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Brasil heróis
Não, a capa vermelha não é nenhuma mensagem subliminar comunista.| Foto: Pixabay

“Mas não tem ninguém pra dar um jeito nisso, não?”. Essa é a pergunta que mais ouço em relação aos sucessivos desmandos do STF/TSE, desde a abertura do Inquérito do Fim do Mundo até a recente cassação de Deltan Dallagnol. Mas não só. Também sobre Lula, MST, Janja, aumento de impostos, declarações de amor a ditaduras, etc. Donde, pedindo desculpas pela obviedade necessária, concluo que o Brasil está carente de heróis.

Eu mesmo, ao assistir ao discurso emocionado de Deltan Dallagnol comentando a injustiça cristalina perpetrada contra ele pelo Ministro dos Tapinhas na Cara & seus fieis escudeiros, me vi clamando por um ato de heroísmo. “Não chora, cara! Se tranca no gabinete e diz que só sai de lá arrastado, Deltan!”, gritei para a casa vazia. “Diz que decisão ilegal não se cumpre. Sei lá! Faz. Alguma. Coisa. Mano!”, disse, pateticamente indignado e usando uma gíria que não combina comigo.

E, se puxar pela memória, tenho certeza de que me lembrarei de outros episódios recentes da política em que, pateticamente, sempre pateticamente, me peguei imaginando um herói me (nos) salvando do vilão da vez, seja ele Alexandre de Moraes ou... Alexandre de Moraes. Justo eu, que não acredito em heróis. Nem em mitos. Justo eu, que nutro um fiapinho (bem inho mesmo) de esperança na virtude dos homens comuns e na prevalência do bom senso. Justo eu, que creio em milagres.

Mas é que, se você parar para pensar, faz tempo que estamos sendo levados a acreditar no surgimento de um herói-salvador deste caos chamado Brasil. E nem estou falando de Sassá Mutema. Em 1989, Collor já personificava a ideia do redentor nacional com sua caça aos marajás. Depois, o próprio FHC foi considerado o herói com o Plano Real. Ora, o que é o próprio Lula senão um macunaímico herói sem caráter?

Kryptonita

Só contenha aí seu decadentismo e repare que essa necessidade de homens dados a gestos grandiosos e redentores – os heróis – é anterior aos filmes que liquefizeram (tá certo isso?) o cérebro de toda uma geração. Não que o maniqueísmo estimulado pela imaginação eternamente adolescente dos espectadores de filmes de super-herói não tenha levado essa carência ao extremo. Super-carência, aliás. Afinal, com os filmes aprendemos que, contra os vilões calvos e suas capas pretas, só mesmo um herói igualmente caricato. Herói de história em quadrinhos.

Nos últimos anos, primeiro Sergio Moro e depois Jair Bolsonaro preencheram, ou ao menos tentaram preencher, esse papel de herói nacional. Cada qual à sua maneira – e passivamente. Moro e sua Liga da Justiça, por exemplo, lutaram e pareciam ter vencido o Larápio e sua gangue de aloprados – arqui-inimigos do povo brasileiro. Já Bolsonaro foi transformado em herói até pela facada que sofreu durante a campanha de 2018. Joseph Campbell que o diga!

O problema é que, tanto na literatura e no cinema quanto na política, os heróis são soluções preguiçosas para conflitos extremamente complexos. São deus ex machina da pior qualidade. Personagens unidimensionais. Não raro homens amaldiçoados por seus super-poderes. Se os buscamos, portanto, é porque queremos legar a responsabilidade pela “salvação do país” a alguém. Convenhamos: no fundo, esse desejo todo de ver surgir um herói que vai bater no peito e dizer “Deixa comigo!”, e de uma só vez devolverá ao Brasil a relativa paz em que vivíamos num passado idealizado (sempre idealizado), nos é conveniente. Preguiçosamente conveniente.

Heróis não existem. Não os desse tipo aí que você está imaginando, e com os quais sonha indignado. Collor, FHC, Lula, Moro e Bolsonaro são (por mais que tenha gente que não acredite!) humanos. Insuportavelmente humanos. Humaníssimos. Uns mais do que os outros, todos eles têm suas kryptonitas interiores – se é que estou usando a referência correta. No mais, heroísmo de verdade não tem lugar no covil de vilões em que se transformou essa tal de democracia liberal contemporânea. Só que isso os filmes da Marvel/DC não mostram.

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