• Carregando...
alexandre de moraes autoajuda
Alexandre de Moraes: “Me tornar uma pessoa melhor e mais agradável? Impossível!!”| Foto: Valter Campanato/Agência Brasil

Se passei os últimos dias lendo “Como Conquistar Amigos e Influenciar Pessoas”, e passei, o culpado é um amigo de inteligência admirável e inquestionável que, durante uma conversa sobre a demonização da literatura de autoajuda, disse preferir conviver e trabalhar com pessoas que consomem “esse tipo de coisa”. Na hora me lembrei das dezenas de livros de autoajuda que já traduzi (e li) e tive meu momentinho “eureka!” do dia.

Afinal, por maiores que sejam os problemas de estilo, por mais inacreditáveis que sejam as estatísticas (tudo é 90%), por mais abundantes que sejam os lugares-comuns e por mais questionáveis que sejam as referências, os livros de autoajuda sempre partem de um pressuposto interessante: o de que o leitor reconhece ter defeitos e por isso acredita que pode se tornar uma pessoa ou profissional melhor.

Aí pensando bem me dei conta de que as críticas geralmente virulentas feitas contra esse tipo de livro (e de leitor) nascem não só da afetação intelectual óbvia, mas também da inveja do sucesso financeiro dos escritores de maior sucesso. Quando, na verdade, deveríamos é estar celebrando o fato de haver muito mais gente interessada em aprender a fazer o bem para si e para os outros do que gente interessada em chafurdar nas neuroses e ressentimentos históricos da "alta literatura" atual.

No caso de “Como Conquistar Amigos...”, um clássico de Dale Carnegie escrito há quase cem anos e que já vendeu mais de trinta milhões de cópias desde seu lançamento, em 1936, confesso que me incomodaram o secularismo extremo e certo apego à ideia contemporânea de sucesso/fracasso. O livro também parece ter sido escrito para um leitor que não existe mais: o homem para o qual a honra é mais importante do que as percepções externas sobre seu caráter.

Fora isso, foi uma leitura agradável, com bons puxões de orelha para alguém que, como eu, vive de escrever e não raro se deixa levar por impulsos menos-que-louváveis. Tive mais de um “momento revelador” e prometo que me esforçarei para pôr em prática algumas das dicas simples, óbvias e necessárias que o autor dá.

Difícil mesmo foi ler o livro sem ficar me perguntando, a todo instante, se havia algo que eu e o espectro ideológico com o qual me identifico pudéssemos fazer para, digamos, melhorar a nossa relação com o imperador-xerife do Brasil, Alexandre de Moraes, e o espectro ideológico com o qual ele se identifica. Em suma, se havia algo que pudéssemos fazer para, sei lá, conquistar ministros e influenciar decisões virtuosas.

200 milhões de minideuses

Logo no começo do livro, por exemplo, Carnegie aconselha o leitor a não criticar, não condenar e não reclamar. A lógica dele faz um sentido danado: como as pessoas não estão acostumadas à autocrítica, por mais erradas que estejam, a crítica externa é um exercício geralmente fútil porque faz com que Alexandre de Moraes, por exemplo, se coloque na defensiva e direcione seus esforços todos para justificar o erro, e não para corrigi-lo.

Adiante, Carnegie diz que “a única forma de influenciar as pessoas é falar do que elas desejam e mostrar como elas podem conseguir realizar seus desejos”. Tá, mas e se o que a pessoa deseja é fazer o mal (instituir uma ditadura de esquerda), ainda que disfarçado de bem (defender a democracia)? Carnegie não explica isso e é curioso pensar que, para o homem comum de 90 anos atrás, era inconcebível que alguém com um propósito notadamente ruim fosse capaz de ocupar um cargo tão moralmente relevante como o de ministro do STF, quanto mais de impor seus valores tortos à multidão.

Aliás, também é curioso perceber como o livro todo parte do pressuposto de que os homens, inclusive e principalmente os homens públicos, têm como objetivo viver uma vida virtuosa, temente a Deus – e não à história, ao Estado, à Humanidade, à ciência ou ao Partido dos Trabalhadores. Mais do que isso, o livro parte do pressuposto de que mesmo o mais poderoso dos homens quer ser amado pelo próximo, e não por entes abstratos como políticos ou ideólogos ou influencers – como infelizmente se vê hoje.

O que me leva a crer que talvez “Como Conquistar Amigos...” seja mesmo um bom livro para quem, por timidez, insegurança ou temperamento, tem dificuldades para cultivar belas relações pessoais com familiares, amigos e colegas de trabalho que por ventura compartilhem desse desejo de se tornarem pessoas melhores.

Mas que não se aplica em absoluto à guerra política suja em que nos metemos nas últimas muitas décadas, com tiranetes escravizados pela vaidade subjugando um povo escravizado por seus vícios; com a misericórdia excluída do debate público e o culto ao “eu” transformando o país num panteão de 200 milhões de minideuses; com o perdão ridicularizado e as pessoas rezando pelo evangelho às avessas de Maquiavel, Marx e Freud; com o ruído das redes sociais e a epidemia de narcisismo. Etc.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]