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Mas então quer dizer que você é contra a alfabetização? Você quer manter as pessoas na “inguinorança”?
Mas então quer dizer que você é contra a alfabetização? Você quer manter as pessoas na “inguinorança”?| Foto: Pixabay

Antes, há uns 70 anos, quase metade da população era analfabeta. Em compensação, tínhamos poesia diariamente nos jornais. O problema (do analfabetismo, não da poesia) persistiu ao longo do século XX. Me lembro até hoje do tom sombrio com que Cid Moreira anunciava as estatísticas nos anos 1980. Que, do jeito que me lembro, eram acompanhadas por uma extensa matéria mostrando os suplícios de uma senhorinha ou senhorinho que não conseguia fazer as coisas mais básicas da vida por serem analfabetos.

Hoje os analfabetos são apenas 6,6% dos brasileiros. Em compensação, temos Anitta e mais um monte de aberrações culturais. Sem falar nas aberrações políticas. Agora repare como as notícias mudaram e as longas matérias piegas desapareceram, porque o problema do analfabetismo absoluto, que servia de desculpa para as massas ignaras viverem na ignorância, simplesmente se metamorfoseou em analfabetismo funcional. Na prática, dá no mesmo.

Ou quase isso. Porque o semialfabetismo ou analfabetismo funcional, como pretendo argumentar apressadamente neste texto despretensioso (mas melódico!), é muito pior do que o analfabetismo absoluto. E é ainda pior se o analfabetismo funcional vier acompanhado por um diploma na Uniesquina ou pela fama e sucesso financeiro. (E se você agora pensou "nossa, que invejoso!" saiba que o raciocínio por clichês só prova meu ponto).

Quando o analfabetismo era um problema a ser combatido, a linguagem tinha de ser conquistada, independentemente das circunstâncias. Até mesmo os ricos precisavam sacrificar alguma coisa – as palmas das mãos - para aprenderem o latim. Os pobres, claro, tinham que se esforçar mais, muito mais. E talvez por esse esforço todos dessem mais valor quando finalmente podiam dizer que dominavam a arte de ler e escrever bem.

E, no entanto, o que a gente fez foi justamente o contrário. Inventamos essa história de que a educação brotava de uma fonte infinita. Era só se abaixar no coxo e beber. O beabá se tornou tão acessível que todos, inclusive as elites, se viram incapazes de dar o devido valor à linguagem. Na vulgarização da alfabetização, perdeu-se a capacidade de admirar o poema bem escrito. Ou a crônica bem escrita (igual a esta). Tão ruim quanto, perdeu-se a capacidade de se reconhecer o poema ou a crônica ruim (diferente desta).

Socializaram a mediocridade linguística. E, por isso, o que temos hoje é uma população com um alto índice de alfabetização, mas também um desinteresse profundo por todas as formas elevadas de linguagem. Entre as quais incluo até mesmo o jornalismo. Mas isso nem é o pior. Quer saber o que é o pior? Então me acompanha até o próximo parágrafo.

O pior é que os altos índices de alfabetização deram origem a uma massa que acredita piamente que ler e assimilar a linguagem (seja ela técnica, religiosa, artística ou política) são a mesma coisa que juntar o bê com o a, o bê com o e, o bê com o i. Você entendeu. Nessa crença, muita gente chega a se graduar. Uns viram mestres e até doutores. Há os que escrevem livros e reportagens para o “Intercept”. E, muito em breve, veremos essas pessoas no Supremo Tribunal Federal – se é que já não estão lá.

Ah, Paulo, mas então quer dizer que você é contra a alfabetização? Você quer manter as pessoas na inguinorança? Você preferia antes, quando as empregadas domésticas assinavam a carteira de trabalho com o polegar? Você não tem vergonha, não?! Logo você, que teve uma avó analfabeta?! Sinto nojo de você! Saiba que você é um lixo. A escória. Seu... Seu...

Ops. Exagerei. Mas foi por um bom motivo: para concluir esta crônica constatando que o ódio semi-instruído que predomina no debate público hoje em dia é prova de que (não pela primeira nem pela última vez) tenho razão. O simples fato de saber formar palavras dá às pessoas uma noção falsa de relevância intelectual. Como se um tuíte ofensivo tivesse valor de “ideia”, independentemente dos erros de lógica nele contidos.

No final das contas, a estupidez certificada do bacharelismo, com seu ataque à tradição e à Lei Natural, é muito mais prejudicial para a sociedade do que o analfabetismo. Afinal, a sabedoria inata do que é certo e errado nunca precisou de mesóclises ou notas de rodapé para se fazer compreendida e sentida.

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