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Fico me perguntando: em que Universo usar uma conta do Estado no Twitter para refutar piada de humorista sem graça pode gerar algo de proveitoso?
Fico me perguntando: em que Universo usar uma conta do Estado no Twitter para refutar piada de humorista sem graça pode gerar algo de proveitoso?| Foto: Reprodução/ Twitter

Numa das cenas mais interessantes da interessantíssima série The Crown, a rainha Elizabeth II, ainda jovem, recebe um conselho da avó, a rainha Mary. No episódio, Londres está envolta em uma pesada neblina que culminaria na morte de 12 mil pessoas. A rainha Elizabeth quer fazer alguma coisa, qualquer coisa, mas ouve da avó palavras que cairiam bem no ouvido de muito governante: “Não fazer nada é o trabalho mais difícil que existe. E exigirá de você cada gota de sua energia. Ser imparcial não é natural, não é humano”.

Faz tempo que estou querendo usar essa cena de The Crown para falar das trapalhadas verbais de nossos governantes, sobretudo, mas não somente, Jair Bolsonaro. Mas daí sempre me deparo com a contradição que é sugerir que não se faça nada fazendo algo, isto é, escrevendo um texto a respeito. Contudo, porém, entretanto e todavia (não necessariamente nessa ordem), ao me ver diante de mais uma bobagem da área de comunicação do governo – a briguinha com o humorista Marcelo Adnet – me vi hoje, em pleno domingo, impelido a fazer algo. Neste caso, pedir, sem nenhuma esperança de ser ouvido (zero mesmo!), que nossos governantes, de Jair Bolsonaro a vereadores que aprovam leis para proibir latido de cão, de vez em quando não façam nem falem nada.

É difícil, eu sei. Ah, se sei! E, como diz a vovó real da série, é algo que vai exigir de você uma energia monstruosa. Porque é próprio do ser humano tomar partido. Nosso impulso natural, desde o tempo das cavernas, é bater o pé e dizer “mim vai caçar mamute!” Na situação conflagrada em que estamos, contudo, com as mentes e espíritos incapazes de enxergar um palmo à frente em meio à neblina de ódio e rejeição irracional que tomou conta do país, cada vez mais tenho a impressão de que muita balbúrdia seria evitada com o silêncio e a inação.

Treta desnecessária

Veja o caso recentíssimo, recém-saído do forno, da Secretaria de Comunicação e do secretário da cultura, Mário Frias, que durante o fim de semana foram ao Twitter para tretar (como dizem os jovens) com o humorista Marcelo Adnet. Em que Universo uma atitude como essa geraria qualquer tipo de reação virtuosa?! Nenhum. Mesmo me considerando uma pessoa com uma imaginação bastante prolífica, não consigo compor nenhuma narrativa na qual criar um conflito entre um representante do Estado e um artista menor (convenhamos que Adnet é, no máximo, um Tom Cavalcanti aceito pela classe média psolista) seja proveitoso para a sociedade.

Como imaginar é, em parte, meu trabalho, imagino aqui o responsável pelas mídias sociais do governo Jair Bolsonaro escrevendo aquela longa sequência para refutar Adnet. Será que a cada palavra que escrevia o burocrata acreditava que convenceria o humorista de que ele estava errado em tirar sarro da propaganda oficial? Será que, à medida que os tuítes foram se encadeando, não passou por sua cabeça o furor que isso causaria nos meus colegas, todos tubarões-tigres sedentos pela trapalhada-verbal-semanal que gerará polêmica, likes e mais certezas para quem já vive cheio de certezas?

Partindo do pressuposto meio maoísta, meio aristotélico, de que tudo – até o silêncio – é política, eu diria que, na atual conjuntura, o silêncio e a inação são a política mais eficiente e mais sábia. Afinal, não é preciso ser nenhum enxadrista 4D para constatar que artistas como Adnet hoje em dia têm uma interferência mínima, se é que alguma, no processo eleitoral. Suas palavras podem até causar riso em bobos-alegres como eu, que riem de qualquer coisa, mas é extremamente improvável que elas levem a uma reflexão capaz de mudar o voto do homem comum.

Por que, então, não se esforçar conscientemente para evitar um tuíte que será lido sempre como uma declaração de guerra, como um atentado à democracia, como uma prova incontestável de que vivemos sob o fascismo? Por que não usar toda a energia disponível para se calar diante de uma provocação da oposição? Por que não enfrentar a natureza humana e, provando que somos um pouquinho mais evoluídos do que nossos antepassados da caverna, deixar o mamute mamutando para as paredes?

E, só porque não gosto de terminar um texto com uma pergunta, vou dizer: não creio que seja falta de inteligência. Ninguém me perguntou, mas se me perguntassem eu diria que é incapacidade de conter esse impulso de esfregar uma verdade muito particular na cara dos outros. Mas é preciso se lembrar: o outro talvez não queira se deparar com a verdade e está todo feliz lá nas trevas de suas convicções.

[Se você gostou deste texto, mas gostou muito mesmo, considere divulgá-lo em suas redes sociais. Agora, se você não gostou, se odiou com toda a força do seu ser, considere também. Obrigado.]

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