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Muro de Berlim Lava Jato
A queda do Muro de Berlim levou comunistas ao arrependimento.| Foto:

Passei o carnaval na companhia mais-que-agradável de Jorge Amado. Em “Navegação de Cabotagem”, o romancista baiano fala de si mesmo (afinal, trata-se de um livro de memórias) e, no processo, acaba explicando bem desenhadinho como os intelectuais comunistas moldaram o mundo que temos a questionável felicidade de habitar hoje em dia. Com direito a muitas versões pretéritas de Lulas, Alexandres de Moraes e até Tabatas da vida. Realmente não há nada de novo sob o sol.

No começo do livro, aliás, Jorge Amado fala de Lula. Comentando as eleições de 1989, ele elogia o comunista Roberto Freire e se mostra simpático ao então “líder sindicalista do Partido dos Trabalhadores”. Mas, conhecedor das entranhas do marxismo como era, Jorge Amado se assusta com o discurso de Lula, comparando-o, já naquele tempo, ao tirano albanês Enver Hoxha. “Discurso de um atraso pasmoso [...]. Discurso classista, aponta exatamente para a ditadura do proletariado: tão antigo e superado, dá pena”, escreve.

Ou pouco mais adiante, Jorge Amado fala do Partido dos Trabalhadores. Na verdade ele se arrepende de ter elogiado a agremiação. Escreve há mais de 30 anos o criador de Dona Flor e Gabriela que “a ilusão durou pouco, logo o PT virou frente de grupelhos e de siglas radicais, os mesmos subintelectuais dos pecês, sob o comando de ex-dirigentes stalinistas e maoístas que perderam toda e qualquer perspectiva política, já não acreditam em nada: são apenas aproveitadores”.

Uma das delícias de ler as memórias de Jorge Amarado, aliás, está na forma como ele se arrepende de ter dedicado tanto tempo, quase uma vida, a uma ideologia fracassada e assassina. Em certo momento, ele conta como, durante um jantar, ficou sabendo que havia torturas do lado de lá da Cortina de Ferro. Para quem acredita na sinceridade do narrador, é emocionante. E um bocado triste também.

Escrito entre julho de 1991 e junho de 1992, o livro é cheio de historietas de personagens maiores e menores que se dedicaram integralmente ao Partido e à causa. Que doaram sua vida, seu tempo, suas relações pessoais, seu talento. Que acreditavam com uma fé que hoje nos parece incompreensível e que para Jorge Amado, à luz da queda do Muro de Berlim  e do colapso da União Soviética, é motivo de arrependimento. E é aqui que entra a Lava Jato.

Aqui entra a Lava Jato

No auge da Lava Jato, quando Lula foi finalmente em cana e os fogos de artifício coloriram os céus da República de Curitiba, imaginei que para o PT era o fim. Peguei uma cadeira bem confortável, me sentei e fiquei só esperando o mea culpa de políticos, intelectuais, artistas e jornalistas. Esperava que, assim como Jorge Amado e Prestes ao verem tombar o Muro da Vergonha, os petistas tivessem a hombridade de reconhecer que haviam acreditado numa farsa.

Isso, evidentemente, não aconteceu. Tanto é assim que temos Lula III no Trono de Babaçu. Mas não se pode dizer que os pecadilhos da Lava Jato tenham sido os responsáveis por isso. A culpa recai sobre aqueles que antigamente chamávamos de formadores de opinião e que hoje em dia chamamos de influencers: artistas, intelectuais populares, jornalistas e eventuais tuiteiros, instagramers e youtubers.

Foram eles que, por ignorância, desonestidade intelectual ou uma mistura das duas coisas, se recusaram a reconhecer que o Departamento de Propina da Odebrecht e o triplex do Guarujá estão para Lula e o petismo como as torneiras de ouro e os gulags estavam para os ideais de igualdade e justiça do comunismo. Foram eles que não conseguiram encarar o fato de terem dedicado suas vidas a exaltar um partido e um líder que não valiam nem valem um tostão furado.

Por quê? Me arrisco a apressadamente (é domingo!) dizer que a diferença entre a reação dos comunistas da velha guarda e os Che Guevaras de apartamento está na formação intelectual e moral. Uma diferença que a Lava Jato não percebeu e da qual só me dei conta agora, ao ler “Navegação de Cabotagem”. É que, apesar de serem ateus e de acreditarem na utopia marxista, os comunistas d’antanho ainda se importavam com a honra, com o legado intelectual, com o fazer o certo. O PCO, aliás, é um resquício disso.

A Lava Jato fez um ótimo trabalho em dialogar com pessoas que ainda levavam em conta esses valores. Ela só não esperava que os formadores de opinião de hoje fossem tão desonestos e demonstrassem tamanho descomprometimento com o próprio legado moral e intelectual. Ela só não esperava encontrar uma geração para a qual vencer é mais importante do que fazer o certo.

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