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Henry Milleo/Gazeta do Povo
Henry Milleo/Gazeta do Povo| Foto:

A afirmação do título dessa coluna repercutiu nas últimas semanas, mas sem o detalhe do “não”. Isto é, ficou estabelecido que a reforma da Previdência prejudica mais os mais pobres. Essa análise é equivocada principalmente por não contemplar o que na academia se chama de contrafactual. Neste caso, o cenário da “não reforma”. É isso que fazemos nesse texto.

Preliminarmente é preciso ressaltar que a proposta de Bolsonaro tem sim pontos sensíveis – já destacados nessa coluna. É o caso da mudança no BPC, no rural, no tempo mínimo de contribuição. Mas mesmo nessa análise unidimensional é preciso ficar claro que o esforço dos mais ricos da Previdência é maior.

Como Alex Schwartsman mostrou, a parcela da economia com a reforma sobre os mais ricos é maior do que a parcela atual do gasto com eles. Isto é, o sacrifício deles é proporcionalmente maior.

Feita esta introdução, passemos a analisar o contrafactual. O que aconteceria no cenário sem reforma? Quem é pobre no Brasil e como são afetados pela não reforma?

Os pobres

A pobreza tem avançado no Brasil. Mas nossos pobres não são os aposentados. Como já tivemos oportunidade de tratar aqui na coluna, a Previdência não é efetiva em chegar aos mais pobres por dois motivos principais.

O primeiro é que é direcionada a repor renda do mercado de trabalho formal, enquanto os mais pobres são desempregados e informais. O segundo é que se concentra em pessoas mais velhas, enquanto as famílias mais pobres são famílias jovens.

O combate à pobreza, portanto, exige políticas públicas para famílias com crianças. Os pobres precisam de transferências como o Bolsa Família – parte residual do gasto da Seguridade – e inclusão de jovens no mercado de trabalho (principalmente mulheres).

A reforma da Previdência age nesses dois aspectos. Ela protege o orçamento da canibalização causada pela aceleração da despesa previdenciária, e permite a recuperação do crescimento econômico – que gera empregos.

Não reforma e canibalização do gasto social

Pego emprestado de Fabio Giambiagi a expressão canibalização do gasto social. Ela pode ser visualizada no gráfico abaixo. A proporção da Previdência no total do gasto primário federal, hoje de cerca de 60%, chegaria em poucos anos a 80%.

Despesas primárias da União – 2019 a 2026

Fonte: Ministério da Fazenda (2017)

 

Ou seja, as demais despesas, que hoje cabem em 40% do orçamento, deverão caber em 20% no cenário de não reforma. Isso porque a despesa previdenciária cresce velozmente e tem caráter obrigatório. Isso é a canibalização do gasto social.

O cenário é extremo e improvável (veremos que o Teto de Gastos tenderia a ser parcialmente abandonado), mas evidencia como a Previdência engolirá outras áreas.

O que vai acontecer com o Bolsa Família – uma despesa que já sofreu cortes no governo Temer e não é protegida pela Constituição?

O aprofundamento de políticas voltadas à infância (onde predomina a pobreza e onde o retorno do gasto é maior) também não terá recursos. Não será possível aplicar em larga escala políticas como o sensacional Padin, do estado do Ceará.

Haverá menos recursos também para saúde e educação. Nada parecido com um amplo programa de infraestrutura de saneamento básico ou de acesso a creches – como proposta por Henrique Meirelles na campanha – vai acontecer. Ambos são essenciais para os mais pobres.

Em nível estadual e municipal, a lógica da não reforma é a mesma. Esta canibalização, ou para usar um termo caro à esquerda, desmonte do Estado, não irá prejudicar mais os mais ricos.

Não reforma e macroeconomia

A reforma também é uma condição necessária para uma recuperação mais vigorosa da economia. O investimento privado – um tipo de gasto de grande vulto e maior risco – precisa de segurança para ser feito.

Sem a reforma, o Teto de Gastos não se sustentará. Uma compressão dos gastos na magnitude que vimos no gráfico não é possível, seja por razões políticas seja porque outros gastos também são obrigatórios.

Isso quer dizer que este gigantesco crescimento da despesa precisará ser absorvido também por mais carga tributária ou mais dívida. Ambos afetam o planejamento do setor privado.

O aumento necessário da carga tributária – da ordem de uma CPMF por ano – e o aumento dos juros (decorrente do aumento da dívida pública) afetam o investimento privado. Diante da insegurança quanto à trajetória do gasto previdenciário, que domina o gasto público, o investimento privado não se elevará.

Sem investimento, é menos PIB e menos emprego (do lado do setor público, o investimento público – como vimos – é comprimido pelo crescimento do próprio gasto previdenciário, já que é uma despesa facultativa).

Nos termos do economista Fernando Honorato, são dois os canais por quais a reforma permite o crescimento da economia:  “De um lado, confiança – empresas, famílias, investidores externos mais confiantes ajudam a aumentar o investimento. De outro, a queda de risco-país e do juro longo.”

Este último ponto pode ser visualizado no fim da semana passada, quando a expectativa de uma aprovação rápida de uma ampla reforma se deteriorou, por conta da celeuma entre o presidente Jair Bolsonaro e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia. A curva de juros  subiu.

O montante de investimentos privados a serem destravados com a reforma chega a ser especulado em 100 bilhões de dólares.

Quem acha que é balela e que a reforma só interessa o capital financeiro deve se perguntar porque entidades da construção civil, do comércio e da indústria fazem campanha pela reforma.

Mas o cenário da não reforma não é a estagnação. Estamos falando de uma situação de encruzilhada: a reforma permite a recuperação da economia, mas a não reforma traz sua deterioração.

Nos cenários traçados pela Secretaria de Política Econômica (SPE), a dívida pública, hoje ao redor de 80% do PIB, subiria para 100% em 2023 na não reforma (com reforma, leve queda para 76%). A Selic subiria de 6,5% para 18,5% em 2023 na não reforma (com reforma, queda a 5,6%).

O crescimento do PIB sairia do atual patamar de 1% para uma queda de 1,8% em 2023 com a não reforma. Com a reforma, o crescimento ficaria ao redor de 3%. Na não reforma, o desemprego sairia de 12% para 15% em 2023, enquanto com a reforma cairia para 8%.

Embora as premissas de qualquer cenário possam ser questionadas, os números não são absurdos (o crescimento do PIB com reforma ficaria abaixo da média do governo Lula, enquanto a queda da não reforma representaria uma recessão mais suave que a de Dilma).

Além desta queda de renda e do aumento do desemprego – que penaliza mais os mais pobres – a não reforma também provoca empobrecimento por via de inflação. A rápida alta da dívida pública, que em proporção ao PIB chegaria ao fim do mandato de Bolsonaro sendo o dobro da deixada por Lula, provocaria uma espiral que tenderia ao calote ou uma inflação altíssima.

Na visão de Samuel Pessoa: “Sem ajuste, teremos inflação, que é jogar o não ajuste sobre os mais pobres. Quem se lembra da hiperinflação da virada dos anos 1980 para os 1990 e de seus impactos sobre os mais pobres sabe do que estou falando.”

Ao contrário dos mais ricos, os mais pobres não possuem aplicações financeiras para se proteger da inflação alta.

O cenário pode soar catastrofista, mas pense no que a não reforma significaria. Estamos no terceiro presidente seguido que coloca a reforma como sua prioridade (Dilma já fazia isso na virada de 2015 para 2016, e foi seguida por Temer). Se uma liderança como Bolsonaro em seu início de governo – quando presidentes são mais populares – não consegue aprová-la, há luz no fim do túnel?

A derrota da Previdência também significa que toda uma agenda de reformas não decolaria, já que a Previdência tem precedência por sua urgência. Entre elas, a tributária e a abertura comercial.

A ampliação do desemprego e o aumento rápido da inflação também não irão prejudicar mais os mais ricos.

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