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Alexandre Mazzo/Gazeta do Povo| Foto:

Médici era elogiado por Nelson Rodrigues, o principal eleitor de Bolsonaro no mundo das artes deve ser Alexandre Frota. Médici nunca foi outsider em eleição direta, ele era o centro da política – seus antecessores colocaram uma arma na cabeça das instituições até que o centro ficasse onde queriam. Já Bolsonaro saiu de rabo entre as pernas após uma negociação com o glorioso PR. O capitão não vai meter arma na cabeça de coisa nenhuma em 2019.

Ninguém acredita a sério que eleger Bolsonaro é voltar imediatamente à ditadura militar. Faltará a ele Supremo, Congresso, parte expressiva da opinião pública e publicada. A associação com a ditadura não cola em quem não terá o poder de censurar a imprensa, torturar comunistas ou exilar Caetano Veloso, por mais que Bolsonaro pareça gostar das três ideias. A hipótese de fuzilamento da Rocinha seria tosca até se ele tivesse dito isso, dada a independência do Judiciário e Ministério Público.

Isso significa que Bolsonaro não representa um risco às liberdades políticas? Longe disso. O atraso autoritário não chega sempre do dia para a noite. Parte importante de suas promessas segue a mais bem sucedida receita de destruição gradual da democracia na história recente: o chavismo.

Chávez impôs seu autoritarismo jogando xadrez, lentamente dominando instituições de controle, freios e contrapesos, até Nicolas Maduro eliminar a possibilidade de oposição e alternância de poder. Bolsonaro já mostrou simpatia por essas jogadas em vários fronts – STF, imprensa e Forças Armadas, por exemplo – e não parece ter Montesquieu entre suas maiores preocupações.

Os Estados Unidos tem 9 juízes na Suprema Corte, o Reino Unido tem 12 e na Alemanha são 16. Bolsonaro até dois dias atrás defendia o plano de expandir o STF de 11 para 21 ministros. Na Venezuela são 32, e esta foi uma das manobras chavistas para concentrar o poder sem fuzilar muita gente. Com mais juízes, aumenta-se o número de indicações disponíveis no curto prazo. Mesmo depois de recuar da ideia – representativa do que o dono do bordão “minoria tem que se curvar a maioria” pensa sobre democracia -, permanece em Bolsonaro a noção de que o comandante do Poder Executivo deve intervir no STF, como fez Chávez.

O que dizer das ameaças de reduzir verbas publicitárias para veículos de imprensa que desagradam o capitão? Cortar o dinheiro que vai para Globo ou Folha por questões editoriais mostra a disposição de usar o peso do Estado para intervir no conteúdo publicado pela imprensa. É melhor “Jair se acostumando” com uma relação governo-imprensa mais parecida com a da Venezuela. Pra lá de Roraima, os bolivarianos chegaram a não renovar a concessão do maior canal de TV do país por conta do apoio à oposição.

Nada disso se compara em importância com a prometida aproximação entre Poder Executivo e Forças Armadas. Bolsonaro terá um general como vice e promete outros militares em ministérios importantes, começando pela educação.

A nomeação de militares para o governo foi também uma das armas de Chávez para monopolizar o poder na Venezuela. Alberto Pfeiffer, professor da USP, chega a dizer que “toda a gestão governamental do país foi entregue aos militares”. Segundo ele, “isso mantém a lealdade ao presidente e sustenta seu governo com o uso da força e dos armamentos das Forças Armadas”.

O alinhamento entre os interesses políticos do presidente e dos comandantes das armas pode não parecer preocupante enquanto assistimos o Exército gastar mais com pensões do que com munição, mas as jogadas certas podem levar ao xeque-mate no longo prazo. Fiéis do capitão sabem quanto as Forças Armadas podem pesar numa negociação política – e gostam disso. Flávio Morgenstern, por exemplo, destacou no twitter que a presença de Mourão na chapa pode “impedir um impeachment”.

Até na superfície dos personagens fica claro quem realmente se parece. Os ditadores brasileiros eram todos generais. Castelo Branco liderou as cobras fumantes na Segunda Guerra Mundial. Chávez era um tenente-coronel cujo maior feito antes de se eleger foi fracassar num golpe de Estado, enquanto Bolsonaro ficou marcado por atos de indisciplina no Exército e quebras de decoro na Câmara. Os ditadores de outrora tinham o estilo político de quem alcança a mais alta das patentes, enquanto Bolsonaro e Chávez ganharam relevância por babarem raiva durante uma crise de representação política. Nem o próprio Jair seria capaz de algo tão bolsonaresco quanto combater um projeto chamado ALCA gritando “Alca – al carajo!”.

Se a democracia brasileira há pouco esteve ameaçada por arroubos bolivarianos do PT, agora o risco é apoiado por quem denunciava histericamente os planos do Foro de São Paulo. Estes parecem acreditar que o problema do Foro não estava nos atentados à liberdade, mas na falta de direitismo.

Liberais? Nunca serão, capitão. Jamais serão.

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