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Fracassamos. A cada onda, temos a oportunidade de fazer tudo diferente, mas insistimos em chamar Fulano de genocida ou em tirar o sustento dos outros.
Fracassamos. A cada onda, temos a oportunidade de fazer tudo diferente, mas insistimos em chamar Fulano de genocida ou em tirar o sustento dos outros.| Foto: Pixabay

Em breve chegaremos à triste marca de 500 mil mortos por Covid no Brasil. Meio milhão de pessoas. Ou 0.0005 bilhão, se você quiser brincar com a narrativa. E, no momento em que escrevo este texto, é realizada em Brasília mais uma sessão da CPI da Covid, aquela que diz buscar a verdade, mas que, sabemos, está em busca de um culpado. O que só reforça a tese deste texto: mais de um ano se passou e não aprendemos absolutamente nada com essa pandemia.

Para mim, os maiores culpados por essa situação não são os homens que tomaram decisões, algumas delas aparentemente equivocadas, outras explicitamente equivocadas e, aqui e ali, umas acertadas – mas por puro acaso. Os maiores culpados pela pandemia são, por ordem, o vírus, a China e a OMS. Os homens só reagiram, às vezes atabalhoadamente, com as informações de que dispunham.

Mas não podemos nos excluir dessa equação. Embora a nossa culpa tenha muitos atenuantes, que vão desde a educação deficiente propiciada pelo Estado nas últimas décadas até a polarização das paixões partidárias, passando pela impotência do indivíduo, ela é real e requer um bocado de reflexão para que tragédia igual não se repita nas próximas pandemias.

Se a CPI da Covid serve para outra coisa que não só entreter os viciados em política é para isto: exibir todas as facetas e o gigantismo do nosso fracasso enquanto sociedade. O Estado, as instituições democráticas, a ciência, o capitalismo e até a liberdade de expressão – todos esses conceitos, acostumados a brilhar nos livros de teoria política e econômica, se puseram a lutar contra o mal comum: a pandemia. Mas, indecisos entre o desembarque na Normandia ou em Calais, acabaram derrotados.

Primeira pessoa do plural

Ou melhor, acabamos. Aqui a primeira pessoa do plural é importante. Embora seja natural e, para alguns, até prazeroso jogar a culpa sempre no outro, a verdade, sabemos, é que cada um de nós contribuiu um pouquinho para que a doença ganhasse a proporção de peste. E não estou falando de aglomerações “clandestinas” ou de andar sem máscaras na rua. Estou falando da forma como pensamos a pandemia. O fracasso, portanto, é meu, é seu, é nosso. E a busca tola, perversa, maquiavélica e mesquinha por culpados só ressalta isso.

A ciência, por exemplo, fracassou logo de cara, ao confiar nas informações vindas da ditadura chinesa. Mas não só. Logo ela chamou para si a responsabilidade, matou a bola no peito e, de canela, chutou para bem longe do gol ao aderir ao alarmismo e ao cientificismo, excluindo dessa equação necessária a mais importante das variáveis: o espírito humano. Não contente em ignorar a complexidade dos indivíduos e das sociedades, a ciência ainda fracassou ao tratar todos os que dela desconfiavam como inimigos.

O Estado, esse colecionador de fracassos, novamente se mostrou incapaz de administrar as visões conflitantes de uma ameaça real. Gordo, preguiçoso e aqui e ali flagrantemente mau, em pouco tempo o Estado percebeu na pandemia uma oportunidade de se firmar como a Grande Solução – que evidentemente não é. Divididos como sempre, nossos líderes democraticamente eleitos se lançaram numa disputa eleitoreira que nada tem a ver com a apregoada defesa da vida.

Tampouco a democracia foi o farol capaz de evitar que nos chocássemos contra as pedras. Mancomunada com o cientificismo e entregue ao pânico, ela abriu mão de seus maiores poderes, o diálogo e a parcimônia, e os entregou ao coração totalitário que pulsa no peito de homens supostamente bem-intencionados. Disso nasceu esse desejo irracional de conter o vírus à força, nem que para isso fosse necessário passar por cima das pessoas, tirando-lhes o sustento e o que restava de esperança.

Se eu vivo é porque você morre

Mas, como disse lá em cima, nossa culpa tem atenuantes. Se não conseguimos nos unir em absolutamente nenhum aspecto dessa pandemia, é porque somos frutos de uma educação débil e de um país ideologicamente conflagrado. Se desconfiamos das vacinas, do "tratamento precoce" ou até do número real de mortos, é porque vivemos uma relação de soma-zero com nossos semelhantes. Nessa relação, se eu sou esperto é porque você é otário, se eu ganho é porque você perde, se eu vivo é porque você morre.

Fracassamos e, olhando em retrospecto, era tão fácil. Ah, se era. Imagine se os líderes políticos abdicassem por um tempo de suas ambiçõezinhas eleitorais. Ou se os cientistas confessassem sua ignorância e se pudessem a buscar respostas de verdade para todos os mistérios que ainda envolvem a Covid-19. Se prefeitos, governadores e secretários de saúde fossem capazes de controlar o instinto autoritário. Imagine se não houvesse quem planta lágrimas para vender lenços.

E o mais curioso é que, a cada onda dessa pandemia, temos diante de nós a oportunidade de corrigirmos os erros, de fazermos tudo diferente do que já fizemos, de tomarmos decisões diversas daquelas que tomamos em março de 2020, no calor da hora e envoltos no medo. Em vez disso, porém, insistimos em chamar o Fulano de genocida e o Sicrano de negacionista, em impedir que as pessoas ganhem o pão e em ouvir falsos profetas. É o que vai acontecer nas próximas semanas, com a chamada Terceira Onda. Mas eu, que sou um otimista, acredito que na Quarta Onda tudo há de ser diferente. Ah, se há.

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