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Yevgeny Prigozhim
Yevgeny Prigozhim: carinhosamente apelidado de Perigozim, o mercenarim minerim.| Foto: Reprodução/ Twitter

Comento com um amigo que as pessoas estão viciadas em política. Ele me corrige e eu fecho os olhos à espera do velho argumento de que “ainda bem que as pessoas acordaram, que o brasileiro está consciente e não vive mais anestesiado por novela ou futebol”. Mas a falácia não vem. Desviando-se habilmente do clichê, meu amigo diz que as pessoas estão viciadas é em reagir. A tudo. A qualquer coisa. O tempo todo.

As pessoas, no caso, são vocês, mas também sou eu. Não me excluo. Não me coloco lá no alto da Torre de Marfim. Até porque tenho vertigem. Reflito um pouco, como mais um lambarizinho imaginário (entre mim e o amigo há 9.846 quilômetros a nos separar; tanto mar, tanto mar...), bebo mais um gole de cerveja idem. Será que também estou viciado em reagir? Mas não seria esse o meu trabalho?

Nisso mudamos para um assunto mais leve: a péssima fase do Coritiba. Às piadas que o athleticano me dirige, reajo com falsa indignação e com a língua afetada entredentes. Athleticano, humpf. A gente se despede nesse clima de animosidade infantil. Mas os dias seguintes eu passo percebendo o quanto o tal do mundo moderno exige de mim uma reação que seja inteligente e imediata. A. Toda. Hora. Com você não deve ser diferente.

Perigozim

Veja, por exemplo, o que aconteceu na Rússia ao longo de fim de semana, envolvendo o general russo-mineiro Perigozim e seu grupo Fagner (que aparentemente ataca a Ucrânia ao som da letal “Borbulhas de Amor”)*. Ninguém entendeu o acontecido, mas isso não impediu ninguém de reagir ao fato. Desse modo, amores e ódios se constroem instantaneamente. E, por algumas horas, a geopolítica dá um jeito de preencher o vazio do nosso tédio.

Leio que Lula gastou mais de R$700 mil para se hospedar em Paris e reajo com raiva. Assisto a vídeos aos quais o Departamento Jurídico não me permite fazer maiores referências e reajo com indignação. Mais petismo, mais raiva. Mais política identitária, mais indignação. Isso sem falar do mau cheiro que vem do Judiciário  - ao qual reajo com náuseas. Aposto como você também é assim. Confessa, vai!

Não por acaso, ao fim do dia estamos todos esgotados. De tanto reagir a esse monstrengo que é uma mistura de nada com coisa nenhuma. De tanto passar raiva e ficar indignado. De tanto ver o mundo indo por um caminho que nos desagrada. De tanto olhar para fora, sempre para fora, e ficar apontado o dedo para os responsáveis por nossas misérias. Para as pessoas. Para o outro. E, de vez em quando, até para aquele idiota que escreve na Gazeta do Povo.

Mais apalermado que de costume, me pergunto se há outra forma de viver que não assim, por meio da reação impotente aos fatos. Ignorando o fuso horário, quase ligo para o amigo. Até que tropeço na resposta: há. Mas a vida contemplativa (que não é passiva, longe disso!) exige esforço. Sem falar na humildade, na generosidade e na gratidão necessárias para se admirar a vida sem precisar ter sobre ela uma posição rápida e definitiva. Em tempo: contenha essa sua reação aí.

* NOTA PARA O LEITOR DO FUTURO: no dia 24 de junho, Yevgeny Prigozhim, comandante de mercenários do grupo Wagner, que atua na Guerra da Ucrânia, aparentemente se rebelou contra o presidente da Rússia e tentou dar um golpe de Estado. Já o Fagner espero que vocês aí no futuro ainda saibam quem é. Não me decepcionem, por favor.

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