É importante refletir sobre o que queremos comemorar daqui a um ano, no bicentenário da Independência do Brasil. Nos primeiros 167 anos a partir de 1822, nenhum chefe de Estado brasileiro chegou ao cargo porque venceu eleições com participação da maioria da população. O primeiro foi Collor, eleito em 1989 e empossado em 1990. Ao discursar no aniversário de 199 anos do Grito do Ipiranga (“Independência ou Morte!”), o presidente Jair Bolsonaro deixou claro que a jovem democracia brasileira precisa escolher seu caminho: impeachment ou morte.
Ao discursar na Avenida Paulista, Bolsonaro jura respeitar a Constituição numa frase e, na seguinte, promete desrespeitar decisões do STF. O problema vai além da confusão mental daquele que governo o Brasil: não se fazem mais autoritários como antigamente. Hoje, quando ouvimos sobre democracia, é preciso atentar para o significado atribuído à palavra – no dicionário do presidente, “democrata” é quem reconhece a contribuição do Coronel Brilhante Ustra para a causa da liberdade.
Se o presidente estiver falando sério e não sofrer, é porque a democracia brasileira já morreu. Felizmente, o mais provável é que seja um blefe. A cada dia mais impopular, Bolsonaro não tem forças para dar um golpe ou descumprir decisões judiciais. Mesmo sem merecer credibilidade, a ameaça é suficiente para inflar a militância e permite que o presidente volte a Brasília prometendo respeitar as decisões de Alexandre de Moraes, desde que STF e Congresso atendam suas demandas em troca.
Se um presidente cogita rasgar a Constituição sem ter meios para realizar esta ameaça, ele está usando uma arma que deveria ser proibida para todo e qualquer agente político. O economista Filipe Campante vem enfatizando esse aspecto da postura bolsonarista: pouco importa se as ameaças não se concretizam, a mera existência delas já altera a estratégia de todos os agentes do jogo político.
Usar o autoritarismo como blefe é jogo sujo – ou “falta de autocontenção”, como diriam os cientistas políticos Steven Levitsky e Daniel Ziblatt, da Universidade de Harvard, autores de “Como as Democracias Morrem”. Vale a pena rememorar a tese deste livro muito citado e pouco lido, pois Bolsonaro vem confirmando assustadoramente o que os autores escreveram.
Levitsky e Ziblatt observam que golpes clássicos são cada vez menos comuns e até mesmo ditaduras tentam manter a aparência democrática. Por isso, o livro desenvolve uma teoria sobre como as democracias morrem por dentro. Em resumo, a tese enfatiza a importância da autocontenção e da tolerância na atuação de agentes políticos. Quando o grupo A começa a jogar sujo contra o grupo B, os integrantes de B tem incentivos para responder jogando sujo e, por sua vez, a tréplica do grupo A tende a ser ainda mais suja. A democracia é um transeunte no meio desse tiroteio.
Voltemos, por um instante, a Bolsonaro. O discurso do presidente costuma justificar suas ameaças com base nas decisões dos ministros do STF no controverso inquérito das fake news. O pior é que, neste aspecto bastante específico do seu discurso, o presidente Jair Bolsonaro tem razão. Diversas decisões de Alexandre de Moraes podem ser citadas como falta de autocontenção por parte do STF. Bolsonaro, tal como prevê Levitsky e Ziblatt, responde com ainda menos autocontenção.
Numa coluna recente, voltei ao último capítulo de “Como as Democracias Morrem”, cujo título é “Como Salvar uma Democracia”. A ideia dos autores é simples: democratas precisam derrotar autoritários jogando limpo enquanto a democracia ainda está de pé.
Parte da oposição, especialmente alas da esquerda simpáticas a Lula, parecem satisfeitas com o cenário atual: com Bolsonaro cada vez menos popular, o ex-presidente pode concorrer em 2022 sem muita necessidade de controlar os radicais do PT – tudo o que eles querem é voltar ao Poder Executivo após um período de normalização do autoritarismo. Como esse grupo também não é lá muito democrático, o inquérito das fake news pouco lhes incomoda.
A Constituição dá ao Congresso uma ferramenta adequada para lidar com o jogo sujo presidencial: o impeachment. Se for preciso jogar sujo para enfraquecer Bolsonaro lentamente até 2022, então perdemos e a democracia já morreu.
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