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Todo o debate em torno da distribuição “gratuita” de absorventes mostra como somos escravos numa arena pública dominada pela esquerda.
Todo o debate em torno da distribuição “gratuita” de absorventes mostra como somos escravos numa arena pública dominada pela esquerda.| Foto: Bigstock

Fui trouxa. Ou pior, escravo. Quando dei por mim, estava escrevendo sobre absorventes. Pior ainda, estava lendo sobre absorventes. Opiniões apaixonadas a favor ou contra. Trocadilhos ruins que na hora parecem bons (PC d’O.B), memes, zilhões de memes. Falácias disfarçadas de argumento. Ruído, muito ruído, e afetações de todos os tipos se passando por argumento. E, no meio de tudo isso, meus dois dedinhos de prosa.

O sequestro do debate público em torno de uma questão menor como essa mostra como a esquerda, aqui exemplificada pela causa da “pobreza menstrual” proposta pela deputada-que-rima, Tabata Amaral, domina completamente essa arena. E, ao redor da arena, instala armadilhas para que seus adversários se arrisquem antes mesmo de lutar contra a ideia, por mais estúpida que seja ela.

Só de pensarmos na distribuição “gratuita” de absorventes como assunto de política pública estamos sendo escravizados. É como se Tabata Amaral nos tirasse à força de nossas senzalas intelectuais e nos levasse para sua plantação de assistencialismo, onde nos vemos obrigados a trabalhar incansavelmente colhendo argumentos e estatísticas capazes de servir de base ou refutar essa bobagem.

Ao longo dessa lida, muitos de nós nos iludimos e sentimos que a pele está livre dos grilhões. Mas não. Há uma corrente invisível que une os escravos nesse cativeiro interminável. Raramente nos damos conta disso. E, se ignoramos o peso da corrente, é porque nossos feitores têm esse estranho poder de nos seduzir com a ideia. Por mais estúpida que seja ela.

Tanto da parte dos feitores quanto dos escravos, o mecanismo desse esquema é complexo. Diria até ultracomplexo – para você não ter a menor dúvida dessa complexidade. Envolve arrogância, venalidade, um tiquinho de perversidade e dois ou três litros de vaidade. Mas o principal ingrediente é mesmo a insuportável necessidade de dar algum sentido à vida. Ao plantarem a ideia (por mais estúpida que seja ela), os feitores sentem que podem moldar o mundo de acordo com sua vontade.  Ao colherem, desfolharem e debulharem a ideia, os escravos se sentem vivos, como se o suor de seus raciocínios fosse capaz de irrigar essa terra árida de valores.

Assim, quando percebemos estamos aqui: sem comer ou beber, o sol a pino, a mão ferida de tanto arrancar o fruto desse cafezal dos infernos. E nos tratando uns aos outros como inimigos, como se não fôssemos irmãos nessa miséria política em que nos meteram. Hoje é o absorvente, amanhã é a Lei Paulo Gustavo; na semana seguinte, CPI da Covid e a busca por alguém que personifique essa culpa desgraçada que precisamos expiar. E, depois, eleições ou energia limpa ou o terrível sofrimento dos gordos.

Qualquer coisa que seja do interesse dos feitores. Ou melhor, qualquer coisa que desvie os escravos de realizarem seu propósito de vida: a verdadeira liberdade. Qualquer coisa que os distraia ou que os entretenha. A pipa da desigualdade social. As bolinhas de sabão do ambientalismo. O esconde-esconde da homofobia. O pega-pega do identitarismo.

Uma vez que se reconheça a condição de escravo, resta saber se há alforria possível. Uns se embrenham no silêncio e, descalços, evitando onças e arbustos espinhentos, sonham alcançar um quilombo de paz. Mas a fuga nem sempre é uma opção. À luta resignam-se outros tantos – o tempo todo acreditando que serão capazes de tomar a Casa Grande e instaurar algum tipo de comunidade livre.

A maioria, contudo, continuará saindo para o trabalho todos os dias, às vezes de cabeça baixa, às vezes de cabeça erguida. É a multidão da qual ouso fazer parte – tem um cantinho aí para mim? Colhemos e debulhamos as ideias estúpidas dos feitores e pode parecer que somos de uma mansidão tola. Mas não. Há, entre nós, hábeis sabotadores que enxertam nas mudas de estupidez galhinhos de sabedoria. E, se plantamos essas árvores, é porque acreditamos que um dia elas florescerão e darão frutos que serão colhidos quando não mais estivermos aqui.

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