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Paladino da moral, deputado André Fernandes liderou uma campanha de cancelamento contra o humorista Danilo Gentili. Até ser desmascarado como o pecador que todos somos.
Paladino da moral, deputado André Fernandes liderou uma campanha de cancelamento contra o humorista Danilo Gentili. Até ser desmascarado como o pecador que todos somos.| Foto: Reprodução/ Twitter

Sempre que falo de perdão, um bom amigo me diz que sou ingênuo demais e que na violenta guerra cultural de hoje não há espaço para a caridade. Ele mais discorda do que concorda comigo e, até aí, tudo bem. O mais importante que você deve saber sobre esse meu amigo é que ele não gosta de arroz-doce. Nem de bolinho de chuva. Vê lá se tenho cara de quem discute com alguém que não gosta de arroz-doce e bolinho de chuva!

Em geral, rio do amigo que, bem sei, me considera um idiota. Espero que no sentido dostoievskiano do termo. Raramente retruco e, num desses casos raros, disse a ele que só valoriza o perdão quem já precisou dele. Na atual cultura do cancelamento, em que vidas são destruídas por qualquer deslize, distribuir perdão aos baldes é mais do que necessário. Por mais que seja difícil.

Pois bem. O deputado cearense André Fernandes, que tentou destruir a vida do comediante Danilo Gentili fazendo uso do Estado e tentando pregar nele a mais abjeta das pechas, a de pedófilo, deve ser uma dessas pessoas que concorda com meu amigo e acha que a vingança é um instrumento de correção mais eficiente do que o perdão. Pois agora André Fernandes precisará ser perdoado e, em recebendo essa Graça, terá a oportunidade de conhecer o poder transformador do perdão.

Tirem os menores da sala

Acontece que, com apenas 14 anos de idade, André Fernandes, na solidão de seu anonimato pubescente, criou uma conta no Twitter para dividir com o mundo suas reflexões regadas a inexperiência e hormônios em polvorosa. Numa dessas, achou por bem compartilhar uma piadinha com conotação indubitavelmente pedófila. Que reproduzo aqui apenas para fins jornalísticos. Por precaução, contudo, vou dar cinco minutinhos para vocês, leitores, tirarem os menores de 18 anos da sala.

Pronto? Ufa. Agora que estamos só entre adultos, quase me sinto à vontade para reproduzir a piada. Aqui vai: “’Tio o que é pedofilia?’ ‘Vem cá sobrinha senta no meu colo pra eu te explicar’”. Sendo justo, a piada nem é do deputado. Tenho certeza de já ter ouvido isso em algum stand up. Do Dave Chappelle, será? Espero que não tenha sido num do Danilo Gentili. De qualquer forma, esta é a piada. Ri quem pode; segura o riso quem tem juízo; e pede punição quem se considera o paladino da moralidade.

Surpreendido pelo poder de permanência das coisas idiotas que publicamos na Internet e tendo de se confrontar com uma torrente de dedos acusadores apontados contra si, o deputado pediu compreensão - a mesma compreensão que ele não dispensou ao alvo de suas críticas jacobinas.

“Eu tinha só 14 anos”, disse ele. Mas sem pedir desculpas. Aí é que está a tramoia do diabo, como bem apontou C. S. Lewis: nessa mania de justificar, de racionalizar e até de exaltar o que foi evidentemente um erro sem maiores consequências cometido por um menino de 14 anos. Um menino que, quero crer, aprendeu com esse erro. Alguns dirão que “aprendeu tanto” que agora se acha no direito de procurar fio de apologia à pedofilia em ovo satírico.

Transformado em vítima da mesma sanha canceladora que ajudou a atiçar contra o comediante (que, aliás, também merece ser perdoado pela abordagem desastrosa e sem graça de um tema sensibilíssimo), André Fernandes é digno, sim, do perdão. Ele erra. Eu erro. Você, é, você mesmo aí atrás da pilastra, também erra. Erramos todos e nem sempre devemos ser punidos com cadeia ou linchamento virtual por causa de nossos erros. Às vezes a própria consciência do erro é castigo o bastante.

A única questão que fica pendente é se André Fernandes e Danilo Gentili, humanamente falhos como todos nós, merecem o perdão mesmo sem pedir nem demonstrar qualquer tipo de arrependimento. Aí a questão complica. Pessoalmente, prefiro a visão que Tolstói expressa no transformador “O Reino de Deus Está em Vós”, isto é, a do perdão que se concede sem nem o consentimento do perdoado. Mas sei que a corrente majoritária prefere perdoar apenas os que, por meio do pedido de perdão, se mostram arrependidos.

Que seja. De minha parte, sua excelência André Fernandes, o deputado mais jovem do Brasil (como não perdoar uma criança que se orgulha disso?), está mais do que perdoado. Não só pela piada ruim como também pelo tuíte racista que o pudor me impediu de reproduzir aqui. E por tantos outros tuítes, vídeos, pronunciamentos e projetos de lei moralmente equivocados que ele tenha produzido ou que venha a produzir no futuro. Até porque, na condição de “deputado mais jovem do Brasil”, André Fernandes ainda terá muitas oportunidades para errar, se arrepender e, com alguma sorte, se redimir.

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