O Doing Business, importante relatório do Banco Mundial, ranqueia os países conforme a facilidade para fazer negócios em cada lugar. É, em grande medida, um ranking de adesão à economia de mercado: quanto maior a proteção à propriedade privada e a previsibilidade institucional, quanto menores forem os custos de transação enfrentados pelo empreendedor, melhor é a posição do país.
Quando olhamos as primeiras colocações, um fato costuma saltar aos olhos: 3 dos 10 primeiros colocados são países nórdicos: Dinamarca (4º), Noruega (9º) e Suécia (10º). Em 9 dos 10 critérios analisados, as instituições da social democracia dinamarquesa aparecem como mais pró-mercado que as estadunidenses. A Dinamarca lidera, por exemplo, o indicador relativo à facilidade para comercializar com o exterior.
Apesar de possuírem Estados grandes, com carga tributária entre as mais altas do mundo, os países nórdicos vão bem em diversos indicadores que medem o bom funcionamento de uma economia de mercado.
Quando olhamos o Índice de Liberdade Econômica surge outro fato curioso. Quase todos os sub-indicadores – como a liberdade regulatória dos negócios, ou a flexibilidade das leis trabalhistas – apresentam correlação positiva com o PIB per capita dos países. Mais ou menos como no gráfico abaixo.
Só um dos sub-indicadores, que mede a carga tributária e o tamanho do Estado, apresenta um comportamento inverso. No caso, a correlação é fraca, mas negativa: quanto menor a nota do país, maior o PIB per capita.
É claro que correlação não implica em causalidade. Repare, leitor: não estou escrevendo que inchar o Estado gera desenvolvimento econômico. Apenas observo que o comportamento desse sub-indicador é claramente diferente dos outros – e essa diferença merece ser discutida. Alguns dos países com mercados mais vibrantes e inovadores do planeta possuem Estados grandes com altos impostos.
Na Dinamarca, essa dualidade tem seu exemplo mais famoso nas políticas do país para o mercado de trabalho, conhecidas como "flexigurança" – livre tradução de flexicurity.
Poucos países possuem um mercado de trabalho tão liberal quanto o dos nórdicos. Por lá, há grande liberdade para contratar e demitir. Nem sequer existe um salário mínimo nacional, pois as regras de cada vínculo empregatício são determinadas pela livre negociação entre sindicatos e empresas.
Esse componente flex do modelo dinamarquês convive com generosas políticas de apoio aos desempregados. O processo de mercado é livre para promover a destruição criativa, mas políticas sociais funcionam como um seguro para o trabalhador que pode acabar destruído pelo caminho.
Frente a exemplos do tipo, os discursos precisam mudar. O liberalismo econômico não é uma coisa só, não é material homogêneo. A agenda liberal é diversa. Uma pessoa pode concordar com os princípios da economia de mercado e, mesmo assim, defender uma generosa política social para beneficiar os mais pobres. Não há oposição entre livre iniciativa e redistribuição de renda.
Em polêmicas como os recentes protestos no Chile, não faltam discussões inúteis sobre o neoliberalismo. Uma palavra com significado carregado e confuso toma o espaço de discussão que deveria ser das ferramentas concretas para combater pobreza e desigualdade. Seria melhor dividir o assunto em blocos e ir discutindo pouco a pouco.
Vale a pena sustentar, na América Latina, um Estado que pouco redistribui renda, como o chileno? Para redistribuir renda, o Chile precisa romper com os princípios que permitiram um extraordinário sucesso econômico nas últimas décadas? Isto é o que importa.
No caso brasileiro, a questão ganha relevância ainda maior. Todos concordamos que é preciso reformar o Estado, mas ninguém concorda sobre o que deve ser feito. Ao invés disso, perdemos tempo em infrutíferos embates tribais e trocas de acusações.
É o que ocorre quando Paulo Guedes propõe mudanças no BPC e nos pisos orçamentários destinados a saúde e educação. Um chama o outro de fascista, o outro chama um de populista e, nesse clima, nenhuma boa ideia vai adiante.
Debates sobre o tamanho do Estado e o escopo dos serviços públicos são extremamente relevantes, mas ocupam um espaço desproporcional na imprensa e na política pública. Enquanto perdemos tempo, há uma porção de debates com maior probabilidade de consenso. Pouca gente discorda sobre a necessidade de diminuir radicalmente a burocracia e eliminar regulações antiquadas. Todos nós concordamos que a Justiça deve garantir o cumprimento dos contratos e a proteção da propriedade privada.
Toda transação econômica deve ser tão previsível quanto possível. O empreendedor, que já enfrenta riscos pela própria natureza da sua atividade, não precisa de incertezas adicionais. Da mesma forma, os custos de transação devem ser baixos.
Se um empresário decide montar um novo modelo de bicicleta elétrica no Brasil, não faz sentido exigir que ele perca tempo pensando na Receita Federal, em cartórios e juntas comerciais. Para a sociedade como um todo, faz sentido que o empresário foque suas energias na produção da melhor bicicleta possível para atender às necessidades dos consumidores.
Boa parte das pautas mais importantes para a volta do crescimento, como a simplificação tributária, podem ser discutidas sem embates partidarizados. No Brasil, ninguém no espectro político tem coragem de defender, em voz alta, uma maior burocracia e incerteza jurídica. Passada a reforma da Previdência e seus conflitos inevitáveis, é importante olhar para o que pode nos unir. Isto só será possível se ressaltarmos que discordâncias sobre redistribuição de renda e tamanho do Estado não nos obrigam a discordar sobre a importância de facilitar a vida de quem quer fazer negócios.
Espero que a lição dinamarquesa seja rapidamente apreendida pelo debate público brasileiro. Afinal, por baixo de toda essa gritaria, há um país desesperado por mudanças.
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