas, celebração de atos violentos”;  “alvo de spam”; “a pessoa está se passando por mim ou usando falsa identidade”; “exposto a conteúdo relacionado ou incentivando a automutilação”; e, como não poderia faltar, “expostas a informações enganosas”.

Fazer uma lista secreta de personas non gratas e deliberadamente aplicar censura contra elas não parece ser uma medida de boa-fé e alinhada com as melhores práticas democráticas.

O que ocorreu no Twitter, porém, foi bem diferente. Em primeiro lugar, em vez de conteúdos que seriam denunciados por outros usuários, excluídos pela rede com o devido aviso ao autor do conteúdo e com o claro motivo da exclusão, a plataforma tinha uma lista ultrassecreta, classificada por um eufemismo, previamente montada por uma equipe restrita, sem qualquer transparência ou respeito com os usuários que nela se encontravam. Em suma, embora o Twitter seja privado, e, a priori, pudesse selecionar o que mantinha no ar, ele, aparentemente, quebrou o contrato com seus usuários e, principalmente, com o público em geral, que em muitos casos sequer sabiam que estavam sendo restritos ou censurados.

Além disso, as ações da antiga gestão do Twitter também podem ficar comprometidas diante da legislação americana. A Seção 230 da Lei de Decência nas Comunicações de 1996 garante que as plataformas não devem ser responsabilizadas por publicações de terceiros, já que são consideradas apenas distribuidoras e não publicadoras, como é o caso de jornais e TVs. Ademais, a cláusula do bom samaritano (§230, c, 2) protege as plataformas de responsabilização por ações voluntárias de moderação de conteúdo, desde que as medidas sejam tomadas de boa-fé. Ora, no momento em que a plataforma, deliberadamente e sem qualquer transparência, elabora uma lista secreta de nomes e conteúdos a serem boicotados, apenas por uma questão ideológica e para favorecer determinado candidato, acabou a boa fé. Dessa forma, por consequência, pode configurar a responsabilidade pela reparação, nos termos da própria legislação americana.

No Brasil, a situação não é diferente. Além de eventuais crimes eleitorais e mesmo de discriminação, a prática de influenciar, indevidamente e sem qualquer transparência ou controle social, a distribuição de conteúdo ideológico ou que favorece determinado candidato, partido ou grupo, pode gerar eventual responsabilização civil, administrativa e penal. Esse assunto é muito sério e pode significar um risco importante para as democracias livres. Afinal, as plataformas são neutras ou não? Elas usam seu domínio de mercado para impor uma agenda ideológica oculta, sem qualquer transparência ou escrutínio público? Se as plataformas, ao contrário do que afirmam suas próprias políticas de uso, não são neutras, elas podem ser responsabilizadas pelos conteúdos que mostram e, inclusive, por aqueles que, de má fé, não permitem que sejam compartilhados?

Fazer uma lista secreta de personas non gratas e deliberadamente aplicar censura contra elas não parece ser uma medida de boa-fé e alinhada com as melhores práticas democráticas. A liberdade de expressão é um pilar fundamental das democracias plenas. Ao tentar manipular a livre circulação de ideias, informações e o amplo debate, as plataformas podem incorrer em crimes e violações aos direitos fundamentais. Vale aprofundar o debate sobre isso. O poder das plataformas não pode ser usado para distorcer a democracia e seus pilares de sustentação.

Como vimos, é uma discussão que vai além da liberdade de expressão, e passa pela lei, pelos contratos, pelos direitos de propriedade e pela democracia, ainda que no mundo virtual. O Twitter, segundo Elon Musk, pode ter violado o próprio contrato com os seus usuários e também a legislação americana e as normas brasileiras. As plataformas deveriam, sim, ter o poder de decidir o que pode ser dito dentro delas, desde que avisem aos usuários de forma clara, antes deles aceitarem os termos de uso. Se estão à serviço de determinada ideologia, candidato ou partido, isso deve ser dito de forma totalmente transparente, sem eufemismos. O modo pelo qual o Twitter agiu, entretanto, não parece ser adequado e, se confirmado, poderá gerar a eventual responsabilização de seus administradores. Caso Elon Musk não tivesse comprado a rede social, o boicote a esse importante debate seria a resposta perfeita para o problema. Felizmente, as coisas mudaram.

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